Protesto silencioso, aos fundos da cerimônia em homenagem ao reitor morto. Fotos: Jornalistas Livres
Não fosse a fúria persecutória da Polícia Federal contra suas próprias vítimas, a morte do reitor da UFSC teria ficado na acomodação coletiva, para que a história se encarregasse de fazer justiça. Mas a enxurrada de denúncias de intimidação a professores e dirigentes da Universidade Federal de Santa Catarina, militantes sociais e vários veículos de mídia independente, incluindo os Jornalistas Livres, reacendeu a revolta contra os abusos de poder cometidos pela Operação “Ouvidos Moucos”. Os ataques de agentes federais em nome de uma operação estatal que até agora só gerou morte, espetáculo midiático e inquisição provocam desde a sexta-feira (27/7), amplo repúdio. Manifestos vêm de entidades democráticas e comunidades acadêmicas, como a Andifes e SBPC, Floripa Contra o Estado de Exceção e Curso de Jornalismo da UFSC. Multiplicam-se também pronunciamentos de setores jurídicos, como as recentes declarações do ministro Gilmar Mendes, cobrando providências do ministro Raul Jungmann contra a PF, e até da grande mídia, que foi cúmplice do linchamento moral do reitor Cancellier. Esse espanto tardio com a violação legal dos direitos de cidadãos brasileiros pelo estado policialesco foi sintetizado no inesperado editorial da Folha do dia 30/7, intitulado “Arbítrio à solta”. O destaque afirma que “Inquérito aberto contra professor da UFSC por causa de uma entrevista evidencia que apuração de desvios descambou para intimidação inaceitável”.
As perseguições denunciam o corporativismo dos agentes de exceção, que preferem se auto proteger e atacar seus questionadores a reconhecer os equívocos cometidos no caso do reitor, vitimado por uma lista sem fim de violações aos direitos jurídicos. Todas as manifestações de repúdio a esses procedimentos intimidatórios são marcadas pela comparação aos gestos mais sádicos das ditaduras, do editorial da Folha de S. Paulo, à entrevista de Gilmar Mendes e à nota pública da Associação Brasileira de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (leia abaixo na íntegra). “As universidades federais são patrimônio da sociedade brasileira, e não cessarão a sua luta contra o obscurantismo no Brasil”, afirma a Andifes. A carta foi emitida no domingo (29/7), quando veio a público a perseguição contra o professor do Curso de Jornalismo e chefe de gabinete da UFSC Áureo Moraes. “Uma vez mais, presenciamos a Universidade Federal sendo vítima do arbítrio e da censura”, diz ainda o manifesto. Também a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), emitiu nota em 1/8, manifestando extrema preocupação com a existência de um inquérito policial visando limitar, reprimir ou punir atos de manifestação pública ocorridos dentro do campus da UFSC em dezembro de 2017. Em nota de apoio aos professores perseguidos, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES/UFSC) afirma que o combate ao desvio de verbas na UFSC é só uma aparência para destruir sua autonomia e, de forma explícita, abrir caminho à privatização. “Manifestamos o nosso veemente repúdio à forma autoritária, arbitrária, desumana e espetacularizada que foi adotada na Operação Ouvidos Moucos e que agora assume um caráter intimidatório e contrário à liberdade de expressão por parte da delegada que a época conduzia a operação, que se utilizando de abuso de poder, coibiu qualquer crítica aos desvios existentes em parte do Poder Judiciário, particularmente na condução da citada investigação”, afirma ainda o documento.
O professor Áureo Moraes foi indiciado em investigação da Polícia Federal em junho passado, sob a acusação de ter participado de uma cerimônia em comemoração ao 57º aniversário da UFSC, quando a instituição prestou uma homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier e lamentou sua morte. Para justificar a investigação, a delegada Érika Marena, responsável pela ordem de prisão endossada pela juíza federal Janaína Cassol, entrou com uma representação contra o professor por crime contra a honra, conforme reportagem de Wálter Nunes para a Folha: “PF intima professor da UFSC após evento com críticas à polícia”. Justamente ela, que foi denunciada pela família de Cancellier por ter arruinado a reputação do reitor, conforme declarou o ministro Gilmar Mendes à jornalista Mônica Bérgamo, em sua coluna na Folha: “Eles [Polícia Federal] não têm nenhum cuidado com a honra alheia e são tão cuidadosos quando criticam os seus”.
Através da intimação de Áureo, a PF busca responsabilizar a instituição por um ato organizado por estudantes, professores, servidores e movimentos sociais que aproveitaram o aniversário da universidade para exigir investigação e punição dos abusos de poder no caso do reitor. Os manifestantes ocuparam o local do ato oficial empunhando cartazes e faixas contra o estado de exceção, a espetacularização da justiça, a falta de cuidado nas apurações, a violação da autonomia da universidade e dos direitos jurídicos constitucionais. Nos cartazes e faixas repetia-se a questão: “Quem matou o reitor?”
O foco de investigação da PF gira, contudo, em torno de uma única faixa que fez fundo ao discurso do chefe de gabinete com o enunciado “As faces do abuso de poder”, acima das fotos dos agentes envolvidos na Operação Ouvidos Moucos: a delegada da Polícia Federal Érika Marena; a juíza federal Janaína Cassol; o procurador da República André Bertuol; o corregedor Geral da UFSC Rodolfo Hickel do Prado e o superintendente regional da Controladoria-Geral da União Orlando Vieira de Castro Júnior. No encerramento da cerimônia, os manifestantes em torno da cerimônia romperam pela única vez o silêncio dos cartazes e faixas, puxando as palavras de ordem: “Queremos justiça”, “Justiça, justiça, justiça!”, “Fora Temer”, “Cau, presente!” e “Universidade pública sempre!”
A faixa questionada como crime de honra pela delegada Érika Marena
Outros dirigentes da UFSC estão sendo obrigados a prestar depoimento na investigação, como o próprio reitor Ubaldo César Balthazar, que substituiu Cancellier após vencer eleições diretas e foi normalmente confirmado no cargo pelo novo ministro da educação, Rossieli Soares da Silva, na sexta-feira, 38/7. Além do professor Áureo Moraes, está sendo investigado pela mesma manifestação o arquiteto popular Loureci Ribeiro, liderança do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, entidade erguida um dia após a tragédia da UFSC, que também emitiu nota protestando contra os novos abusos e intimidações pelos agentes da “Ouvidos Moucos”. As investidas se baseiam em acusações de calúnia e difamação e de crimes contra a honra, que ocorrem no âmbito do direito privado e deveriam se restringir a pessoas físicas privadas. “As ações públicas de agentes públicos podem ser criticadas no espaço público de uma democracia, sob pena de suprimirmos a “liberdade de expressão que constitui o estado democrático”, explica a professora Maria Borges, que está se especializando em filosofia do direito.
Professor Áureo Moraes, de terno azul, seguido à direita pelo reitor Balthazar e pelo ministro da Educação, que o nomeou no cargo na sexta-feira, 28/7. Da foto, ao menos cinco dirigentes da UFSC estavam na cerimônia
Realizada no dia 18 de dezembro, no Hall da Reitoria, com a universidade já bastante esvaziada, a cerimônia iniciou com música clássica e discursos serenos, sem exaltações, num esforço oficial de marcar de modo discreto e sereno o aniversário da instituição. O que prevaleceu, contudo, foi o clima fúnebre, num misto entre luto e luta.
Com a execução do “Lamento Sertanejo”, que fala da saga de um brasileiro humilde vindo do interior, como o reitor Cancellier, o Madrigal e Orquestra de Câmara da UFSC, regido pela maestrina Miriam Moritz, deu o tom da tristeza de uma universidade que viveu a violência policial como nunca antes na sua história. Ao tomar a palavra, Balthazar lamentou que fosse obrigado a fazer a homenagem póstuma a Cancellier como reitor pró-tempore. Antes dele, Áureo Moraes afirmou que se vivia um momento duplo: primeiramente de congraçamento pela história da UFSC e depois de luto pela perda de um líder tão importante para a comunidade, atingido por “uma série de absurdos cometidos”. Evocou a serenidade do sertanejo, “que se indigna, se revolta, mas apresenta esse lamento da forma mais serena possível”. Acrescentou ainda: “Precisamos exercitar todos os dias a nossa coragem contra tudo o que nos fizeram, mas construir a harmonia para defender a autonomia universitária e combater qualquer arbitrariedade. “E ninguém tem o direito de abalar essa harmonia daqui por diante”.
Na sequência, o quadro do reitor Luiz Carlos Cancellier, morto com apenas um ano de gestão, foi integrado à galeria dos reitores da UFSC e passou a ser uma lembrança dolorosa na parede da ante-sala do Conselho Universitário. Nota de repúdio às intimidações abusivas publicada hoje em sua página oficial, o Curso de Jornalismo da UFSC/ Pós-Graduação em Jornalismo informa que ao ser intimado pela PF, o professor Áureo “foi pressionado a identificar os estudantes, colegas docentes e técnicos administrativos que participaram do evento e protestaram contra o que consideram abuso de autoridade de partes dos agentes públicos responsáveis pela famigerada operação ‘Ouvidos Moucos’, cujos desdobramentos trágicos e resultados pífios são conhecidos, publicamente”.
A tentativa de censurar e criminalizar a instituição pelo direito e liberdade de se manifestar contra a conduta de agentes públicos federais não é apenas procedimento da mais arbitrária e prepotente das ditaduras, como assinalou em artigo publicado pelos Jornalistas Livres o cientista político da UnB, Luís Felipe Miguel (ele próprio vítima de ameaça de processo pelo ex-ministro Mendonça Filho, que o acusou de improbidade administrativa pela proposição da disciplina O Golpe de 2016 e o Futuro da Democracia no Brasil). É também prova inequívoca de frieza e crueldade com o sentimento coletivo natural de revolta pela tragédia, que significa, em última instância, três mortes: a do reitor, a da autonomia universitária, a do Estado Democrático e de Direito.
Havia muitos cartazes na cerimônia, mas só um tornou-se alvo de Érika Marena. Foto: Jornalistas Livres
PERSEGUIÇÃO A JORNALISTAS
A fúria persecutória pós-morte de Cancellier atinge também a mídia independente. Uma repórter dos Jornalistas Livres está sofrendo ação criminal na 7ª Vara da Justiça Federal pelo ex-corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, que incriminou o reitor na PF e Justiça Federal, municiando o pedido de prisão com base em uma possível ameaça de morte que teria sido ouvida não se sabe por quem. Em dossiê publicado no dia 30 de outubro, os Jornalistas Livres denunciaram o histórico de conduta do então corregedor, revelando os processos judiciais que o envolvem por abuso de poder, calúnia e difamação, produção de invasão a domicílio mediante falso testemunho de ameaça de morte a mão armada, espancamento e tortura psicológica de mulheres, além de crimes de trânsito e de direção perigosa que colocam em risco a vida da comunidade, um com agressão física e outro com carteiraço.
Na acusação aos Jornalistas Livres, Hickel alega ter recebido ameaça anônima de morte na forma de um bilhete em papel impresso que teria sido entregue num envelope dirigido a ele em sua sala na UFSC, com três palavras digitadas: “Bandido, assassino, psicopata”. À “ameaça” estaria anexada uma cópia do dossiê “Corregedor que entregou reitor à PF já foi condenado por calúnia e difamação”. Estaria anexado ainda relatório de seus dados no Sistema de Informação de Segurança Pública (SISP), extraídos por três agentes da Polícia Militar de Santa Catarina entre os dias 3 de outubro e 10 de novembro de 2017. Com base nesses relatórios, cujo acesso só é permitido a agentes do sistema, em dezembro de 2017, Hickel também moveu queixa contra os policiais no Comando Geral do BOPE de São José por vazamento de informações sigilosas, que resultou na abertura de Inquérito Policial Militar. Os policiais alegaram que fizeram consultas ao cadastro individual de Hickel para consumo interno porque o noticiário sobre o suicídio do reitor envolvendo o nome do corregedor suscitou curiosidade. A Justiça Militar considerou o acesso ao SISP regular e o IPM nº 776/2017 foi arquivado em 25 de junho pelo juiz militar Marcelo Pons Meirelles. Embora o ex corregedor fizesse uso constante das câmeras internas de vigilância da UFSC para abrir processos administrativos e expedientes intimidadores contra dezenas de servidores, estudantes e professores, desta vez nenhuma delas foi acionada para comprovar o recebimento da ameaça e a sua relação com os demais fatos.
Exonerado do cargo pelo reitor Ubaldo Balthazar em 2 de fevereiro, o corregedor entrou com mandado de segurança contra a UFSC para anulação do ato. Todavia, seu afastamento da universidade foi mantido pelo juiz federal Osni Cardoso Filho, após verificar que Hickel era alvo de uma sindicância instaurada pela Corregedoria Geral da União, em Brasília, a partir de denúncias de desvios de conduta, assédio moral, tortura psicológica e perseguição a membros da comunidade universitária. Até hoje não foram divulgados os resultados dessa investigação, que ouviu dezenas de pessoas na UFSC no início do ano. Nem o reitor, nem o atual corregedor Ronaldo Viana, nem as dezenas de vítimas que alegam ter sido aterrorizadas e assediadas por ele têm qualquer informação a respeito. Na tática do atacar para se defender, a delegada Érika Marena também está movendo perseguição judicial contra os jornalistas Marcelo Auler e Paulo Henrique Amorim.
Nós, docentes do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reunidos em Colegiado, no dia 30 de julho de 2018, manifestamos nosso mais veemente repúdio aos atos de agentes públicos, neste caso da Polícia Federal/SC, que ferem dois direitos fundamentais tão duramente consagrados na constituição: a liberdade de expressão (direito à opinião) e a autonomia universitária.
O professor Áureo Mafra de Moraes está sendo alvo de uma investigação da Polícia Federal por ter participado, na condição de chefe de gabinete do reitor, da homenagem feita ao reitor morto, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, por ocasião da celebração dos 57 anos da UFSC. Intimado pela PF, o professor Áureo foi pressionado a identificar os estudantes, colegas docentes e técnicos administrativos que participaram do evento e protestaram contra o que consideram abuso de autoridade de partes dos agentes públicos responsáveis pela famigerada operação “Ouvidos Moucos”, cujos desdobramentos trágicos e resultados pífios são conhecidos, publicamente. O processo revela prepotência e autoritarismo. Estamos de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que em nota pública sobre o episódio escreveu: “A autonomia universitária, resguardada pela Constituição Federal, tem sido desprezada, e aqueles que deveriam fazer cumprir a lei e garantir os direitos expressos na carta magna brasileira, lançam mão de artifícios para intimidar, cercear e tentar impor um regime ao qual a Universidade não irá jamais se curvar”.
Não se trata de um caso isolado. O professor Paulo Pinheiro Machado, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH/UFSC), que atuou de forma pacífica durante a invasão do Bosque da UFSC pela Polícia Federal em 2014, após oitivas e inquéritos similares da PF tornou-se réu em um processo recentemente confirmado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Outros episódios já aconteceram também na Universidade Federal de Minas Gerais (invasão do campus e condução coercitiva do reitor) e, mais recentemente, a instauração de processos contra professores da Universidade Federal do ABC (em São Paulo), pelo fato de terem organizado um lançamento de livro. Há menos de um ano, os mesmos agentes públicos, liderados pelo Ministério Público Federal e ministro da Educação, tentaram impedir, na Universidade de Brasília (UnB), a realização de uma disciplina que refletia criticamente sobre os acontecimentos que levaram ao afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff, em agosto de 2016. A universidade pública federal brasileira está sob intenso ataque pelas forças que tomaram o poder político no país, não há dúvida.
Assim, nos manifestamos em defesa da liberdade de expressão e da autonomia das universidades públicas federais.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) manifesta sua indignação com as ações desencadeadas por agentes que afrontam a Universidade Pública Brasileira e o Estado Democrático de Direito. Uma vez mais, presenciamos a Universidade Federal sendo vítima do arbítrio e da censura.
Nesta sexta-feira, 27 de julho, a imprensa nacional revelou que a Polícia Federal de Santa Catarina instaurou inquérito contra o professor Áureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete da Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O professor foi intimado, no mês passado, por ter participado de ato público pelo 57º aniversário da UFSC, ocasião em que lamentou a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que se suicidou em outubro de 2017, após ser preso sem acusação justificada, sendo submetido a humilhações descabidas.
A intimação do professor Áureo Mafra de Moraes, e a determinação para que faça comunicação em caso de eventual mudança de endereço, bem como a tentava de proibir manifestações da comunidade universitária, constitui lamentável retrocesso para a democracia brasileira. A abertura de inquérito policial contra o professor Áureo de Moraes agride, assim, a universidade e a democracia. Infelizmente, é mais uma demonstração de repetidos abusos e desrespeito à lei que temos vivenciado e que lamentavelmente nos remete à Ditadura, período em que, é bom lembrar, o arbítrio e o abuso de autoridade eram práticas correntes e justificadas com argumentos estapafúrdios. A autonomia universitária, resguardada pela Constituição Federal, tem sido desprezada, e aqueles que deveriam fazer cumprir a lei e garantir os direitos expressos na carta magna brasileira, lançam mão de artifícios para intimidar, cercear e tentar impor um regime ao qual a Universidade não irá jamais se curvar.
A Andifes, as reitoras e os reitores das Universidades Federais solidarizam-se com a comunidade da Universidade Federal de Santa Catarina, com seus gestores, ex-reitores e com seus servidores, reiterando o direito constitucional às manifestações pacíficas, que não podem ser criminalizadas, pois se constituem em conquista essencial da vida democrática. As manifestações promovidas pela comunidade universitária da UFSC e pela sociedade são legítimas e democráticas. São vozes cidadãs que pedem justiça e que justamente rechaçam as ameaças à Universidade Pública. Ao mesmo tempo, conclamamos toda a sociedade a reagir às violências repetidamente praticadas por órgãos e indivíduos que têm por obrigação respeitar a lei e o Estado Democrático de Direito. As Universidades Federais são patrimônio da sociedade brasileira, e não cessarão a sua luta contra o obscurantismo no Brasil.
A Secretaria Regional da SBPC em Santa Catarina recebeu com extrema preocupação as notícias divulgadas recentemente em nível nacional a respeito da existência de um inquérito policial visando limitar, reprimir ou punir atos de manifestação pública ocorridos dentro do campus da Universidade Federal de Santa Catarina em dezembro de 2017. Nossa representação estadual repudia qualquer tentativa de criminalização e censura à manifestação pacífica de ideias, principalmente quando se trata de um ambiente acadêmico onde deve prevalecer a autonomia universitária, o espírito democrático, o respeito à Constituição e o livre trânsito de opiniões.
Nota do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior Andes/SN- UFSC repudia perseguição de professores
Na atual conjuntura de fortalecimento da visão da educação como mercadoria e das constantes ameaças à autonomia universitária no Brasil e de privatização das universidades, entendemos que a investigação que envolve o Prof. Áureo Mafra de Moraes relativa ao evento de aniversário de 57 anos da UFSC, em dezembro passado, é mais um ataque à autonomia da comunidade da UFSC e um cerceamento à livre manifestação de ideias. Desta forma, a diretoria da seção sindical do ANDES-SN na UFSC manifesta apoio ao Prof. Áureo e permanece na defesa do exercício da democracia e da Universidade Pública.
O ANDES UFSC manifesta ainda o apoio à investigação de desvios de recursos nas Universidades Federais ou em quaisquer outros espaços, mas considera essencial que estas investigações ocorram respeitando o Estado Democrático de Direito e à ampla Defesa. Manifestamos o nosso veemente repúdio à forma autoritária, arbitrária, desumana e espetacularizada que foi adotada na Operação Ouvidos Moucos e que agora assume um caráter intimidatório e contrário à liberdade de expressão por parte da delegada que a época conduzia a operação, que se utilizando de abuso de poder, coibiu qualquer crítica aos desvios existentes em parte do Poder Judiciário, particularmente na condução da citada investigação.
Por fim, destacamos que na atual conjuntura, sob a aparência de investigar desvio de recursos nas Universidades Públicas e sob o argumento de combate à corrupção, está em jogo um ataque neoliberal à estas instituições públicas, cuja finalidade é destruir sua autonomia e, de forma explícita, abrir caminho à privatização. Combatemos e denunciamos estes ataques à Universidade Pública e nos somamos à luta daqueles que fortalecem e defendem o Patrimônio Público e o Estado Direito e que, veementemente, rechaçam o Estado de Exceção.
Talvez vários procuradores de justiça, juízes e delegados de polícia desconheçam a obra de Raymond Carré de Malberg. É pena, porque o jurista francês publicou escritos fundamentais para a vida democrática, na passagem do século XIX para o XX. Suas análises e advertências, não acolhidas pelos conterrâneos, anunciaram o clima de terror na pretensa república de Vichy, escabelo usado pelo nazismo para destruir, humilhar, vencer as resistências dos que perderam nos campos de batalha. Carré de Malberg se preocupou com o Estado de direito e os ataques contra tal regime. No doutoramento, defendido em 1887, o tema prenuncia o desenvolvimento posterior de sua pesquisa: História da exceção no direito romano e nos antigos processos franceses (Editora Rousseau). No capítulo intitulado “Transformação das praescritiones pro reo em exceções” ele mostra o quanto eram importantes, no direito romano, pontos que hoje passam despercebidos na opinião pública e para muitos juristas. Trata-se em primeiro lugar de não conduzir uma decisão sobre questões maiores a partir de questões menores. E também sobre a pergunta se um processo seguiu todos os trâmites exigidos e, ademais, se o magistrado é de fato e de direito competente para o veredicto. Sem aqueles requisitos o direito perde todo sentido, cai o Estado na voragem da força física, arbítrio, truculência contra os réus. Ao deixar o direito, o poder seguiria rumo à barbárie. Vale a pena ler semelhante trabalho, acessível no site da Gallica, Librairie National de France.
Qual o motivo para evocar o jurista do século 20? Carré de Malberg assumiu uma posição positivista no direito constitucional. Entenda-se: ele considerava estratégico analisar o Estado existente, não o idealizado que reside nos manuais de direito, nas aulas universitárias ou sentenças de juízes que da situação efetiva nada conhecem. Eles julgam e condenam ignorando a sociedade real a que deveriam servir. Seria excelente se, em nossa terra, as lições trazidas por ele fossem conhecidas e praticadas. O divórcio entre o povo e a prática do direito seria amigável. Ao persistir o vezo de aplicar códigos idealizados, nossa justiça é levada a um divórcio litigioso com a população, sobretudo a que não habita os palácios. Um ensino precioso que o pensador nos traz, trata justamente da calamidade que rege o trato das chamadas autoridades e o mundo civil em nossos tristes dias. Refiro-me à sua definição do Estado policial.
Vivemos no século 20 sob dois Estados policiais, a ditadura Vargas e a civil/militar de 1964. Em ambas os direitos foram espezinhados, o monopólio estatal da força física foi mantido com selvageria, foram feitas prisões injustificáveis em direito ou ética, torturas, censuras, exílios, assassinatos de opositores. Sob a Polaca, a suposta segurança nacional justificava os excessos do poder. Na ditadura de 1964 surgiram os Atos Institucionais, vários deles redigidos pelas mãos do mesmo autor da Carta de 1937, Francisco Campos, o nosso Carl Schmitt. Na calada da noite, mesmo decretos secretos, delírio totalitário, foram impostos à Nação. E sempre em nome de causas pretensamente nobres, como o combate à corrupção e a luta contra agentes subversivos. É de Raymond Carré de Malberg uma das mais exatas definições do Estado policial. Naquele poder “a autoridade administrativa pode, de modo discricionário e com uma liberdade decisória mais ou menos completa, aplicar aos cidadãos todas as medidas que ela julga útil a ser tomada por iniciativa dela mesma, para enfrentar circunstâncias e atingir em cada momento os fins que se propõe. O Estado policial se opõe ao Estado de direito” (Contribuição à teoria geral do Estado, Paris, Société du Recueil Sirey, 1920).
Na França de Vichy, o Estado policial atingiu o ápice, em país que ajudara a cidadania mundial a conquistar não apenas o Estado de direito, mas democrático. Em alguns meses, séculos de políticas livres foram esmagados sob as patas do exército invasor, dos colaboradores, das polícias alemãs e francesas. Em parceria com a gendarmeria que ajudava os alemães, existiram as Seções Especiais de Justiça. Nelas, alguns magistrados sem caráter e sentimento patriótico julgavam os seus concidadãos como inimigos do Estado. Sim, trata-se de tribunais de exceção cujos atos desprezam todas as regras do direito: falta de motivos publicados, ausência de recurso, aplicação retroativa da lei. O leitor entende, agora, a causa do apelo a Raymond Carré de Malberg: sua própria terra seria o lugar infernal do estupro de todo direito, o paraíso do Estado policial de exceção.
No século XX, em quase todos os Estados a realidade do indivíduo comum, desprovido de poderes contra o Estado, foi similar e magnificamente ilustrada por Jan Kott: “Quatro horas da madrugada…Instante situado entre noite e aurora, minuto em que, nas instâncias superiores, as decisões foram assumidas e o que deveria ocorrer já aconteceu. Hora em que é possível salvar a própria cabeça e fugir. Hora derradeira da opção livre. Toca o telefone, alguém bate à porta. Quem? Não sabemos. Um amigo ou o enviado pelo Grande Mecanismo?” (Shakespeare, nosso contemporâneo). Pouco importa a cor da farda, se ela é negra, marrom, verde ou cinza. O fato é que ela anuncia o Grande Mecanismo policial, o fim dos direitos, a tirania autorizada por muitas togas. Eric Voegelin tem páginas candentes sobre a cumplicidade de magistrados com o poder fardado, basta ler, se o estômago é forte, suas linhas intituladas Hitler e o povo alemão.
Quando se discutiu o Ato Institucional de Número 5, Pedro Aleixo, ao ouvir os bajuladores de sempre afirmarem que o ditador de plantão “jamais abusaria do instrumento legal” replicou (e tal fala lhe custou a presidência): “e o guarda da esquina?”. Nas frases de Jan Kott é clara a decisão tomada em instâncias superiores. Mas as execuções são feitas por subalternos que tocam a campainha das vítimas É-lhes permitido o pior arbítrio. Foi assim que fardas às claras ou dissimuladas estupraram no período a maioria dos campi brasileiros. Naquele instante de terror um sábio dirigente universitário se insurgiu contra os fuzis: “aqui, esses beleguins de tropa militar não entram, porque entrar na universidade só através de vestibular”, disse o reitor Pedro Calmon Muniz de Bittencourt, de imortal memória.
Professores foram cassados, aulas dadas sob a escuta de espiões ou delatores que reportavam aos donos do poder o que se fazia no âmbito acadêmico. Além do vilipêndio dos corpos, os tiranos quiseram destruir mentes e corações. O abuso da força se transformou em ethos policial no Brasil. E para nossa tristeza, muitas togas apoiaram e apoiam tal hábito. Ainda em 2005 escritórios de advocacia foram invadidos por forças policiais, em evidente desrespeito a todas as normas de direito público, cosmopolitas e brasileiras. Na ocasião, denunciei a anomalia. (Cf. Boletim Advocef, Ano IV, set. 2005, edição 31, p. 10).
Com a Operação Lava Jato retornaram os abusos e arbítrios, sempre no conúbio de setores do Ministério Público, Polícia, Magistratura. Não bastam os cortes drásticos de recursos praticados por um governo nada comprometido com as ciências e as técnicas. Não basta o êxodo de cérebros (o perverso Brain Drain) que arranca pesquisadores de sua terra e os leva para os países hegemônicos, em detrimento de nossa gente. Não bastam os salários de miséria com o qual aqui sobrevivem cientistas competentes que testemunham recursos públicos empregados em auxílios moradia e benesses para setores governamentais e da Justiça. Agora ressurgem prisões coercitivas ao estilo descrito por Jan Kott, campanhas de propaganda contra universidades públicas e lideranças políticas, entradas nos campi à caça de supostos corruptos cuja culpa está longe de ser definida. Humilhações foram aplicadas em autoridades acadêmicas como sequer nas duas ditaduras do século XX havia ocorrido. Em tal cenário deu-se o assassinato da alma e o suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Logo após, ocorreu a prisão do reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, com o mesmo festival truculento. A operação “Esperança Equilibrista” (deboche cruel dirigido propositalmente às vítimas da ditadura instaurada em 1964) anunciou a decadência de nosso fragílimo Estado de direito.
Professor Áureo Moraes, indiciado em inquérito policial por manifestação da comunidade universitária contra abusos de poder que vitimaram o reitor Cancellier
O dr. Áureo Moraes, amigo do reitor de Santa Catarina, está sendo ameaçado de ser processado por “calúnia”, por instigação das mesmas autoridades que até hoje não responderam pelo dano irreparável cometido contra a integridade física e moral de Cancellier. É preciso recordar que no Estado de direito a garantia da vida e da pessoa civil dos governados é obrigação intransferível do poder público? Muito pouco surgiu do processo policial contra o reitor. Mas a intimidação se volta contra os que foram e são solidários diante de sua memória e família. É tempo de todas as universidades brasileiras se unirem num só corpo para exigir dos legisladores alguma lei contra o abuso de autoridade. Tal desvio, como disse acima, se transformou em sinistro ethos. Quanto ao Ministério Público, dificilmente ele encontrou uma defesa mais fiel do que em minha pessoa. Face a tamanha violência, só poderei me colocar em suas fileiras quando a prática atual for encerrada. É tempo de todas as nossas instituições e dos que nela operam, reconhecerem a diferença entre o Estado de direito e o Estado policial.
Roberto Romano da Silva é professor titular aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Autor de vários livros, entre eles “Brasil, Igreja contra Estado” (Editora Kayrós, 1979), “Conservadorismo romântico” (Editora da Unesp), “Silêncio e Ruído, a sátira e Denis Diderot” (Editora da Unicamp), “Razão de Estado e outros estados da razão” (Editora Perspectiva).
Reitor pro tempore da UFSC, Ubaldo Balthazar, assinou portaria, afastando Rodolfo Hickel do Prado do cargo de corregedor-chefe e nomeando o corregedor Ronaldo David Barbosa
Um dia após reassumir o cargo de corregedor geral da Universidade Federal de Santa Catarina, Rodolfo Hickel do Prado, pivô das denúncias que desencadearam a Operação Ouvidos Moucos e resultaram na prisão e suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, foi exonerado. Portaria assinada pelo reitor pro tempore da UFSC, Ubaldo Balthazar, afastando-o do cargo de corregedor-chefe e nomeando o corregedor Ronaldo Davi Barbosa, deve ser publicada nesta quinta-feira (08/2) pelo “Diário Oficial da União”.
Dono de uma ficha com antecedentes criminais não investigados antes da sua nomeação pela reitora anterior, Rodolfo Hickel do Prado é apontado como responsável pelas intrigas que levaram a delegada federal Érika Marena e a juíza federal Janaína Cassol a promoverem a prisão do reitor em presídio de segurança máxima seguida pelo seu banimento posterior da universidade.
Portaria exonerando o agente que incriminou o reitor foi publicada hoje. Ele sai do cargo de chefia, mas continua como corregedor até que saia sentença do MPF
Denunciado à reitoria por assédio contra a administradora Ana Peres (que fez a denúncia publicamente numa assembleia de servidores) e investigado pela Corregedoria Geral da União por assédio moral contra estudantes e tratamento agressivo contra professores e servidores da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado foi afastado pelas declarações hostis à universidade. Nelas demonstra desrespeito pela instituição e pela memória do reitor, o qual continuou acusando mesmo depois de morto. Numa dessas declarações, francamente persecutórias ao reitor, afirmou ao jornal “O Globo”: “A barbaridade é que as pessoas do Cancellier continuam na administração da UFSC e nas funções onde está todo o esquema”. Além de duas condenações por calúnia e difamação semelhantes à que levantou contra Cancellier e um processo em fase final por crime de trânsito, denunciado pelo Ministério Público Federal, Rodolfo Hickel do Prado foi processado por duas ex-mulheres por tortura física e psicológica, conforme investigação publicada em Dossiê dos Jornalistas Livres.
Apesar desse histórico, na terça-feira (6/02), Hickel foi vitorioso numa liminar impetrada por ele na Justiça para se antecipar à possibilidade da sua exoneração, na qual prevalece o seu direito de permanecer no cargo até o final do seu mandato, em maio de 2017. Rodolfo Hickel do Prado entrou com a liminar em novembro passado, após declarações do reitor Ubaldo Balthazar de que solicitaria sua exoneração à Corregedoria Geral da União. A reitoria, contudo, se baseia no estatuto da conduta do corregedor para tomar a decisão, alegando que todos os itens foram descumpridos pelo exonerado, cuja conduta se mostra oposta à exigida pelo cargo. As orientações que regulamentam a implantação das corregedorias seccionais pelo decreto federal 5.480 estabelecem em 11 itens as habilidades e características de comportamento que compõem o perfil necessário a um ocupante do cargo. Pelo menos oito itens parecem apontar exatamente para o oposto do comportamento da primeira pessoa a preenchê-lo. Conforme o item 3, por exemplo, o candidato deve ter sensibilidade e paciência; o 4, indica capacidade de escuta; o 5, equilíbrio emocional; o 6, capacidade de trabalhar sob situações de pressão; o 7, proatividade e discrição; o 9, independência e imparcialidade; o 10, adaptabilidade e flexibilidade e o 11, maturidade na prevenção, apuração e solução de conflitos.
Até que a sentença sobre a legalidade da exoneração seja julgada, Rodolfo Hickel do Prado deverá reagir e acionar a Polícia Federal, como vem fazendo para resolver todas as dificuldades que encontra pela frente. Ele, inclusive, comprou uma briga com o BOPE/PM, abrindo inquérito contra três policiais militares aos quais acusa de terem vazado informações sobre processos sigilosos de sua vida pregressa. A par disso, o Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, que se formou após a morte do reitor e luta contra o abuso de poder na UFSC e na comunidade, está organizando uma manifestação de protesto contra a permanência de Rodolfo Hickel do Prado na universidade. Servidor de origem da Advocacia Geral da União, onde também não é bem recebido, conforme manifestação já publicada pelos servidores do órgão, Rodolfo ficará submetido a Ronaldo David Barbosa, com quem tem um péssimo relacionamento. Ronaldo já havia se afastado do órgão por não suportar o seu temperamento, mas foi reconduzido, ao lado de Fabrício Guimarães.
O reitor interino decidiu recompor a equipe inicial da corregedoria, formada por três profissionais de direito, todos eles evadidos do órgão por problemas de relacionamento com o chefe Rodolfo. Balthazar tomou a medida como forma de evitar que o algoz continuasse a atuar sozinho, sem mediação crítica para os seus desmandos. Afastado para licença de tratamento de saúde de 60 dias em novembro, Rodolfo Hickel do Prado estendeu a ausência por mais um mês de férias e retornou na quarta-feira (6), já fazendo ameaças nos jornais de que continuaria seu trabalho “doa a quem doer”.
Depois de assumir o cargo em maio de 2016, um dia após a vitória de Cancellier como reitor, Rodolfo Hickel do Prado sofre sua segunda exoneração. A primeira ocorreu logo após o falecimento do reitor, quando o chefe de gabinete Áureo Moraes afastou-o do cargo e abriu Processo Administrativo por desvios de conduta, acatando denúncia do professor Gerson Rizzatti, que o acusa de perseguição, intimidação e maus tratos. No entanto, a portaria foi anulada pela vice-reitora Alacoque Lorenzini Erdmann, que no dia da decisão recebeu visita dos superintendentes regionais do MPF e da Corregedoria Geral da União e declarou-se, em reunião interna com pró-reitores, intimidada e ameaçada de prisão.
Ao anunciar a batida da Operação “Torre de Marfim” na manhã o dia 7/12 em seus veículos, novamente a empresa comete um gravíssimo “engano”. O apresentador divulga o valor total de verbas repassadas aos projetos de pesquisa da UFSC num período de sete anos – R$ 500 milhões -, como se fosse o valor sob suspeita de desvio, que sequer foi apurado ainda. Depois do estardalhaço do roubo milionário e das reputações arruinadas, tudo se resolve com “uma correção”. Parece que a lição de irresponsabilidade da grande mídia na cobertura da “Operação Ouvidos Moucos”, que ajudou a enterrar o reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, não ensinou nada à rede Globo.
O texto da matéria no G1 também aborda a operação na UFSC de modo incriminador e toma o ponto de vista da PF como absoluto, sem ouvir a universidade. No entanto, a informação contradiz o próprio anúncio da rede na televisão: “São analisados contratos no valor total de R$ 500 milhões. A PF esclareceu que nem todo esse dinheiro pode ter sido desviado, mas é objeto da investigação.”
O que há por trás desse repetido “engano”? É um erro idêntico ao que incitou o linchamento público do reitor Cancellier e levou-o ao suicídio no dia 2 de outubro. Cau foi cunhado pela Globo, diante da opinião pública, como “chefe de uma quadrilha criminosa, que desviou 80 milhões” que, na verdade, correspondia ao total de recursos transferidos ao Programa Universidade Aberta no período de dez anos. A errata levou torturantes 48 horas para ser colocada no ar, tempo suficiente para o reitor, que sequer era citado nas investigações, cair na “boca do povo” como chefe de uma quadrilha.
Amatéria também não explicava que os desvios sob suspeitas haviam ocorrido em período anterior a sua administração. Como carro chefe da programação, a Globo errou no conteúdo da denúncia, pela qual Cancellier era acusado de tentativa de atrapalhar os trabalhos de investigação, não de participar dos desvios, o que não confere motivo de prisão, mas apenas pagamento de multa. Finalmente a emissora errou por nunca questionar a PF pela prisão ilegal do reitor.
Erros fatais na divulgação da campanha da PF parece que não modificaram o descuido com a informação na Globo e suas concessionárias
Até agora não comprovada, a acusação de interferir na apuração foi apresentada pelo corregedor geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, um desafeto político do reitor, já processado por calúnia e difamação e por levantar falsas denúncias que resultaram em operações policiais igualmente violentas e espetaculares, conforme dossiê investigativo dos Jornalistas Livres publicado em 30 de outubro.
Exemplo do efeito dos “erros” na divulgação das operações da Polícia Federal
Fica também evidente por trás dessas operações de nomes publicitários, como “Ouvidos Moucos” e “Torre de Marfim”, o preconceito contra as universidades que domina as corporações policiais. Com a grande mídia atuando como uma espécie de relações públicas, essas investidas espetacularizadas da PF concorrem para incutir na opinião média o estigma de que as instituições públicas de ensino são “antros de corrupção” e que seus professores, servidores e estudantes são “um bando de criminosos”.
Na operação “Ouvidos Moucos”, o site oficial da PF também divulgou o valor total das verbas repassadas ao Programa de Educação à Distância como se fosse o volume do desvios. Grande mídia continuou repetindo o “erro” mesmo depois do suicídio do reitor
Nota da Administração Central da UFSC sobre a nova Operação da PF
A Administração Central da UFSC, por meio da presente nota, torna público seu posicionamento diante de operação policial que promoveu conduções coercitivas de servidores e busca e apreensão em locais do campus Trindade na manhã desta quinta feira, 07 de dezembro.
1. Não houve, de parte das autoridades envolvidas, qualquer comunicado à instituição quanto à ação levada a cabo na data de hoje, na UFSC e em outros locais;
2. Não houve, até o presente momento, qualquer notificação formal à instituição, a respeito do objeto das investigações, das pessoas investigadas ou dos motivos da operação;
3. As menções de que as denúncias teriam sido encaminhadas pela administração da UFSC, conforme consta de algumas notícias veiculadas pela mídia, não se referem oficialmente a nenhuma ação que a atual gestão tenha praticado;
4. As conduções coercitivas de servidores mostraram-se, como as prisões e outras conduções ocorridas em setembro, desnecessárias, considerando, ao que tudo indica, que não haveria resistência ou negativas em prestar todos os esclarecimentos às autoridades por parte dos envolvidos.
Assim, manifestamos novamente nossa surpresa diante de outra operação policial, com ampla cobertura midiática, afetando diretamente a comunidade universitária sem que tenha sido respeitada a relação institucional entre os responsáveis pela operação e a Universidade Federal de Santa Catarina.
Reafirmamos, por fim, nossa convicção de que todo e qualquer ato que configure irregularidade deva ser rigorosamente apurado, desde que seguidos os princípios da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e ao contraditório, com base no devido processo legal, rejeitando qualquer ação apenas espetaculosa e midiática, a exemplo do que vivemos recentemente e cujo trágico desfecho é de conhecimento de toda a sociedade.
Administração Central da UFSC
07 de dezembro de 2017
Logo que a notícia da invasão da Universidade Federal de Minas Gerais foi divulgada na manhã de ontem (6/12), uma enxurrada de manifestações, cartas, moções de apoio tomaram conta do país em repúdio à prisão e à condução coercitiva do reitor Jaime Arturo Ramirez, da vice-reitora Sandra Goulart Almeida, da futura reitora Heloisa Starling e outros três dirigentes na Operação sadicamente chamada de “Esperança Equilibrista”. Grande parte das universidades do país emitiram notas denunciando uma ação orquestrada junto aos aparatos jurídicos e policiais com o propósito de violar a autonomia das instituições públicas de ensino superior para desmoralizá-las e torná-las vulneráveis ao projeto de privatização recomendado pelo Banco Mundial.
As semelhanças entre a “Operação Ouvidos Moucos”, que trucidou a autonomia da UFSC e levou ao suicídio do reitor são muitas: prisão ilegal, prisão coercitiva, sem direito à defesa e à presunção de inocência, produção de espetáculo midiático e divulgação das denúncias de forma a confundir a opinião pública e tomar suspeitas por condenações. A grande diferença, contudo, é uma só: a UFMG tinha a experiência da UFSC e das consequências trágicas que o seu acovardamento ou omissão representariam à universidade inteira. Valendo-se dessa experiência recente, não titubeou em reagir de modo unificado em defesa dos seus dirigentes e da instituição.
Suicídio do reitor Luiz Cancellier foi uma experiência muito amarga que serviu de alerta para todas as universidades. Foto: Pipo Quint Agecom/UFSC
O reitor da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Marcelo Fonseca publicou um contundente manifesto que faz uma recapitulação das agressões sofridas pelas universidades brasileiras, desde a invasão da UFRGS em dezembro de 2016, passando pela prisão abusiva do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, e de outros seis integrantes da universidade, com o seu desfecho traumático, até a ofensiva contra a UFMG . Em todas elas, aparece a denúncia do apelo ao combate à corrupção com o objetivo de insuflar o ódio na população mais desavisada e encobrir o propósito de desmoralização e desmonte de instituições históricas que desfrutam de forte prestígio na comunidade científica e na sociedade como um todo. Esse foi também o teor das notas emitidas pelas agremiações estudantis e diretórios acadêmicos, representados ainda pela nota da presidente da União Nacional dos Estudantes, Mariana Dias, todas elas desmascarando o caráter privatista que paira por trás das prisões e conduções coercitivas consideradas expedientes de governos autoritários.
Mal a comunidade universitária do país se recuperava dos momentos de terror, a Universidade Federal de Santa Catarina foi novamente invadida na manhã de hoje por cerca de 90 policiais federais e auditores da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Até por volta de meio-dia, policiais encapuzados e fortemente armados andavam pelo campus cumprindo 20 mandados judiciais expedidos pela 1ª Vara da Justiça Federal em Florianópolis (SC), sendo 14 de busca e apreensão e seis de condução coercitiva que se referem a indícios de irregularidades no uso de verbas públicas para pesquisas nos períodos de 2003 e 2004. As medidas ainda estão sendo cumpridas em Florianópolis (SC) e Balneário Camboriú (SC), conforme o delegado. O conteúdo político dessas ofensivas está dado claramente: ele é anterior a qualquer outro juízo sobre o mérito de combate à corrupção, uma vez que o direito ao contraditório, a defesa e à presunção de inocência foi negado aos acusados. E, dessa forma, a possibilidade de juízo sobre o teor das investigações foi negada também a toda a comunidade e a toda população.
Os Jornalistas Livres lançam aqui uma primeira edição de um acervo dessas manifestações que a cada minuto se somam a muitas outras originadas nos mais diversos cantos e setores representativos do Brasil. Para a construção desse dossiê em aberto, os leitores e entidades estão convidados a enviarem contribuições de manifestos já publicados ou ainda por serem publicados, de modo que possam ser consultados por todos em um único endereço. Começamos pelas notas dos Compositores João Bosco e Aldir Blanc falando sobre a barbárie das operações – “Uma violência à cidadania”, segundo Bosco, que desautoriza a apropriação indébita do mote de seu hino contra as torturas praticadas pela Ditadura Militar. “Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental”.
Em seu Blog, o jornalista Luiz Nassif dirá que o título sádico da criticadíssima Operação seria uma retaliação à faixa com a qual os estudantes do Centro de Ciências Jurídicas homenagearam o professor Cancellier na cerimônia fúnebre do Conselho Universitário, um dia após o seu falecimento: A faixa fixada em frente ao caixão também citava a canção O bêbado e o equilibrista: “Uma dor assim pungente não há de ser inutilmente”. Como conclui a nota do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção: “O passado triste e sujo de manchas torturadas, imortalizado pela canção de João Bosco e Aldir Blanc, aviltada pelo sequestro indébito do seu sentido, é o que essas ações pretendem reeditar no nosso país”.
Uma lista de 28 intelectuais, professores e dirigentes de instituições acadêmicas, publicou um “Manifesto em defesa ao Estado de Direito e da universidade pública no Brasil”. No documento, eles conclamaram todos os democratas a “repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao Estado de Direito e à memória desse país”. Entre eles estão nomes de referência internacional, como Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Em outra contundente nota de repúdio à ação da PF, a Sociedade Brasileira de Sociologia afirmou: “Lamentavelmente, repete-se a mesma truculência que ocorreu recentemente com a Universidade Federal de Santa Catarina cujo desfecho provocou o suicídio do então Reitor desta Instituição. A recorrência deste ato no interior da Universidade Federal de Minas Gerais atenta claramente contra o principio da autonomia das instituições universitárias assegurada pela Constituição Federal”. A Associação Brasileira de Antropologia também já aprovou uma nota em sua Reunião de Antropologia do Mercosul, realizada em Posadas, Argentina, contra os ataques às universidades de Santa Catarina, Pará, e Minias Gerais. “Manifesto de solidariedade com os acadêmicos brasileiros cujas liberdades básicas estão ameaçadas” também foi divulgado pelo Solidarity.University.Brazil@gmail.com. Acompanhe as atualizações por aqui.
MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA
Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de 2017.
O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal têm se tornado rotina no país.
Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.
É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.
A Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União responsável pela representação judicial e extrajudicial, a consultoria e o assessoramento jurídico das autarquias e fundações públicas federais e de seus dirigentes, inclusive das Instituições Federais de Ensino, recebeu com preocupação as notícias amplamente divulgadas pela imprensa, dando conta de que garantias inerentes ao Estado de Direito teriam sido atingidas em operações que buscam investigar a prática de ilícitos.
Nesse momento de comoção com os excessos relatados pela imprensa, a Procuradoria-Geral Federal vem a público ratificar o seu compromisso com essas tradicionais instituições e com seus dirigentes.
A Procuradoria-Geral Federal tem o dever de zelar pelo respeito à legalidade, ao patrimônio e ao interesse público. Esse dever se concretiza em assegurar que o exercício da função pública se dê de forma responsável e juridicamente segura, livre da ameaça de qualquer forma de excesso ou de desrespeito às garantias fundamentais previstas em nosso ordenamento jurídico.
As Universidades Federais são patrimônio da sociedade brasileira. A defesa dessas instituições e a defesa do Estado Democrático de Direito são dever e compromisso da PGF.
NOTA EM DEFESA DA UNIVERSIDADE, DA DEMOCRACIA
E DO ESTADO DIREITO
O Partido dos Trabalhadores de Florianópolis vem mais uma vez a público manifestar seu repúdio contra as ações policiais e judiciais que têm sido realizadas em diversas universidades e institutos federais de educação, através de prisões preventivas injustificadas, conduções coercitivas, perseguição, humilhação e exposição pública de docentes e gestores.
Essas ações, que já atingiram diversas instituições de ensino, entre elas a UFRGS, a UFPR, o IFSC de Abelardo Luz, a UFSC e a UFMG, e que culminaram com a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, têm como objetivo desmoralizar a educação pública e destruir a soberania científica do país. Em alguns desses casos, configuram-se claros atos de perseguição política de docentes que têm atuação junto a movimentos sociais. Em outros, o que deveriam ser investigações sobre supostos maus usos do dinheiro público, feitas dentro da legalidade, da constitucionalidade e do respeito aos direitos e à cidadania, transforma-se em um recurso de perseguição, destruição de carreiras e de vidas e de ataque sistemático à autonomia universitária.
Essas ações se somam aos enormes cortes de recursos da educação e da ciência e tecnologia patrocinado pelo governo golpista e abrem o terreno para a privatização da educação e implantação do ensino pago no país e para a destruição de nossa soberania científica.
Instalou-se no Brasil um verdadeiro Estado de exceção, em que, em nome de uma genérica “luta contra a corrupção”, jogam-se no lixo todas as garantias constitucionais, a presunção de inocência e o devido processo legal.
Convocamos toda a militância petista e a sociedade em geral para se engajarem na luta em defesa da universidade e da educação pública, pela democracia e pelo Estado de direito.
A condução coercitiva é uma violência que não pode ser corrigida por habeas corpus, dada sua instantaneidade. A pessoa é conduzida pela polícia para prestar depoimento e, encerrado o propósito da diligência policial, é liberada. Contudo, é um ato violentíssimo e ilegal. Ilegal, pois a pessoa investigada não está obrigada a prestar depoimento, pode simplesmente invocar seu direito de não responder perguntas. E é evidente que se ainda não sabe nada sobre a investigação, e ainda não conseguiu conversar com um advogado sobre o tema, não deve responder a nenhuma pergunta. Então a condução coercitiva só tem razão de ser por sua dimensão de espetáculo. Espetáculo de humilhação da pessoa investigada. Não serve para rigorosamente mais nada, só para a polícia federal fazer sua propaganda institucional, mostrando sua “eficiência no combate ao crime”.
Para mim está evidente que essa pretensa “democratização do direito penal, para pegar o andar de cima” sustentada com entusiasmo dentre outros pelo professor Luis Roberto Barroso só se presta à consolidação de uma jurisprudência de flexibilização de direitos fundamentais. Ao invés de avançarmos reforçando os direitos das pessoas “do andar de baixo” (para usar a expressão do Barroso), por exemplo, implementando as audiências de custódia, adotando a prisão preventiva em situações excepcionalíssimas, tornando efetivas as medidas cautelares alternativas, ampliando a atuação das defensorias públicas, etc, estamos adotando um caminho inverso, de desprezo, desamor pelos direitos fundamentais.
Cada um de nós deve refletir sobre que modelo de processo penal deseja em um Estado Democrático, ao invés de se impressionar com o “escândalo da vez”. Há irregularidades nos contratos firmados por determinada Universidade Pública? Investiga-se sem fazer disso um espetáculo! Caso os fatos sejam confirmados após o processo, após produzidas as provas em contraditório judicial e exercida a ampla defesa, as penas previstas em lei são aplicadas. É assim que a justiça funciona ou deveria funcionar. E nós juízes deveríamos ser os primeiros a zelar pelo devido processo legal.
É extremamente grave o que está acontecendo, não sei bem como chegamos até aqui, mas é preciso que os juízes façam essa reflexão. O mais impressionante é que pessoas que se tornaram juízes já sob a égide da Constituição de 1988 não aplicam normas de garantia previstas no Código de Processo Penal da ditadura Vargas!
Nem o suicídio do Reitor Cancellier serviu para fazermos uma autocrítica! Está mais do que na hora de refletirmos sobre nossos atos, sobre o papel que a Justiça Federal tem desempenhado nessa crise institucional e para onde estamos indo!
Foto: Lucca Mezzacappa | Jornalistas Livres
CARTA DE REPÚDIO DA REITORIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
Reitoria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vem reiterar sua indignação e manifestar repúdio à ação de condução coercitiva de dirigentes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em operação que apura supostos desvios na construção do Memorial da Anistia. Em 6 de dezembro, o reitor, a vice-reitora e outros servidores foram levados pelos agentes da Polícia Federal para prestar depoimentos, sem mais explicações.
A UFPB já se pronunciou contra o abuso em documento coletivo, assinado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), e reforça seu posicionamento em relação a essa nova agressão a gestores de universidades federais, que acontece depois de episódio semelhante envolvendo o reitor Luiz Cancellier de Olivo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e que teve a consequência trágica de seu suícidio, no começo de outubro.
A prática da condução coercitiva em fase de investigação, sem prévia notificação ou intimação, é questionada pela sociedade brasileira porque viola direitos e garantias fundamentais. Na sua face mais desrespeitosa e irresponsável, constrange cidadãos e os expõe ao espetáculo midiático e ao julgamento antecipado. No caso das comunidades universitárias vitimadas, é uma violência que atinge a honra, a imagem e a saúde de gestores e servidores que deram relevantes contribuições à sociedade, como manifestou, em nota (link is external), a UFMG.
Em Minas Gerais e em Santa Catarina, sob o pretexto de apurar irregularidades administrativas, o alvo das investidas parece ter sido o mesmo: a desmoralização e enfraquecimento das universidades públicas federais.
A UFPB se solidariza com os dirigentes e toda a comunidade acadêmica da UFMG. Com a UFMG e as demais universidades federais brasileiras, está pronta para resistir e para enfrentar as afrontas à nossa dignidade, à nossa capacidade de gestão e às nossas próprias esperanças, que se equilibram, sim, nos esforços que dedicamos à construção de uma realidade melhor para o País.
Nós não vamos recuar na defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.
Margareth de Fátima F. M. Diniz Reitora da UFPB
SUICÍDIO DE CANCELLIER SACUDIU UNIVERSIDADES DO PAÍS
Luís Felipe Miguel, jornalista, cientista político e professor da UNB
Quando a Polícia Federal fez aquela operação de guerra para invadir a UFSC e prender o reitor, houve muito espanto, alguma indignação e pouca solidariedade. Por um lado, a ação policial era claramente desproporcional ao que a situação exigiria – mas nós já nos habituamos a isso, uma vez que a Lava Jato transformou a repressão em espetáculo. Por outro lado, havia as manchetes da mídia, falando no colossal desvio de 80 milhões. Manchetes mentirosas, ficaria claro em seguida; no momento, porém, funcionou a dependência cognitiva que faz com que a gente se baseie no jornalismo para saber do que ocorre fora de nosso círculo imediato.
A fraca reação à agressão à UFSC mostra como mesmo setores mais críticos e melhor informados estão narcotizados pelo discurso do combate à corrupção a qualquer custo, pouco sensíveis à degradação dos direitos individuais e refratários a entender o jogo político que organiza a perseguição seletiva a pessoas e instituições. Seria de investigar o papel dos “isentões” e do “lavajatismo de esquerda” na produção desse estado de coisas.
O ataque à UFMG já suscitou uma reação bem mais forte, tanto em Minas quanto no resto do Brasil e mesmo no exterior. Não há dúvida de que o suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier foi fundamental para essa mudança. A comoção causada por seu gesto extremo fez aflorar a insensatez da operação policial, sua arbitrariedade, o desrespeito aos preceitos legais e mesmo a banalidade das acusações. As pessoas foram presas e humilhadas sem que fossem rés, antes mesmo de serem convidadas a depor, numa ação cujo custo, para a PF, superou o valor pretensamente desviado. Fica evidente que os motivos por trás dela não eram a defesa da moralidade pública ou a proteção às boas práticas administrativas.
Quando script similar é seguido em Belo Horizonte, é fácil entender o sentido da operação da PF e suas implicações.
Cau sempre foi um moderado, um conciliador. A surpreendente radicalidade de seu ato final cumpriu um importante papel político. Não abalou as autoridades no judiciário ou na polícia, que continuam firmes na trilha do arbítrio, amparadas pela impunidade que o retrocesso em curso no Brasil lhes garante. Estão aí a ação na UFMG, a nova ação na UFSC ou mesmo a promoção da delegada da PF de Florianópolis para provar. Mas ele sacudiu a comunidade universitária, quebrou parte de nosso marasmo e fomentou nossa mobilização. A história da resistência ao desmonte dos direitos, no Brasil de hoje, há de guardar seu nome, com destaque.
Luís Felipe Miguel, publicado na sua página do Facebook
Algo de muito grave ocorre no Brasil. Não falo apenas – apenas? – de tremendos retrocessos sociais, regressão econômica ou cultural. Se isso não fosse suficiente para nos alarmar, a desagregação das instituições de Estado avança rapidamente – ameaçando a existência daquilo que se chama de nação.
Faz cem anos, o liberal Max Weber definia o Estado a partir do monopólio da coerção legitima. De outro lado do muro, o revolucionário Lenin dizia que o Estado era, em suma, uma rede de tribunais, prisões, polícia. Os dois tinham diante de si, para teorizar, o Estado da época – não muito mais do que repressão organizada, monopólio da lei, da ordem e da defesa. Pouco mais do que espada.
O Estado mudou ao longo do século XX, mas as “forças da ordem” seguem sendo sua espinha vertebral. Até mesmo as políticas sociais e regulatórias podem ser vistas, tantas vezes, como uma forma enviesada de vigiar e punir.
Pois é essa espinha vertebral que parece, agora e aqui, atingida por uma doença letal. Faz algum tempo, promotores, juízes e delegados ensaiam movimentos que colocam em dúvida sua identidade. Delegados que dirigem investigações de impacto e ao mesmo tempo se permitem agitação eleitoral explícita. Bem, talvez se pudesse atribuir o descuido à polarização eleitoral. Acontece. Só que não. Um outro se põe na berlinda escandalizando o país (e o mundo) com a afirmação singela de que a carne industrializada continha veneno – vitamina C. O nome da operação – Carne Fraca – transformou-se no seu objetivo não deliberado. Até hoje a carne brasileira é vista com suspeição no mercado internacional. O delegado trapalhão foi posto na geladeira. Seus modos, porém, seguem procriando.
Mais recentemente, uma delegada visivelmente desequilibrada e ansiosa por demonstração de poder, manipula informações e induz uma juíza, essa também visivelmente apressada, a promover um espalhafato grotesco e de trágicas consequências, com o suicídio de um reitor de universidade acossado por uma matilha de cães.
Passa algum tempo e a cena se repete, também com espalhafato e requintes de truculência, se assim podemos dizer. A Universidade Federal de Minas Gerais é exibida, em operação tosca, como antro de perversões, poucos dias depois de ali se ter realizado um protesto contra a pantomima de Florianópolis.
Mas seria fastidioso listar e descrever as manifestações da praga. Como o estrelismo de um juiz que se faz fotografar portando fuzil e com pose de justiceiro, filme B de uma hollywood suburbana.
Mas estas cenas, por enquanto, parecem ocorrer em círculos até mesmo favorecidos da escala social. A cena seguinte, igualmente desmoralizante, ocorre em outro quadrante. Ouço no bar a notícia de que o chefe do tráfico da Rocinha fora preso por uma ação combinada das polícias Civil, Militar e Federal, da Guarda Nacional e das Forças Armadas. Só faltou a guarda suíça do Vaticano. Surpreendente que alguém ache que o tráfico seja mesmo comandado por alguém como ele, num barraco do morro. E mais surpreendente que seja necessário essa conjunção de estrelas para capturá-lo. Seria mais razoável verificar a movimentação de algumas contas bancárias. Porém chego em casa e me espanto ainda mais com as imagens do pós-combate. Policiais se fazendo fotografar ao lado da estrela presa. Uma polícia feminina faz uma selfie com o astro capturado. Lembro-me da letra do funk: “Ela não anda, ela desfila, tira foto para botar no facebook”. É a isso que se reduz o braço da lei?
Nos andares inferiores da sociedade, aqueles com os quais em geral menos nos incomodamos, já é usual ver esse comportamento. Pouca gente se incomoda – muita gente aprova – que a polícia invada barracos aos pontapés, sem mandado e tantas vezes sem outro motivo senão demonstrar a própria forca. Pode demonstrar a força, mas desmancha a autoridade. Deixa de ser vista como a ordem legitimada e passa a ser igualada aos seus adversários (aparentes?), os criminosos.
Quando indivíduos e mesmo frações organizadas dentro das corporações de segurança assim se comportam, eles não erguem a imagem dessas corporações. Eles a rebaixam. O resultado dessa escalada é a desintegração das instituições da ordem – espinha dorsal do Estado. A quem interessa que um Estado se desmanche e uma nação se desfaça? A quem aproveita? – perguntam os advogados quando diante de um crime sem culpado à vista.
Os personagens desses atos estapafúrdios podem ser movidos pela sua imaturidade, pela sua ambição desmedida, apenas isso. Ou não. De qualquer modo, com esses atos não promovem a lei. Eles a lançam na sarjeta e no pântano. E ali, ela é disputada pelos crocodilos. Crocodilos que falam – ou não – o idioma nacional. São eles que espreitam, sombrios, salivando para abocanhar o que sobra da operação de desmanche.
A reversão desse processo exige bem mais do que agentes salvadores – fardados ou não. Um “resgate” dessa natureza seria aprofundar o mal. O quadro exige um reencontro da nação consigo mesma – reorganizando o pacto de convivência em condições mais justas e equilibradas, menos vulnerável ao desespero e à incerteza. Um pacto tutelado foi constituído sob o medo da chamada transição politica. Esse ciclo revela seu limite.
É preciso um esforço de cidadania, se não quisermos voltar à condição de colônia ou ao estatuto de terra de ninguém e, portanto, alvo de todos os abutres do mundo. Na história contemporânea processos como esses costumam ser chamados de Assembleias Constituintes. O Brasil foi descoberto há pouco mais de 500 anos. Precisa ser refundado. Não por acaso, nem por vontade de um rei. Por uma decisão soberana, do único soberano aceitável em uma democracia.
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.
Ex-reitores manifestam apoio a dirigentes da UFMG
“Nós, ex-reitores e ex-vice-reitores da Universidade Federal de Minas Gerais, tornamos pública nossa indignação pelos fatos ocorridos no dia 6 de dezembro, quando os atuais dirigentes da UFMG e outros membros da comunidade universitária foram levados, por medida coercitiva, à sede da Polícia Federal, para prestar depoimento em investigação que transcorre em sigilo.
Repudiamos o uso de medida coercitiva quando sequer foi feita uma intimação para depoimento, em claro descumprimento ao disposto nos artigos 201, 218 e 260 do Código de Processo Penal. Por condução coercitiva, entende-se, na interpretação do Desembargador Cândido Ribeiro, “um instrumento de restrição temporária da liberdade conferido à autoridade judicial para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu a intimação e cuja presença seja essencial para o curso da persecução penal, seja na fase do inquérito policial, seja na da ação penal”.
Diante de tal definição, repudiamos inteiramente o uso da condução coercitiva e mais ainda a brutalidade e o desrespeito com que foram tratados o Reitor e a Vice-Reitora, as ex-Vice-Reitoras e outros dirigentes e servidores da UFMG, em atos totalmente ofensivos, gratuitos e desnecessários.
A UFMG e seus dirigentes sempre se pautaram pelo respeito à lei e pelo cumprimento de decisões judiciais. Os fatos ocorridos atingem, portanto, esta grande e respeitável instituição: a Universidade Federal de Minas Gerais, um patrimônio de nosso Estado e do país.
Reiteramos nossa confiança na Universidade Federal de Minas Gerais e na probidade de seus dirigentes, aos quais prestamos nossa total solidariedade e apoio”.
Conselho das fundações de apoio vê abuso em mandados
06/12/2017 19:10
“O Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) vem a público para dizer que acompanha com atenção os acontecimentos em Minas Gerais. Sabe-se que foram convocados a prestar informações à Polícia Federal, sobre dois projetos já encerrados, um ex-reitor e seu ex-vice-reitor, o reitor e vice atual e o nosso colega presidente da Fundep, além de um dos membros da diretoria do Confies.
Foram mandados de condução coercitiva da PF dados por algum juiz, supostamente.
Em princípio, esses mandados são abusivos, pois deveriam ser antecedidos por carta convocando-os para prestar esclarecimentos.
O dano à imagem dos convocados está feito.
Como em outros casos, isso é irreparável, face ao comportamento estridente da mídia que se nutre financeiramente disso.
Estamos aguardando o relato dos colegas com quem falamos há pouco na PF por telefone e do colega Bruno Teatrini, advogado da Fundep, para tomar alguma decisão sobre o que o Confies fará em defesa deles e de nossa afiliada. Já comuniquei a Andifes.
O Confies declara-se em solidariedade aos colegas e continuará sua luta para aperfeiçoar o sistema de controle em um ambiente democrático, que preserve os direitos individuais do cidadão inscritos da Constituição Federal.
Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 2017
Fernando Peregrino
Presidente do Confies
NOTA DO CANTOR E COMPOSITOR JOÃO BOSCO EM REPÚDIO À OPERAÇÃO “ESPERANÇA EQUILIBRISTA”
Recebi com indignação a notícia de que a Polícia Federal conduziu coercitivamente o reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Jaime Ramirez, entre outros professores dessa universidade. A ação faz parte da investigação da construção do Memorial da Anistia. Como vem se tornando regra no Brasil, além da coerção desnecessária (ao que consta, não houve pedido prévio, cuja desobediência justificasse a medida), consta ainda que os acusados e seus advogados foram impedidos de ter acesso ao próprio processo, e alguns deles nem sequer sabiam se eram levados como testemunha ou suspeitos. O conjunto dessas medidas fere os princípios elementares do devido processo legal. É uma violência à cidadania.
Isso seria motivo suficiente para minha indignação. Mas a operação da PF me toca de modo mais direto, pois foi batizada de “Esperança equilibrista”, em alusão à canção que Aldir Blanc e eu fizemos em honra a todos os que lutaram contra a ditadura brasileira. Essa canção foi e permanece sendo, na memória coletiva do país, um hino à liberdade e à luta pela retomada do processo democrático. Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental.
Resta ainda um ponto. Há indícios que me levam a ver nessas medidas violentas um ato de ataque à universidade pública. Isso, num momento em que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, estado onde moro, definha por conta de crimes cometidos por gestores públicos, e o ensino superior gratuito sofre ataques de grandes instituições (alinhadas a uma visão mais plutocrata do que democrática). Fica aqui portanto também a minha defesa veemente da universidade pública, espaço fundamental para a promoção de igualdades na sociedade brasileira. É essa a esperança equilibrista que tem que continuar.
João Bosco
07/12/2017
NOTA DE ALDIR BLANC SOBRE A OPERAÇÃO “ESPERANÇA EQUILIBRISTA”
João Bosco e Adi Blanc: “Lá no mata-borrão do céu”
Depois da operação “Esperança Equilibrista”, João Bosco e eu esperamos que a Polícia Federal prenda também Temereca, Mineirinho Trilhão157, que foi ajudado pela Dra. Carmen Lúcia, e o resto, aquela escória do Quadrilhão que impera, impune, no Plabaixo.
A nova Operação se chamaria “De frente pros crimes” dos que sempre ficam impunes, com ajudinhas de Gilmares, Moros, PFs, etc.
Também esperamos que ninguém se suicide ou seja suicidado nessas operações, o que já é marca registrada das forças repressoras que servem aos direitistas do Brasil.
Ass. João Bosco/ Aldir Blanc
NOTA DE REPUDIO À AÇÃO DA PF NA UFMG E EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO
A Sociedade Brasileira de Sociologia vem expressar seu veemente repúdio diante da violência cometida no dia 06/12/2017 contra seus dirigentes e funcionários.
A condução coercitiva dos dirigentes e professores da UFMG para depoimento na sede da Polícia Federal representa um ato autoritário e afastado do objetivo de realização da justiça. A Sociedade Brasileira de Sociologia vem expressar seu veemente repúdio diante da violência cometida no dia 06/12/2017 contra seus dirigentes e funcionários.
Lamentavelmente, repete-se a mesma truculência que ocorreu recentemente com a Universidade Federal de Santa Catarina cujo desfecho provocou o suicídio do então Reitor desta Instituição.
A recorrência deste ato no interior da Universidade Federal de Minas Gerais atenta claramente contra o principio da autonomia das instituições universitárias assegurada pela Constituição Federal. A Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) expressa sua solidariedade aos docentes, alunos e funcionários da Universidade Federal de Minas Gerais.
A SBS se junta a demais Associações Científicas existentes no país para defender a autonomia das universidades públicas, para resguardar o exercício do livre pensamento e da liberdade de expressão, princípios estes que vem sendo atacados de forma crescente por determinados setores da sociedade nacional.
A SBS reafirma com mais esse documento seu firme compromisso em defesa da universidade pública e gratuita e da preservação da democracia no País.
BRASÍLIA, 07 DE DEZEMBRO DE 2017
Universidades contra privatizacão
ENTIDADE CHAMA “OPERAÇÃO RESISTÊNCIA”
Cristina del Papa, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino, faz um vigoroso chamado a todas as entidades de ensino e a toda a população para integrar a #OperacaoResistencia contra a tentativa de desmoralização das universidades públicas pela ofensiva fascista e neoliberal.
Com clareza e coragem impressionantes, Cristina del Papa traz um relato sobre a reunião do Conselho Universitário da UFMG – Universidade Federal de Minas Geraisapós prisão de seus dirigentes na manhã do dia 7/10. A sindicalista fala dos detalhes brutais da prisão de homens e mulheres inocentes das instituições de ensino que ferem os direitos humanos.
O interesse dos ataques truculentos da Polícia Federal contra a UFMG e a UFSC são claros, diz ela: desqualificar as universidades perante a opinião pública para privatizar e acabar com o sistema federal de ensino enquanto focos de resistência contra esta ditadura.
(Raquel Wandelli/Jornalistas Livres)
Na Quarta-feira, 6 de dezembro de 2017, a Polícia Federal Brasileira emitiu um mandato para levar ao lugar de seis colegas da Universidade Federal de Minas Gerais, incluindo o presidente e a vice-presidente desta grande universidade pública. Sem os investigadores terem sido chamados a testemunhar, as forças da ordem intervieram no campus, equipadas com armas de assalto e para alguns rostos mascarados, a fim de levar os nossos colegas sob coacção na esquadra.
O objecto da operação é a participação destes universitários no memorial da amnistia política de belo horizonte, um monumento de homenagem às vítimas da última ditadura militar cuja construção contraria explicitamente as redes conservadoras em plena ascensão no aparelho de estado brasileiro. A informação divulgada até à data pela polícia não indica qualquer suspeita de irregularidade, mas sim um hipotético emprego de fundos destinados ao memorial em outras atividades de investigação e bolsas estudantis. Para além da óbvia discrepância entre o objecto do inquérito e os meios utilizados, o objectivo deste destacamento de força é intimidar os colegas envolvidos num trabalho de memória dos crimes cometidos sob a ditadura, através do memorial e do A sua participação na Comissão Nacional da verdade (2012-2014). O nome da operação policial, “esperança equilíbrio”, goza, aliás, com um incrível cinismo uma das canções mais famosas de luta pela amnistia e a recuperação de Democracia.
As detenções no campus da Universidade Federal de Minas Gerais não têm nada a ver com o emprego regular da polícia: São uma operação de terror. Visam intimidar o meio académico brasileiro, desencorajar as tomadas de posição política dos intelectuais, e impedir a continuação das políticas de memória e de justiça transicional sobre a ditadura militar. Não se trata de medidas isoladas: nos últimos meses, os professores e investigadores identificados como hostis ao governo em vigor ou que participaram em projectos memória em torno da ditadura foram objecto de processos judiciais injustificados em todo o país. Há algumas semanas atrás, esta perseguição levou ao suicídio do presidente da Universidade Federal de Santa Catarina.
Nós, professores e investigadores de todas as nacionalidades, condenamos firmemente o tratamento infligido aos nossos colegas da Universidade Federal de Minas Gerais. Consideramos que a instrumentalização da coerção policial e dos processos judiciais para fins de perseguição política, ou lawfare, é incompatível com o estado de direito. Estes processos afectam dramaticamente a imagem do Brasil no estrangeiro e a sua identificação pela comunidade internacional como uma verdadeira democracia.
Se quiser associar-se, obrigado por enviar o seu nome, nome, cargo, disciplina e filiação institucional em:
Solidarity.University.Brazil@Gmail.Com
Traduzido do Francês
MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL
Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de 2017.
O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal têm se tornado rotina no país.
Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.
É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.
ATUALIZAÇÃO
Recebemos mais de 3.500 assinaturas só no dia de 08 dezembro. Agora já somos quase 5 mil apoiadores!
Nota da Universidade Federal de São João del Rey pela Democracia
É com consternação que tomamos conhecimento do espetáculo criado pela Polícia Federal na manhã de hoje, ao conduzir coercitivamente os últimos três reitores e vice-reitores da Universidade Federal de Minas Gerais, para prestar informações em uma operação nomeada “Esperança Equilibrista”, sem que houvesse qualquer resistência prévia destas mesmas autoridades para colaborar em qualquer processo judicial ou administrativo acerca do projeto de implantação do Memorial da Anistia em Minas Gerais.
Cientes da importância inafastável da transparência dos serviços públicos, condenamos o que se apresenta como uma operação para esclarecer eventuais problemas na execução orçamentária de um programa acadêmico mas que, ao se utilizar de um hino da resistência à ditadura militar como título, busca desqualificar a importância dos estudos de resgate da memória e da história desse país, já tão vilipendiadas nas inúmeras tentativas de apagamento perpetradas por governos autoritários como o atual.
O momento da ação soma-se, oportunamente, aos ataques à liberdade de pensamento e à autonomia universitária que vêm ganhando solo neste país. Em um claro processo de criminalização da atividade acadêmica, do pensamento crítico e do livre pensar, nos últimos meses deparamo-nos com um crescente número de ações judiciais e denúncias que visam acuar e amedrontar professores e pesquisadores que desenvolvem estudos e ações progressistas em suas Universidades. São vários os casos de colegas que respondem a acusações infundadas de doutrinação e desvio ideológico em suas atividades.
Ainda neste quadro de ataque à autonomia universitária, vivenciamos a trágica perseguição e achincalhamento moral ao reitor da Universidade Federal de Santa Catarina quando, excedendo a busca da Justiça e ocupando um papel persecutório, a Polícia Federal e o Poder Judiciário precipitaram um quadro depressivo que levou ao suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Tais ações de investigação, marcadas por um caráter inquisitório em clara tentativa de marginalização social das autoridades universitárias, acontecem em paralelo ao esvaziamento financeiro dos orçamentos e repasses ao ensino superior federal e às tentativas de desmonte das universidades estaduais.
Tais cortes orçamentários seguem a cartilha e recomendações do Banco Mundial que, fazendo coro a parcela da sociedade, considera que a universidade pública não deve continuar a exercer suas atividades de forma gratuita. Tal relatório e tal visão social visam retroceder o acesso ao ensino superior a apenas um grupo privilegiado da população brasileira, aqueles com condições de financiar seus estudos sem comprometer a liquidez do orçamento familiar.
Trata-se de um projeto de desmonte do ensino público superior. Da restrição ao acesso à universidade. Da subordinação do povo que, sem acesso à formação, tem restringida também a sua soberania.
Estendemos a toda a comunidade da UFMG, aos envolvidos no Projeto Memória e na instalação do Memorial da Anistia o nosso apoio.
Continuaremos juntos na luta pela autonomia universitária plena.
São João del-Rei, 06 de dezembro de 2017
Comitê UFSJ Pela Democracia, contra o Golpe e Pelos Direitos
NOTA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UFMG
O Conselho Universitário da UFMG reuniu-se nesta quinta-feira, dia 7, e emitiu comunicado em que agradece o apoio da sociedade, destaca a mobilização da comunidade acadêmica e garante estar a Universidade preparada para prestar os esclarecimentos necessários sobre a implantação do Memorial da Anistia.
A sessão contou com a presença dos professores Clélio Campolina Diniz (reitor na gestão 2010-2014), Ronaldo Tadêu Pena (reitor na gestão 2006-2010), Ana Lúcia Gazzola (reitora na gestão 2002-2006) e Tomaz Aroldo da Mota Santos (reitor na gestão 1994-1998). Leia a íntegra da nota:
“O Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais, em sessão realizada em 7 de dezembro de 2017, vem a público agradecer à comunidade universitária pelas manifestações espontâneas de solidariedade a seus dirigentes e de repúdio às ilegalidades perpetradas contra os membros desta Casa. Este Conselho lamenta as consequências incalculáveis produzidas pela espetacularização midiática para a honra, a imagem e a saúde mental de gestores e servidores que deram relevantes contribuições à sociedade.
As manifestações mostram de maneira inequívoca a coesão e a prontidão desta comunidade na defesa intransigente dos valores e propósitos permanentes desta Instituição. A designação da operação desrespeita nossa comunidade ao fazer uma alusão debochada a um símbolo da superação de um período sombrio de nossa história recente, o que desvirtua o propósito de homenagear as vítimas da ditadura expresso na criação do Memorial da Anistia.
A UFMG está pronta. Ela está pronta, como sempre esteve e sempre estará, a prestar qualquer esclarecimento à sociedade, como é seu dever. Ela está pronta, como sempre esteve e sempre estará, a cooperar com as autoridades. Ela está pronta, como sempre esteve e sempre estará, a defender as instituições federais de ensino contra qualquer ataque.
A condução coercitiva sem prévia intimação é prática sem respaldo jurídico e, além de vulnerar a ampla defesa, a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, caracteriza constrangimento ilegal. A UFMG exige a plena observância dos direitos e garantias fundamentais contemplados na Constituição brasileira. A UFMG nunca se curvará ao arbítrio.
Administração Central da UFSC se manifesta sobre mais uma operação policial no campus
A Administração Central da UFSC, por meio da presente nota, torna público seu posicionamento diante de operação policial que promoveu conduções coercitivas de servidores e busca e apreensão em locais do campus Trindade na manhã desta quinta feira, 07 de dezembro.
Não houve, de parte das autoridades envolvidas, qualquer comunicado à instituição quanto à ação levada a cabo na data de hoje, na UFSC e em outros locais;
Não houve, até o presente momento, qualquer notificação formal à instituição, a respeito do objeto das investigações, das pessoas investigadas ou dos motivos da operação;
As menções de que as denúncias teriam sido encaminhadas pela administração da UFSC, conforme consta de algumas notícias veiculadas pela mídia, não se referem oficialmente a nenhuma ação que a atual gestão tenha praticado;
As conduções coercitivas de servidores mostraram-se, como as prisões e outras conduções ocorridas em setembro, desnecessárias, considerando, ao que tudo indica, que não haveria resistência ou negativas em prestar todos os esclarecimentos às autoridades por parte dos envolvidos.
Assim, manifestamos novamente nossa surpresa diante de outra operação policial, com ampla cobertura midiática, afetando diretamente a comunidade universitária sem que tenha sido respeitada a relação institucional entre os responsáveis pela operação e a Universidade Federal de Santa Catarina.
Reafirmamos, por fim, nossa convicção de que todo e qualquer ato que configure irregularidade deva ser rigorosamente apurado, desde que seguidos os princípios da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e ao contraditório, com base no devido processo legal, rejeitando qualquer ação apenas espetaculosa e midiática, a exemplo do que vivemos recentemente e cujo trágico desfecho é de conhecimento de toda a sociedade.
Administração Central da UFSC
07 de dezembro de 2017
NOTA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DIRIGENTES DE INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR
*UM ANO DE ATAQUES CONTRA AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS*
(Nota do reitor da UFPR Ricardo Marcelo Fonseca)
Há quase um ano, no dia 9 de dezembro de 2016, a polícia federal irrompeu na UFRGS, em vista de uma suspeita de fraude em um programa de extensão. A polícia federal batizou todo o movimento de “Operação PhD”. Pouco tempo depois, em 13 de fevereiro de 2017, algo similar aconteceu na nossa universidade: numa operação (batizada de “Research”), foram envolvidos mais de 180 agentes federais, cumprindo vários mandados de prisão e oito conduções coercitivas.
Mas o pior estava por vir: no dia 14 de setembro de 2017, numa operação batizada de “Ouvidos moucos” (em alusão direta à suposta falta de respostas da Universidade aos órgãos de controle), a polícia chega na UFSC para cumprir sete mandados de prisão temporária e cinco de condução coercitiva. Mais de 115 policiais foram envolvidos na operação – que vieram inclusive de outros estados. Nesse caso, porém, houve um fato grave adicional: o próprio Reitor da UFSC – Luiz Cancellier de Olivo – foi preso “por obstruir investigações”. Os supostos desvios (ainda em fase de investigação e apuração) teriam ocorrido na gestão anterior a dele. Levado a um presídio, algemado, submetido à revista íntima e solto logo depois, mas impedido por ordem judicial de colocar os pés na universidade que o elegeu, Cancellier cometeu suicídio no dia 02 de outubro de 2017.
Para quem imaginava que esta tragédia serviria para que a escalada contra as universidades fosse objeto de reflexão e cuidado, hoje, dia 6 de dezembro de 2017, vem outro grande choque: o alvo foi a UFMG. Outra operação policial, com 84 policiais federais, 15 auditores da CGU e dois do TCU cumpriu oito mandados de condução coercitiva e onze de busca e apreensão. A operação – não sem certo mal gosto irônico – foi intitulada “Esperança equilibrista” (numa referência direta a uma canção símbolo da época da redemocratização brasileira, “O bêbado e o equilibrista”). Foram conduzidos coercitivamente os atuais reitor e vice-reitora da UFMG (Jaime Ramirez e Sandra Almeida), além de servidores e dirigentes das gestões anteriores.
Como se viu, em pouco menos de um ano, 4 das maiores universidades federais do Brasil (UFMG, UFRGS, UFSC e UFPR), sofreram impactantes operações policiais, com quantidade de agentes (geralmente também acompanhados de auditores de órgão de controle) suficientes para um conflito armado. Todas com imensa e desmedida repercussão midiática. Em alguns desses casos, com prisão ou condução coercitiva das autoridades máximas – no planos administrativo e simbólico – das instituições universitárias. Nunca se viu um cenário desses antes.
As universidades, seus professores, servidores técnicos e pesquisadores teriam se pervertido tanto assim em um ano? Teriam se transformado de repente em ninhos de bandidos? E se perceba: se está falando de instituições tradicionais – a nossa UFPR é centenária – que durante décadas foram vistas como celeiros do conhecimento brasileiro e da formação de gerações. As universidades não são perfeitas, como nenhuma instituição pública ou privada o é, mas seguramente não são esse antro de corrupção, descontrole e ineficiência que as ações policiais sugerem e que a mídia propaga.
Se é assim, é melhor olhar com certa frieza para o que há de comum nesse triste contexto. Primeiro, operações policiais e órgãos de controle têm elegido as universidades públicas como principais focos de sua atenção. Não são os ministérios, autarquias ou os demais órgãos federais – seguramente nenhum deles berços infalíveis de virtudes infinitas; agora os olhos do controle e da repressão se voltam para as universidades públicas.
Segundo: de repente – mais do que em qualquer outro tempo – a imprensa se concentra no que acontece nas Universidades. Mas não para falar sobre os milagres cotidianos que operamos (na formação das pessoas, na ciência, na tecnologia, na inovação ou na inclusão social), mas naquilo que, aos seus olhos, lhe parece suspeito, mesmo que ainda não haja investigação ou decisão definitiva sobre o que se noticia.
Terceiro: todas essas confusões – todas – são feitas sem que haja um juízo condenatório definitivo: o escarcéu repressivo e midiático acontece antes e a apuração de responsabilidades vem depois.
Quarto: parece que houve uma suspensão de alguns direitos no Brasil, como a presunção de inocência, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana. O clima policialesco e a mentalidade inquisitória parecem ter definitivamente suplantado uma cultura de direitos que valorizava a liberdade. Em nome de um certo moralismo administrativo e de uma sanha punitivista, garantias e direitos individuais são colocados como detalhes incômodos e inconvenientes.
Quinto: o princípio da autonomia universitária (prevista no art. 207 da Constituição), por todas as razões antes já mencionadas, hoje foi reduzido a pó e a letra morta.
O momento é de fato grave: enquanto deputados ou senadores filmados em flagrante delito por graves desvios são soltos pelos seus pares, reitores têm sua liberdade cassada. A sociedade deve, com muita premência, pensar que tipo de mundo pretende construir quando instituições como as universidades públicas (responsáveis por cerca de 90% da ciência e tecnologia do Brasil) são demonizadas, expostas, desrespeitadas e quando seus dirigentes são imolados publicamente.
O Brasil precisa pensar em que tipo de futuro quer apostar. E para mim a resposta só pode ser essa: é momento de resistir e defender a Universidade Pública. Viva a UFRGS! Viva a UFSC! Viva a UFMG! Viva a UFPR!
Ricardo Marcelo Fonseca
Reitor da UFPR
6 de dezembro de 2017
MENSAGEM DE REPÚDIO DO PROFESSOR BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS PELA CONDUÇÃO COERCITIVA DO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Na minha qualidade de Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, quero manifestar o mais vivo repúdio pela despropositada e ilegal condução coercitiva de que foi vítima o Reitor e a equipa reitoral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Quero ao mesmo tempo testemunhar a mais veemente solidariedade a estes académicos íntegros e quero pedir-lhes, em nome da comunidade académica internacional, que não se deixem intimidar por estes actos de arbítrio por parte das forças anti-democráticas que tomaram conta do poder no Brasil.
Eles sabem bem que nada disto tem a ver pessoalmente com eles enquanto indivíduos, pois sabem que não há nenhuma razão jurídica que justifique tais acções. Os actos de que são vítimas visam, isso sim, desmoralizar as universidades públicas e preparar o caminho para a sua privatização.
Estamos certos que estes desígnios não se cumprirão, pois a resistência da comunidade académica e do conjunto da cidadania democrática brasileira a tal obstarão.
O Reitor da UFMG e a sua equipa reitoral estão agora na linha da frente dessa resistência e merecem por isso não apenas a nossa solidariedade, mas também todo o nosso respeito.
Coimbra, 6 de Dezembro de 2017
Boaventura de Sousa Santos
Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
NOTA DE SOLIDARIEDADE ÀS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS E DE REPÚDIO AOS ATAQUES DO ESTADO DE EXCEÇÃO
O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção e o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça vêm a público manifestar seu repúdio ao violento ataque sofrido pela UFMG no dia 6 de dezembro de 2017, bem como aos novos ataques sofridos pela UFSC na manhã deste dia 7 no âmbito da “Operação Torre de Marifim”. Eles representam uma grave violação ao Estado de Direito e à autonomia constitucional universitária que ofende todas as instituições democráticas do país. Ao mesmo tempo, os coletivos prestam inteira solidariedade ao seu corpo de dirigentes, professores e servidores agredidos pela prisão ilegal, condução coercitiva e humilhação de homens e mulheres de conduta ilibada e de contribuição largamente reconhecida à comunidade científica e à sociedade em geral.
Forjadas num vexaminoso conluio entre Corregedoria Geral da União, Polícia Federal, Justiça Federal e Ministério Público Federal, essas operações reiteram expedientes abusivos, característicos de um Estado de Exceção. Assim como os ataques anteriores e novos impostos à UFSC, a intervenção militar sofrida pela UFMG denuncia seu verdadeiro propósito no bojo da ofensiva neoliberal sofrida pelo Brasil: promover a desmoralização e o desmonte de instituições de ensino de lisura e qualidade inabaláveis.
Na sequência do show de horrores patrocinado pela famigerada Operação “Ouvidos Moucos” na UFSC, que culminou com a morte traumática do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, a comunidade universitária nacional assiste à caluniosa operação “Esperança Equilibrista” dar seu bote contra a segunda maior universidade do país. O mesmo padrão de conduta abusiva, violenta, espetaculosa e difamatória dos agentes da Polícia Federal desmascaram uma única operação nacional de caráter fascista. Não restam dúvidas sobre sua real finalidade: criar as condições de implantação do projeto neoliberal privatista das instituições públicas de ensino superior, a começar pelas que desfrutam de largo prestígio por sua contribuição histórica à sociedade brasileira.
Estamos confiantes de que a reação nacional e internacional fará com que os canhões desses atentados à imagem e ao corpo das instituições se voltem contra o próprio governo que os agasalhou. É de amplo conhecimento a pauta neoliberal que está em curso por trás dessas ofensivas, com a tarefa de destruir as condições de educação pública de qualidade para abrir caminho à privatização do ensino recomendada pela cartilha do Banco Mundial. Elas ocorrem no bojo de outras ofensivas desencadeadas a partir da tomada do poder pelo Governo Temer, como a destruição das leis trabalhistas, a entrega criminosa dos recursos naturais, a privatização de setores essenciais para a soberania nacional e, finalmente o desmonte da Previdência Social e do sistema público de saúde. Humilhando, constrangendo e aviltando a dignidade dos seus dirigentes, essas operações difamatórias revelam seu claro propósito de incitar o ódio da opinião pública ignara, apelando para a falsa bandeira do combate à corrupção.
Diante do devastador cenário nacional, assistimos hoje, contudo, ao crescimento da compreensão do povo brasileiro sobre a armadilha dessa bandeira marcada pela hipocrisia, que serve como um cavalo de troia para a retirada dos seus direitos e anulação das políticas públicas. Forjadas na calúnia, no abuso de autoridade e na ilegalidade de prisões que aviltam os direitos humanos e jurídicos dos representantes eleitos das comunidades universitárias, essas intervenções denunciam um mesmo modus operandi. O grande dispêndio de recursos para mobilizar contingente excessivos de policiais, superior ao desvio de recursos que essas operações colocam sob suspeita, por si só desmentem o seu caráter moralista. Conforme demonstram as contas da UFSC e da UFMG, rastreadas e aprovadas por todos os órgãos federais de controle e fiscalização, não há recursos públicos a recuperar que possam justificar os danos ao Estado Democrático de Direito e à vida comunitária causados por essa onda de violações.
O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção se une a todas as forças democráticas do país no levante em defesa das nossas universidades. Nosso mais veemente repúdio à Operação “Esperança Equilibrista”, que desde seu nome expressa a afronta e o deboche deste governo não só pelo patrimônio material e imaterial da educação pública, como também pela memória histórica e cultural do nosso país. Não à toa, seu alvo é um símbolo democrático como o Memorial da Anistia, dedicado à documentação dos crimes cometidos pela Ditadura Militar contra artistas, intelectuais, estudantes, educadores e operários brasileiros, que em grande medida partiram de ataques idênticos às nossas instituições universitárias. O passado triste e sujo de manchas torturadas, imortalizado pela canção de João Bosco e Aldir Blanc, aviltada pelo sequestro indébito do seu sentido, é o que essas ações pretendem reeditar no nosso país. Não conseguirão, contudo, nos intimidar: os atentados fascistas só servirão para acordar os incautos e nos tornar mais fortes e mais coesos.
NÃO PASSARÃO! DITADURA NUNCA MAIS, SUICÍDIO NUNCA MAIS!
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Floripa Contra o Estado de Exceção e Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça
Florianópolis, 07 de dezembro de 2017.
A Trincheira Simbólica contra o Estado de Exceção
Fonte das fotos: https://www.ufmg.br/online/arquivos/005910.shtml
O General João Figueiredo foi o responsável por sujar de tinta e limpar o sangue do papel que portava a lei n° 6.683, que anistiava todos que cometeram crimes políticos e eleitorais e funcionários públicos no descumprimento das leis entre setembro de 1961 e agosto de 1979.
Fruto de forte pressão popular, como resultado, trouxe de volta ao Brasil exilados políticos, entre eles artistas e políticos. Uma onda de otimismo e esperança encheram as ruas e deu força para movimento das eleições diretas. O “Bêbado e o Equilibrista” de Aldir Blanc e João Bosco na voz de Elis Regina marcou uma época e virou hino da abertura política.
Quem poderia imaginar que a lei da Anistia, a despeito de seu valor simbólico, alimentou o parasita fascista no seio da democracia e criou escola. Centenas de presos políticos contrários ao regime militar, cumpriram suas penas integralmente mesmo após a vigência da lei por crimes imputados pela justiça dos generais, acusados de terrorismo e mortes, sem possibilidade de recurso. Quanto aos agentes da repressão estatal, ficaram impunes pela mesma lei dos crimes de sequestro, estupro, tortura, assassinato, terrorismo e ocultação de cadáveres.
Que tipo de exemplo você sinaliza a jovens que acompanharam a abertura política, a constituinte de 1988, a primeira eleição e toda a história política até o golpe de 2016 com os generais criminosos e torturadores do DOI-CODI gozando de liberdade, curtindo sua aposentadoria com total liberdade, enquanto famílias das vítimas tentam se recuperar após serem destroçadas pelas mãos de ferro do estado fascista. Ainda que o estado posteriormente tenha indenizado filhos, esposas ou mães, recuperado aposentadorias das antigas funções públicas ou o mero reconhecimento público de crimes dos agentes da repressão de estado pela comissão da verdade, nada disso foi capaz dissipar a materialização do ideal opressor incentivado pelo valor simbólico de sua história.
Hordas de mancebos de gerações alienadas, movidos pelo estigma individualista do ideal propugnado pelo “American way of life” e que hoje ocupam cargos públicos no ministério público, polícia federal e justiça federal são candidatos ideais a herdarem o fenótipo fascista, moldado pelo eloquente simbolismo que a impunidade de seus antecessores alforriados. Eles só precisam de um pouco de ódio para florescerem.
Sob a batuta do mercado, o golpe de 2016 que serve de terra prometida para as novas oportunidades, criam-se também novas demandas para tais mercenários dispostos a polir o ódio e alimentar o ego. Se a fome por petróleo, energia elétrica e água potável é tão implacável quanto a fome de uma tempestade de gafanhotos, porque ignoraríamos o grande potencial econômico que a educação é capaz de oferecer para um país com mais de 50 milhões de estudantes, 8 milhões dos quais, estudantes do ensino superior. Seria plausível desconfiar dos recentes ataques policiais-midiáticos à universidades federais como a UFSC e UFMG? Porque ignorar o poder letal da desmoralização pública de instituições respeitáveis e com grandes orçamentos?
Sem sombra de dúvida as universidades e as escolas agregam uma resistência ao golpe de estado, como foi com os “Ocupa Escola” de 2016. Já no golpe de 1964, a repressão voltou seu olhar para as universidades, celeiro de “subversivos” como eram chamados pelos colaboracionistas e golpistas.
Independente do mérito das respectivas investigações, impossível justificar missões policiais com mais de cem agentes públicos compostos por políciais federais e auditores federais nas duas universidades e que despenderam gastos astronômicos. O que justificaria passar por cima da lei e sequestrar o reitor Cau Cancelier e mantê-lo em cárcere? O que justificaria a condução coercitiva do reitor e vice-reitora, ex-reitor e ex-vice-reitora da UFMG sem terem sido intimados anteriormente?
A “guerra contra o terror” de George W. Bush geraram as leis patrióticas no pós onze de setembro para aplacar a ameaça do oriente médio e que tiraram a liberdade de milhares de muçulmanos sem julgamento. Criou-se um precedente para o Estado de Exceção para justificar a “liberdade” dos cidadãos estadounidenses. Seria a “guerra contra a corrupção” uma cópia mal feita para justificar o retorno à estabilidade das elites e o domínio da senzala? Hoje é fato consumado que os desastres das missões no Afeganistão e Iraque escondiam interesses privados de grandes corporações. Porque aqui no Brasil a guerra contra a corrupção seria diferente? Interesses poderiam acobertar tais operações? É preciso que Brasil tome providências urgentemente contra o avanço do Estado de Exceção e abusos de autoridades. Não bastou o precedente do reitor Cancellier?
Sobre o nome da operação na UFMG “Esperança Equilibrista” envolvendo o memorial da Anistia, não há ironia, que melhor forma de transformar simbolicamente os sonhos revolucionários que atingi-los diretamente. Não é de hoje que as apropriações culturais deformam o simbolismo original, mas “O Bêbado e o Equilibrista” é maior do que qualquer ameaça fascista e nunca deixará de ser hino.
Chico Caprario
Estudante UFSC
CARTA ENTREGUE PELO COLETIVO FLORIPA CONTRA O ESTADO DE EXCEÇÃO AO REITOR PRÓ-TEMPORE DA UFSC
NOTA DA ADUFC-SINDICATO CONTRA A INVASÃO DA POLÍCIA FEDERAL À UFMG
A diretoria da Adufc-Sindicato vem a público repudiar de forma veemente a invasão patrocinada pela Polícia Federal, na manhã de quarta-feira (06), à Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Numa ação autoritária e injustificada, aos moldes dos regimes de exceção, e ferindo a autonomia universitária, os agentes da PF levaram coercitivamente para prestar depoimento na sede da Polícia Federal, em Belo Horizonte, o Reitor Jaime Arturo Ramírez, a vice-reitora Sandra Goulart (eleita para a reitoria a partir de 2018), além de três ex-reitores e ex-vice-reitores.
A ação intolerável da PF, denominada “Esperança Equilibrista coincide com o lançamento, na próxima semana, do relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais e às vésperas da votação da Reforma da Previdência.
É importante lembrar que o atual superintendente da Polícia Federal, responsável pela operação na UFMG, foi recentemente indicado pelo presidente ilegítimo Michel Temer. Na posse afirmou não ser “uma única mala cheia de dinheiro, indício de corrupção”.
A invasão desta quarta-feira na Universidade Federal de Minas Gerais é parte de uma estratégia que visa desmoralizar e enfraquecer o ensino superior público, com o claro objetivo de entregá-lo à iniciativa privada.
Enquanto o governo de Michel Temer conspira contra o povo brasileiro, buscando aprovar a reforma da Previdência, juntamente com um Congresso Nacional venal, a Polícia Federal cumpre um papel deplorável de servir como instrumento para tentar desestabilizar a Universidade Pública Brasileira.
Nos solidarizamos com a comunidade da UFMG e conclamamos os que fazem a universidade pública a reagir às arbitrariedades e violências praticadas pelo governo de Michel Temer e a Polícia Federal.
PELA UNIVERSIDADE PÚBLICA, GRATUITA, INCLUSIVA E DE QUALIDADE!
FORA MICHEL TEMER!
A DIRETORIA
Nota da Frente Brasil Popular sobre a operação da PF na UFMG*
Em uma ação intolerável e inconstitucional na manhã desta quarta-feira, 6 de dezembro a Polícia Federal invadiu a UFMG. Na sequência conduziu coercitivamente os três últimos reitores e vice-reitores da universidade.
Em clara demonstração do avanço do estado de exceção a operação foi denominada “Esperança Equilibrista”, ocorrendo há menos de uma semana do lançamento do relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais e as vésperas da votação da Reforma da Previdência, como tem sido prática das forças do golpe.
A atual direção da Policia Federal indicada pelo governo do golpe preserva os corruptos e persegue os honestos. A atual operação, conduzida pela PF com apoio de Ministério e da CGU do atual governo federal, tem claro objetivo de desmoralizar a universidade pública, o pensamento crítico, a educação e a pesquisa acadêmica brasileira.
É preciso lembrar que após o impeachment o governo ilegítimo sequer nomeou novo presidente para a Comissão da Anistia responsável por lançar o projeto em 2008, paralisando os trabalhos.
Demonstra claro recado ideológico e ataca uma obra fundamental para defesa da democracia e a cultura democrática brasileira. O Memorial da Anistia visa dignificar os que lutaram contra o regime militar, assim como os memoriais existentes da Alemanha nazista, do apartheid na África do Sul, e da ditadura Pinochet de Allende.
Exigimos a imediata destituição do diretor da Policia Federal e a paralisação do processo tamanha a extensão da arbitrariedade.
Abaixo o estado de exceção e ao ativismo judicial e policial persecutório seletivo!
Ditadura nunca mais!
Em defesa da universidade pública, da autonomia universitária e do pensamento crítico!
Pelo direito a memória, a verdade e a justiça!
*Frente Brasil Popular MG*
CARTA DE MINAS GERAIS
Nem é possível dizer bom dia em Minas Gerais hoje.
O fascismo cresce quando ficamos calados! Nós não ficaremos calados! A UFMG sofre o mesmo ataque que a Universidade de Santa Catarina sofreu! Nossos reitores foram levados coercitivamente no início desta manhã, daqui a pouco uma entrevista coletiva tornará tudo um “espetáculo” de promoção pessoal dos agentes que estão atuando nisso, poucas perguntas serão feitas pela mídia comercial, as pessoas serão condenadas, antes sequer de serem acusadas e julgadas.
Não haverá o contraditório!
Nós faremos o contraditório!
Para quem tem compromisso com a democracia convidamos para um ato que começa AGORA na porta da Polícia Federal (Rua Nascimento Gurgel, 30, Gutierrez)
À imprensa, coletiva às 14 horas na sala de imprensa da Assembleia Legislativa
Texto presente nas páginas de Rudá Guedes Ricci e Beatriz Cerqueira.
CARTA DA UNE
“A UFMG não tem medo de investigação, tem medo é de perseguição política!”
Presidente da UNE, Marianna Dias: “Querem dar a sensação que a universidade é corrupta para poder justificar a falta de investimento público”
É um ultraje. A Polícia Federal extrapolou da provocação para a indignidade ao nomear a operação que conduziu coercitivamente os reitores da UFMG nesta quarta-feira (06/12) de “Esperança Equilibrista” nome da música de João Bosco & Aldir Blanc, hino do Brasil na época da ditadura e da anistia. Pior do que utilizar uma letra simbólica em uma operação que ameaça uma obra que homenageia os perseguidos políticos é fazer referência aos cartazes que defenderam o ex-reitor da UFSC, professor Luiz Carlos Cancelier que depois de ser levado ao escárnio público, não conseguiu lidar com a situação de injustiça e acabou se suicidando em Outubro. Na época estudantes, professores e funcionários utilizaram a letra da música em protestos contra a prisão de Cancelier. A PF achou que podia achincalhar a defesa de um professor honrado com histórico de luta pela sua instituição. Não pode! Não vamos tolerar que zombem da nossa luta!
Temos visto o Estado brasileiro e suas instituições abusarem do poder para perseguir novamente defensores da educação pública e da democracia brasileira. É uma repetição infeliz de um dos períodos mais tristes da nossa história, o estado de exceção está batendo na nossa porta.
Querem dar a sensação que a universidade é corrupta para poder justificar a falta de investimento público, os cortes no essencial para que elas funcionem, fazer com que bolsas para pesquisadores sejam suspeitas de desvio de dinheiro, assim como acontece agora no Memorial da Anistia que vem sendo construído pela UFMG.
Para a UNE é emblemático que esta operação da Polícia Federal seja justamente sobre a pesquisa desenvolvida para memória daqueles que lutaram contra os abusos da Ditadura Militar. Uma nova onda de perseguição política e patrulhamento ideológico que se assemelha com aquele período está em curso.
O espetáculo, as conduções coercitivas sem necessidade, o julgamento midiático, fotos intencionalmente vazadas de cidadãos investigados, tudo está sendo usado para deslegitimar o óbvio: ninguém é culpado até que se prove.
O Memorial da Anistia, ao que sabemos, teve todas as suas contas aprovadas. A UFMG resiste e a sua comunidade acadêmica sai em sua defesa.
O reitor da UFSC deixou em carta póstuma que começou a morrer no dia que foi preso. A nossa democracia também segue doente deste o golpe que tirou a primeira mulher à frente da República e agora espalha morte por onde passa.
Não temos medo de investigação, temos medo de injustiças continuadas, de abusos sistemáticos, perseguições políticas, de governos sem representatividade, de presidentes levados ao poder sem voto.
Estaremos de pé para defender a soberania do voto popular, o Estado Democrático de Direito, e as nossas universidades públicas que desde as cotas estão mais próximas da cara do povo brasileiro. Como profetizou nosso presidente ilustre, Honestino Guimarães, que perdeu a vida na luta: “Podem nos prender, podem nos matar, mas um dia voltaremos, e seremos milhões”!
*Marianna Dias é presidenta da União Nacional dos Estudantes.
Manifesto organizado por professores da UFMG e da USP e assinado por intelectuais de diversas partes do país e do exterior em defesa da universidade pública e em repúdio aos atos de violência cometidos hoje em Belo Horizonte. Os que quiserem aderir enviar email para avritzer1@gmail.com
MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL
Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de 2017. O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal tem se tornado rotina no país.
Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade. É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.
Assinam:
Paulo Sérgio Pinheiro (ex ministro da secretaria de estado de direitos humanos)
Boaventura de Sousa Santos (professor catedrático da Universidade de Coimbra)
André Singer (professor titular de ciência política usp e ex-secretário de imprensa da presidência)
Ennio Candotti (ex-presidente e presidente de honra da SBPC)
Newton Bignotto (professor do Departamento de Filosofia da UFMG)
Leonardo Avritzer (ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)
Fabiano Guilherme dos Santos (presidente da ANPOCS)
Maria Victória Benevides (professora titular da Faculdade de Educação da USP)
Roberto Schwarz (professor titular de Literatura da Unicamp)
Renato Perissinoto (presidente Associação Brasileira de Ciência Política)
Fábio Wanderley Reis. (Professor Emérito da UFMG)
Cícero Araújo (Professor do Departamento de Ciência Política da USP)
Sérgio Cardoso (Professor do Departamento de Filosofia da USP)
Marilena de Souza Chauí (Professora titular do Departamento de Filosofia da USP)
Fábio Konder Comparato (Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP)
Ângela Alonso (professora do Departamento de Sociologia da USP)
Juarez Guimarães (professor do Departamento de Ciência Política da UFMG)
Michel Löwy. (Pesquisador do CNRS, França)
Adauto Novaes (Arte e Pensamento)
Maria Rita Kehl (psicanalista)
Thomás Bustamante (Professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Lilia Moritz Schwarcz (Professora do Departamento de Antropologia da USP)
Gabriel Cohn (ex-diretor da Faculdade de Filosofia da USP)
Marcelo Cattoni (professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Amélia Cohn (professora do Departamento de Medicina Preventiva da USP)
Dulce Pandolfi (Historiadores pela Democracia)
Oscar Vilhena Vieira (Diretor e professor a Faculdade de Direito da FGV-SP)
Alfredo Attié (Presidente da Academia Paulista de Direito Titular da Cadeira San Tiago Dantas)
CARTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPel)
A administração da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) vem a público manifestar sua indignação com o tratamento dispensado as Universidades Federais brasileiras nos últimos meses. Os fatos ocorridos ontem na UFMG, e amplamente noticiados, representam mais um ataque a esse patrimônio da sociedade brasileira. Devemos lembrar que ataques similares já ocorreram na UFRGS, na UFPR e na UFSC, sendo que esse último culminou inclusive no suicídio do Reitor.
O financiamento das Universidades Federais tem sido severamente reduzido, embora as propagandas oficiais tentem noticiar o contrário. Ao longo do ano, os recursos foram repassados num ritmo “conta gotas” inédito, sendo que cada nova liberação do recurso, já deficitário, gerava uma peça publicitária como se representasse incremento de financiamento. Na verdade, nossos recursos de investimentos, para obras e equipamentos, diminuíram quase a zero. Nossos recursos de custeio, para manutenção da Universidade, são insuficientes e diminuem a cada ano.
A alta cúpula do Ministério da Educação defende publicamente a cobrança de mensalidade em Universidades Públicas, atacando mais uma vez esse patrimônio histórico da sociedade brasileira. Aliás, quem deveria por ofício nos defender, nos ataca. O Plano Nacional de Educação é solenemente ignorado, tendo em vista que suas metas jamais serão atingidas com o corte drástico de recursos vivenciado pelas Universidades Federais. Nossa autonomia, um direito constitucional conquistado com muita luta, é diariamente ferida.
Apoiamos que irregularidades sejam analisadas e corrigidas, mas jamais de modo truculento. Esse descaso e desrespeito com as Universidades Federais brasileiras deve ser motivo de indignação para toda a população. A administração da UFPel manifesta sua solidariedade a nossa coirmã UFMG e nosso repúdio ao modo como as Universidades Federais vêm sendo tratadas num país que tanto carece de educação de qualidade.
NOTA CONJUNTA SOBRE A AÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL NA UFMG
ADUFU, SINTET, DCE E APG-UFU repudiam, veementemente, a ação orquestrada pela Polícia Federal (PF) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na manhã desta quarta-feira (06). A ação, denominada “Esperança Equilibrista”, que visa a apurar desvios de recursos nas obras do Memorial da Anistia, conduziu coercitivamente o reitor, a vice-reitora e outras seis pessoas. Operação de mesma natureza ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina, no último setembro, e teria levado o então reitor Luiz Carlos Cancellier, em 2 de outubro deste ano, ao suicídio.
O reitor Jaime Arturo e a vice-reitora Sandra Goulart são docentes de pensamento democrata e progressista, defensor e defensora da universidade pública e, por isso, a ADUFU se solidariza com todas as pessoas levadas coercitivamente, repudiando a ação truculenta da PF que, mesmo após a morte de Cancellier, não procurou modificar a sua abordagem, capaz de destruir ou manchar a imagem dessas pessoas e da universidade.
Vale ressaltar que não entendemos essas ações como isoladas, mas fruto de uma tentativa de desqualificação das gestões públicas e de abertura para o debate sobre a privatização das universidades públicas, uma vez que, no atual contexto, o governo veio à público defender a cobrança de mensalidade nas instituições de ensino superior brasileiras.
Sendo assim, a ADUFU e demais entidades reafirmam o seu compromisso com a defesa incansável da educação pública, gratuita e de qualidade e reiteram a importância do direito ao contraditório e da presunção de inocência para todos e todas indistintamente, direitos garantidos pela constituição de 1988.
Diretoria Executiva da ADUFU, Gestão Resistir e Lutar, Seção Sindical do ANDES
Sindicato dos Trabalhadores Técnico – Administrativos em Instituições Federais de Ensino Superior de Uberlândia – SINTET UFU
Diretório Central dos Estudantes da UFU, Gestão Todos os Cantos – DCE UFU
Associação de Pós-Graduandos da UFU – Gestão 2016-2017 – APG UFU
Caros/as, estou na XII Reunião de Antropologia do Mercosul, em Posadas, Argentina, e acabamos de aprovar uma nota apresentada pela ABA (Associação Brasileira de Antropologia) em repúdio aos ataques à universidade pública brasileira e às ações da PF e do MPF que ferem a autonomia universitária e representam um ataque ao ensino público, sobretudo no casos recentes da UFPA (invasão, patrocinada por um prefeito e seus capangas, de uma atividade da profa. Rosa Acevedo sobre a ação da mineradora Belo Sun na região), UFMG (prisão de reitor, vice-reitora e outros docentes) e UFSC (ação anterior e ação feita hoje). A nota ainda não foi publicada, mas logo que for envio. A RAM reunião mais de 2000 antropólogos e estudantes de antropologia do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, e outros paises da América Latina.
CANCELLIER Vol. 2: AGORA MEGANHAGEM LEVA EM CONDUÇÃO COERCITIVA REITOR DA DA UFMG!
A tática é de intimidação da academia, especialmente a da universidade pública. Claro: ela constitui um dos pontos nodais da resistência da sociedade brasileira ao(s) golpe(s). Tanto golpe o político (Temer e demais ladrões), quanto o econômico (desmonte do Estado e da soberania), o social (fim dos direitos), o jurídico (“República da meganhagem”) e o cultural (neo-fascimo ultraliberal “de rede social”).
Abaixo, relato do professor da UFMG Carlos Alberto Ávila Araújo:
“Todo apoio ao reitor da UFMG Jaime Ramirez e vice-reitora Sandra Goulart levados coercitivamente pela polícia hoje. Não havia necessidade. Bastava convocá-los. Não há corrupção. Basta verificar os fatos para ver o que de fato ocorreu. Mas o papel da polícia federal no Brasil hoje é o de proteger os corruptos (Aécio, Perrella, Geddel, Temer, Globo, Moro) e perseguir todos os que lutam contra o golpe. E também convencer a população que é preciso privatizar tudo”.
Pegos de surpresa, não hesitamos, Miguel Do Rosario, Wellington Calasans, Tássia Camargo, Tadeu Porto e eu, em tornar este o tema do Programa Cafeína, de O Cafezinho, desta semana. Hoje, ao vivo, (excepcionalmente) às 19h, horário de Brasília. Receberemos a ex-Professora da UFMG e atual Professora da UnB Beatriz Vargas Ramos, Professora de direito penal e de criminologia.
Não nos intimidarão! Abaixo o golpe! Abaixo a meganhagem!
Jornalista Rômulus Maya, do Blog O Cafezinho
É HORA DE DEFENDER A UNIVERSIDADE
André Singer
9/12/2017
Na quarta (6), três meses depois do episódio que levou o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ao suicídio, a Polícia Federal (PF) resolveu repetir a dose com o da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O procedimento foi o mesmo. Agentes chegam de surpresa à casa da vítima, que nunca fora intimada a depor, cedo de manhã, e a levam, sob vara, para alguma instalação policial.
O engenheiro Jaime Arturo Ramirez teve mais sorte do que o advogado catarinense Luiz Carlos Cancellier, sendo liberado após algumas horas. O segundo, submetido à humilhação de algemas, correntes nos pés, desnudamento, revista íntima, uniforme de presidiário e a cela onde teve que dormir, matou-se 15 dias mais tarde.
Ao deixar as dependências da PF, Ramirez, levado ao mesmo tempo que outros seis quadros da UFMG, fez uma declaração sucinta: “Fomos conduzidos de forma coercitiva e abusiva para um depoimento à Polícia Federal. Se tivéssemos sido intimados antes, evidentemente teríamos ido de livre e espontânea vontade”. Alguém duvida?
Segundo os documentos disponíveis, o Ministério Público foi contrário à condução coercitiva. Mas a PF insistiu, e a juíza encarregada acatou a demanda, alegando “possibilitar que sejam ouvidos concomitantemente todos os investigados, (…) impedir a articulação de artifícios e a subtração de provas”. Sem qualquer justificativa consistente, a direção da universidade, tal como havia ocorrido em setembro na UFSC, foi tratada como uma quadrilha de assaltantes, justificando o aparato —84 policiais— destinado a capturá-los.
Na realidade, de acordo com o reitor de uma instituição congênere, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a onda de criminalização dos campi começou no final de 2016, quando “a Polícia Federal irrompeu na UFRGS [a federal do Rio Grande do Sul], em vista de uma suspeita de fraude em um programa de extensão”. Em fevereiro de 2016, a própria UFPR foi atingida: 180 agentes cumpriram vários mandados de prisão e oito conduções coercitivas. Depois veio a prisão de Cancellier, a condução de Ramirez e, para cúmulo, mais uma incursão semelhante, na quinta, de novo na UFSC.
Reparem nos nomes das operações sequenciais da PF: “Research”, “PhD”, “Ouvidos moucos”, “Esperança equilibrista” e “Torre de Marfim”. É óbvio que estamos diante de uma ação orquestrada e arbitrária, usando os mecanismos de exceção abertos pela conjuntura política, com o objetivo de desmoralizar o sistema público de ensino superior no Brasil.
Se a sociedade civil não for capaz de superar divergências e se unir na defesa da universidade, teremos perdas irreparáveis. Não só na educação como na democracia.
É por isso que a sugestão da presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMD), Eugênia Gonzaga, tem um sentido especial. Sugere ela que a UFMG assuma de vez o Memorial, defina o Coleginho como o local para a exposição das memórias da ditadura, e transforme o prédio ao lado em um enorme memorial em defesa das liberdades, dos direitos humanos, incluindo um Memorial das Músicas em Defesa das Liberdades.
As violências cometidas contra a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Federal de Minas Gerais e o Memorial da Anistia, podem ter uma resposta à altura: a campanha para ampliar o escopo do memorial, incluindo no prédio anexo um Memorial das Músicas em Favor das Liberdades Civis, uma maneira de juntar as lembranças da ditadura com o papel inestimável da música popular, em uma cidade fundamentalmente musical, como Belo Horizonte.
Seria a maneira retumbante, musical, de responder aos desaforos da Polícia Federal, de batizar a operação com pedaço da letra de uma das músicas símbolos da anistia.
Todo país que passou por ditadura militar tratou de celebrar os mortos, montar memoriais, museus, como maneira de registrar a violência, impedindo sua repetição.
Faltava um memorial no Brasil.
O Memorial da Anistia, em Belo Horizonte, foi pensado dessa maneira. No início, o espaço a ser ocupado era o Coleginho, construção antiga que simbolizava a resistência dos estudantes contra a ditadura. Constatou-se que as fundações não suportariam as obras. Decidiu-se por um prédio maior, bancado pelo Ministério da Justiça, mas que ficaria sob a responsabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A nova concepção obviamente encareceu o projeto. E as sucessivas interrupções no envio de verbas federais, com o posterior desinteresse do MJ, gerou despesas adicionais, como a manutenção de equipes de segurança, guardando o local antes das obras serem completadas.
É possível que haja desvios. E, constatados, que os responsáveis sejam punidos.
Mas a operação deflagrada pela Polícia Federal, Advocacia Geral da União, Controladoria Geral da União, com a cumplicidade de uma juíza irresponsável, tem alvo maior: a desmoralização da ideia de Memorial da Anistia.
Na audiência pública realizada em 6 de setembro, em Belo Horizonte, representantes da AGU já manifestavam interesse em ocupar o prédio, alegando que a AGU estava mal instalada na cidade. A extinta Comissão da Anistia também se candidatou ao local.
Da parte da PF de Minas Gerais – a mais partidarizada, depois de Curitiba – o empenho em conspurcar a obra em si, e não em apurar desvios.
As violência cometidas, da violência com que acadêmicos foram conduzidos, até o batismo da operação, somado ao fato precedente, do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, exigem uma posição imediata contra o arbítrio. E a melhor maneira, seria a música, a mesma música que foi sequestrada pelos milicianos para batizar a operação.
É por isso que a sugestão da presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMD), Eugênia Gonzaga, tem um sentido especial. Sugere ela que a UFMG assuma de vez o Memorial, defina o Coleginho como o local para a exposição das memórias da ditadura, e transforme o prédio ao lado em um enorme memorial em defesa das liberdades, dos direitos humanos, incluindo um Memorial das Músicas em Defesa das Liberdades.
Se a UFMG sair à frente, não haverá dificuldades em convocar os maiores artistas brasileiros para eventos em BH, visando arrecadar recursos para completar a obram, honrar os mortos e os artistas da resistência.
O novo edifício permitirá festivais anuais de canções que celebrem os direitos sociais e esse enorme país.
Que a resistência em torno do Memorial seja um marco da luta contra a nova ditadura.
Luis Nassif (Publicado no GGN em 9/12/2017)
Carta Aberta à comunidade científica brasileira e internacional
Para estancar as veias abertas da Volta Grande do Xingu
Com os sentimentos de repúdio, alerta e indignação denunciamos à comunidade científica brasileira e internacional a violência institucionalizada por meio da invasão do prefeito do município de Senador José Porfírio (PA), Dirceu Biancardi, a um seminário de pesquisa acadêmica na Universidade Federal do Pará (UFPA), na tarde da última quarta-feira, 29 de novembro de 2017.
Na ocasião, um grupo de pesquisadores, professores, estudantes e integrantes de movimentos sociais foi duramente hostilizado e impedido, por mais de 30 minutos, de sair do auditório em que seria realizado o seminário “As Veias Abertas da Volta Grande do Xingu – Uma análise dos impactos da mineradora Belo Sun sobre a região afetada por Belo Monte”, ato que se configura como crime de cárcere privado. Para cercear o debate e forçar a abertura de uma sessão não programada e controlada por ele, o prefeito contou com o apoio de uma comitiva de mais de 40 pessoas, entre as quais se encontravam vereadores, funcionários públicos locais, garimpeiros, assentados, indígenas Juruna, comerciantes e moradores do município, aparentemente incitados à defesa do empreendimento Belo Sun, assim como a presença do deputado estadual Fernando Coimbra.
O evento consistia no segundo dia da programação promovida pela UFPA, em parceria com a Universidade do Estado do Pará, a Fundação Rosa Luxemburgo e o Movimento Xingu Vivo para Sempre. Não fosse a violenta interrupção, a agenda permitiria a discussão dos resultados de pesquisas e informações levantadas sobre o maior projeto de mineração de ouro a céu aberto do Brasil. A intenção da empresa responsável pelo empreendimento, a canadense Belo Sun, é de operar a poucos quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
De acordo com dados levantados pelas organizações envolvidas, a exploração mineral sob a forma industrial na região deve aprofundar ainda mais os problemas causados pela usina, cujos graves impactos sociais, ambientais e econômicos para as populações, ecossistemas e redes de relações locais são frequentemente reportados no Brasil e internacionalmente.
AMEAÇAS A OPOSITORES AO PROJETO DE BELO SUN
Nos cenários de atuação das grandes mineradoras no interior da Amazônia, são recorrentes as denúncias de que as empresas atuam, por meio de constrangimentos diretos e indiretos, cooptação de pessoas ou recompensas individualizadas, para desfazer os laços comunitários, colocando membros e grupos uns contra os outros nos processos de negociação das condicionantes associadas à realização dos empreendimentos.
Além disso, direitos territoriais são constantemente violados pelo deslocamento compulsório de moradores, provocando danos irreparáveis aos modos de vida, de relações sociais, de formas de relação com a natureza, de sustento material e de práticas culturais nos espaços atingidos.
As ameaças de contaminação ambiental, em proporções catastróficas, por resíduos altamente poluentes também estão associadas ao projeto.
Nesse contexto, requerem urgente investigação e medidas protetivas as ameaças diretas e indiretas a opositores do projeto Belo Sun, cujos direitos constitucionais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade se encontram sob riscos.
CENSURA À PESQUISA
Um dos realizadores do encontro, o projeto de pesquisa “Nova Cartografia Social da Amazônia” tem como prática comum o debate crítico, aberto, plural e inclusivo com populações locais, a exemplo de grupos quilombolas, indígenas, extrativistas e outros tantos que representam a diversidade social da Amazônia.
Entre as organizações proponentes da pesquisa se encontra o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA (Naea/UFPA), reconhecido nacional e internacionalmente por realizar há mais de quatro décadas atividades de formação, pesquisa e debate sobre o desenvolvimento e os impactos de grandes projetos relacionados às realidades específicas e situações marcadas por conflitos socioambientais.
Nesse sentido, também exigem providências imediatas as intimidações à comunidade acadêmica e a própria invasão ao espaço universitário, que ameaçam a produção e socialização do conhecimento crítico e de qualidade, fundamentado em pesquisas rigorosas para subsidiar políticas com fins de interesse público, inclusão socioambiental, ampliação e defesa dos direitos sociais e democráticos.
Sendo assim, convocamos a todas e a todos em defesa:
– Da autonomia das universidades públicas brasileiras, a partir da investigação e responsabilização processual dos autores da interrupção do seminário;
– Da defesa das pessoas ameaçadas, especialmente as lideranças locais e os opositores do projeto Belo Sun, a partir da abertura de inquéritos policiais e medidas protetivas que assegurem os seus direitos constitucionais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade;
– Da defesa da democracia e da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, especialmente num contexto de tensões como o amazônico;
– Do respeito ao debate e à divergência de posições como princípio fundamental também ao campo da ciência e da tecnologia e das atividades de produção do conhecimento e compartilhamento da informação.
Open letter to the Brazilian and international scientific community
To staunch the open veins of the Volta Grande do Xingu
With feelings of repudiation, alarm, and indignation, we report to the Brazilian and international scientific community the institutionalized violence committed by the mayor of the municipality of Senador José Porfírio (Pará), Dirceu Biancardi, by means of invasion on an academic research seminar at the Federal University of Pará (Universidade Federal do Pará, or UFPA), last Wednesday afternoon, November 29, 2017. At the time, a group of researchers, professors, students, and members of social movements were harshly harassed and impeded, for more than 30 minutes, from leaving the auditorium in which the seminar “The Open Veins of Volta Grande do Xingu – An analysis of the impacts of the Belo Sun mining company on the region affected by Belo Monte,” an act that constitutes a crime of false imprisonment.
In order to close the debate and force the opening of an unplanned and controlled session, the mayor was supported by a delegation of more than 40 people, including city councilmembers, local public officials, prospectors, settlers, individuals from the Juruna indigenous group, businesspeople, and residents of the municipality, apparently encouraged to defend the Belo Sun venture, as well as the presence of the state representative Fernando Coimbra.
The event comprised the second day of the program promoted by UFPA, in partnership with the State University of Pará, the Rosa Luxemburg Foundation, and the Xingu Forever Alive Movement (Movimento Xingu Vivo Para Sempre). If there hadn’t been a violent interruption, the schedule would have allowed for a discussion of research results and information collected on the largest open-pit gold mining project in Brazil. The intention of the company responsible for the project, the Canadian company Belo Sun, is to operate a few kilometers from the Belo Monte hydroelectric plant in Pará.
According to data collected by the organizations involved, industrial mineral exploration in the region ought to further deepen problems caused by the plant, whose grave social, environmental, and economic impacts on populations, ecosystems, and networks of local relations are frequently reported in Brazil and internationally.
Publicado pelo GGN 9/12/2017
THREATS AGAINST OPPONENTS OF THE BELO SUN PROJECT
In the case of large mining companies in the interior of the Amazon region, there are recurring complaints that companies act, through direct and indirect constraints, the cooptation of individuals, or individual payoffs, to undo community ties, placing members and groups against one another in negotiation processes around the constraints associated with the realization of business ventures.
Additionally, territorial rights are constantly violated by the forced displacement of residents, provoking irreparable damages to ways of life, social relations, forms of relating to nature, material livelihood, and cultural practices in the spaces affected.
Threats of environmental contamination in catastrophic proportions through highly polluted waste also are associated with the project.
In this context, direct and indirect threats to opponents of the Belo Sun project, whose constitutional rights to life, liberty, equality, security, and property are under threat, require urgent investigation and protective measures.
CENSORSHIP OF RESEARCH
One of the organizers of the meeting, the research project “New Social Cartography of the Amazon,” has as a common practice of critical, open, plural, and inclusive debate with local populations, for example quilombola, indigenous, extractive, and other groups that represent the social diversity of the Amazon.
Among the organizations proposing the research is the Center for Advanced Amazonian Studies at UFPA (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, or NAEA), recognized nationally and internationally for more than four decades of training, research, and debate on the development and impacts of large projects related to specific realities and situations marked by socioenvironmental conflicts.
In this sense, the intimidation of the academic community and the invasion of university space, which threaten the production and socialization of critical and quality knowledge based on rigorous research that supports policies geared towards public interest, socioenvironmental inclusion, and the expansion and defense of social and democratic rights, requires immediate action.
Therefore, we call on all in the defense of:
-The autonomy of Brazilian public universities, through the investigation and charging of those who organized the interruption of the seminar;
-The protection of the threatened persons, especially local leaders and the opponents of the Belo Sun project, through the opening of police investigations and protective measures that ensure their constitutional rights to life, liberty, equality, security, and property;
-The protection of democracy and of liberty of expression of intellectual, artistic, scientific and communicative activity, irrespective of censorship or license, especially in a context of tensions such as the Amazon;
-The respect for debate and the divergence of positions as a fundamental principle in the field of science and technology, and of activities of knowledge production and sharing of information.
Carta abierta a la comunidad científica brasileña e internacional
Para parar las venas abiertas de Volta Grande do Xingu
Con sentimiento de repudio, de alerta y de indignación denunciamos a la comunidad científica brasileña e internacional, la invasión del señor Dirceu Biancardi, alcalde del municipio Senador José Porfirío, en el estado de Pará, Brasil, al seminario de investigación académica en la Universidad Federal de Pará (UFPA), en la tarde del miércoles 29 de Noviembre del 2017. Calificamos este hecho como un acto de violencia institucional.
El impedimento a que el grupo de profesores, investigadores, estudiantes e integrantes de movimientos sociales presentes salieran del auditorio donde seria realizado el seminário “Las Venas abiertas de Volta Grande do Xingu: Un análisis de los impactos de la minera Belo Sun sobre la región afectada por Belo Monte”, constituye y es entendido como retención ilegal de personas.
Para reprimir el debate y controlar la apertura de una sesión que no había sido programada, el alcalde tuvo apoyo de una comitiva de cuarenta personas, entre las que se encontraban concejales, funcionarios públicos locales, mineros, colonos, indígenas de la nación Juruna, comerciantes y algunos habitantes del municipio. Ellos fueron aparentemente presionados para defender el proyecto Belo Sun. El diputado estadual Fernando Coimbra también estuvo presente en la comitiva.
El ataque al evento académico se llevó a cabo en el segundo día de la programación. El seminario fue promovido por la UFPA, en cooperación con la Universidad do Estado do Pará, la fundación Rosa Luxemburgo y el movimiento Xingu Vivo para Siempre. Si no fuera por la interrupción violenta, la programación hubiera permitido la discusión de los resultados de investigaciones sobre el proyecto de minería de oro a cielo abierto más grande en Brasil. La intención de la empresa dueña del proyecto, la canadiense Belo Sun, es operar a pocos kilómetros de la hidroeléctrica de Belo Monte, en el estado de Pará.
De acuerdo con los datos levantados por las organizaciones involucradas, la exploración de minerales sobre la forma industrial en la región debe profundizar todavía más los problemas ya causados por la planta hidroeléctrica de Belo Monte, cuyos graves daños sociales, ambientales, y económicos para las poblaciones, para los ecosistemas y para las redes sociales locales ya fueron registrados y denunciados tanto en Brasil como ante la comunidad internacional.
AMENAZAS A LOS OPOSITORES AL PROYECTO BELO SUN
En los escenarios da acción de las grandes mineras presentes en la Amazonia, son recurrentes las denuncias de presión, violenta o indirecta, captación de personas o dádivas de recompensas individuales, con el fin de deshacer lazos comunitarios y poner a las personas y grupos en confrontación cuando se realizan los procesos de concertación asociados a la realización de tales proyectos extractivistas.
Además de la violación constante a los derechos sobre el territorio por el desplazamiento obligado de los habitantes, hecho que causa daños irrecuperables a los modos de vida, a las relaciones sociales y comunitarias, a la relación con la naturaleza, y al sustento tanto material como de las prácticas culturales en la regiones afectadas. Así como las amenazas al medio ambiente en proporciones catastróficas por los residuos altamente contaminantes que también están asociados al proyecto.
En este contexto, se hace urgente investigar y tomar medidas que protejan a los opositores del proyecto Belo Sun, ya que sus derechos constitucionales a la vida, a la libertad, a la igualdad, a la seguridad e a la propiedad están en riesgo.
CENSURA A LA INVESTIGACIÓN ACADEMICA
Uno de los organizadores del encuentro, el proyecto de investigación “Nueva Cartografía Social de la Amazonia”, tiene como objetivo promover el debate crítico, abierto, plural e incluyente con las comunidades locales tales como grupos quilombolas, indígenas y otros que representan la diversidad de la Amazonia.
Igualmente, dentro de las organizaciones que proponen la investigación está el Núcleo de Altos Estudios Amazónicos de la UFPA (Naea/UFPA), que cuenta con reconocimiento nacional e internacional por realizar hace más de cuatro décadas actividades de formación, investigación y debate sobre el desarrollo e impactos de mega proyectos, y su relación con las realidades específicas y situaciones marcadas por conflictos socioambientales.
En este sentido, también se hace urgente tomar acciones inmediatas contra las intimidaciones a la comunidad académica y contra la invasión a un espacio universitario, ya que estos hechos amenazan la producción y socialización del conocimiento crítico y de calidad, fundamentado en estudios rigorosos para subsidiar políticas públicas cuyo fin es el interés colectivo, la inclusión socioambiental y la ampliación y defensa de los derechos sociales y democráticos.
Siendo así, convocamos a todos y todas a defender:
– La autonomía de las universidades públicas brasileñas, a través de la investigación judicial y responsabilización de los autores de la interrupción del Seminario.
-A las personas amenazadas, especialmente a los y las líderes locales y a quienes hacen oposición al proyecto Belo Sun, a través de la apertura de procesos policiales y de medidas protectoras que garanticen los derechos constitucionales a la vida, a la igualdad, y a la propiedad privada.
-La democracia y la libertad de expresión de la actividad intelectual, artística, científica y de comunicación, independiente de las censuras o de los permisos, considerando las tensiones características del contexto amazónico.
-El respeto al debate y a la divergencia de posiciones como principio fundamental del campo de la ciencia y de la tecnología, y de las diferentes actividades de producción del conocimiento y divulgación de la información.
Por Antonio Acioli Cancellier especial para os Jornalistas Livres:
“Decorridos 30 dias, sem nenhuma manifestação do Ministro da Justiça, fomos surpreendidos pela informação de que a referida delegada foi promovida à superintendente da PF em Sergipe. Surpresa, decepção e muita indignação, pois pelas normas do serviço público federal, servidores que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida… Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade”.
No DIA dois de dezembro lembramos, com pesar e saudades, a passagem de dois meses da morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o meu querido irmão Cau. Em 14 de setembro, os responsáveis pela operação OUVIDOS MOUCOS arrancaram Cau de sua cama. Levaram não um santo, não um herói, mas um homem digno, um professor respeitado, um jornalista competente, um estudioso do Direito, um jurista, pessoa cordial, sempre aberto ao diálogo.
Como um condenado foi conduzido a uma prisão de segurança máxima, permanecendo nu por cerca de duas horas na frente de outros prisioneiros, submetido à vexatória revista invasiva íntima, algemado nas pernas e mãos. Alguém conhece a súmula vinculante número 11 do Supremo Tribunal Federal? Vestiu o uniforme laranja e mandado para a cela; claro, sem esquecer as piadinhas óbvias.
Irmãos Cancellier, Acioli e Júlio, na formatura do reitor em Direito
Mas como réu condenado, foi tratado também pela imprensa, pois repercutiram e ampliaram uma informação falsa, divulgada pelo próprio Facebook e site oficial da Polícia Federal, que a operação investigava o desvio 80 milhões de reais do programa de Ensino à Distância na UFSC. Era mentira: Cau não foi acusado de desviar um centavo da UFSC, mas 80 milhões de reais são belas manchetes para alimentar a fúria justiceira de uma matilha impregnada de ódio, alimentada pelas manchetes da TV e replicada ad infinitum nas redes sociais.
Como jurista, Cancellier sabia muito bem que as acusações que pesavam contra ele não tinham consistência alguma. Ao mesmo tempo, imagino que em sua cabeça martelava a máxima de outro luminar, Rui Barbosa: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.” E como cidadão, acostumado ao dia a dia das operações midiáticas e espetaculosas, certamente imaginava que dificilmente poderia se livrar da mácula que lhe foi gravada na alma a ferro e fogo.
No dia 2 de outubro, se atirou do quarto andar de um shopping center de Florianópolis. Junto ao seu corpo destroçado, um bilhete: “MINHA MORTE FOI DECRETADA QUANDO FUI BANIDO DA UNIVERSIDADE!!!” Nove palavras que valem por um testamento. Nove palavras que sintetizam todos os manuais de psicologia: matem o que uma pessoa mais ama e valoriza, o que resta é um cadáver ambulante.
Nos devolveram um simulacro daquele grande homem que nos roubaram. Seus ossos estavam quebrados, o corpo estraçalhado, ensanguentado; mas não satisfeitos, os carrascos também o cobriram de excrementos, pois aos fascistas não basta a morte clínica, necessitam também cobrir o cadáver com as marcas de desonra. E os fascistas se travestem de democratas nas redes sociais, muitas vezes vestem togas, como disse o desembargador Lédio Rosa de Andrade. Mas também se escondem sob o manto de jornalistas honestos em veículos hipócritas, que vendem à sociedade a ideia que a corrupção deve ser banida, quando, na realidade, a eles só interessam defender os privilégios dos seus apaniguados.
Acioli, diante do cadáver do irmão: “Nos devolveram um simulacro daquele grande homem que nos roubaram” Foto: Pipo Quint Agecom/UFSC
No dia 31 de outubro, entregamos ao Ministro da Justiça uma representação solicitando a abertura de PROCEDIMENTO DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL contra a delegada da Polícia Federal Érika Mialik Marena, responsável pela operação Ouvidos Moucos. Decorridos 30 dias, sem nenhuma manifestação do Ministro da Justiça, fomos surpreendidos pela informação que a referida delegada foi promovida à superintendente da PF em Sergipe. Surpresa, decepção e muita indignação, pois pelas normas do serviço público federal, servidores que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida… Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade.
O que nos conforta é o apoio e solidariedade que diversos segmentos da sociedade têm emprestado à família. Juristas, juízes, desembargadores, professores, alunos, servidores públicos, membros do Legislativo e alguns órgãos da imprensa que apoiam a família e nos incentivam nesta árdua caminhada em busca da Justiça.
Nos conforta saber que pessoas como a médica do trabalho Edna Maria Niero, depois de preencher o minucioso formulário do Sistema Nacional de Agravos de Notificação com os seus dados e as condições do óbito, a médica atestou que o nexo causal da morte do reitor é relacionado ao trabalho: “Não tive nenhuma dúvida”, afirma ela. “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”.
Edna Maria Niero: “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”
Segundo ela, as circunstâncias da morte do reitor tiveram imediata repercussão entre os profissionais que integram a área da saúde do trabalhador, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, antropólogos etc. “Nós discutimos o caso amplamente em congressos, reuniões e fóruns virtuais da área. Para o conjunto de técnicos não houve dúvidas de que se tratava de acidente do trabalho: “Em todo o Brasil ficou claríssimo para os profissionais da saúde do trabalhador: foi acidente do trabalho, um transtorno mental que levou ao óbito. A proibição de circular na universidade onde realizou a maior parte de sua trajetória de vida e a humilhação que sofreu levaram-no à decisão de acabar com o seu sofrimento.” Tirar o trabalho de alguém é, portanto, tirar a sua vida. E nós sabemos que a universidade era a vida do reitor”. (Reportagem completa em https://jornalistaslivres.org/2017/12/exclusivo-suicidio-do-reitor-cancellier-foi-notificado-como-acidente-do-trabalho-provocado-por-constrangimento-moral-insuportavel/)
No dia 31 de outubro, o Congresso Nacional se reuniu em sessão solene para homenagear a memória do Professor Cancellier.
Dentre as várias personalidades que fizeram uso da palavra naquela ocasião, calou fundo em nossos corações e mentes o brado da ex-senadora Ideli, do qual recorto o seguinte trecho: “E é desse corpo caído, do nosso querido Cau, do Reitor da nossa Universidade Federal de Santa Cataria, que ecoa o grito por justiça e por respeito ao Estado de direito para todos, para brancos e pretos, para homens e mulheres, para ricos e pobres. É esse corpo caído, essa vida que se joga, que exige que milhares, milhões de corpos se levantem. Que a vida se erga para barrar o Estado de exceção. Que se erga contra o avanço do fascismo e do autoritarismo. Que se erga pelo Estado de direito.
PESADELO DE KAFKA: Proscrito da universidade, cercado por calúnias de todos os lados, o reitor não viu chances de provar sua inocência e foi levado ao óbito
Completados hoje dois meses da tragédia que consternou o país, a União, a Polícia, a Justiça e o Ministério Público Federal continuam ignorando os notórios abusos e excessos de poder que levaram ao linchamento moral e à morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, já amplamente denunciados por renomados juristas. No entanto, uma atitude corajosa e mantida até agora no anonimato, pode mudar o curso dessa história de horror e impunidade. Enquanto as associações corporativistas dos juízes federais do Brasil e de Santa Catarina; dos procuradores da república e dos delegados da Polícia Federal emitia uma nota oficial isentando esses agentes de qualquer falha na condução da “Operação Ouvidos Moucos”, silenciosamente, uma médica do trabalho do Hospital Universitário notificou a morte de Cancellier ao Ministério da Saúde como fruto de assédio, humilhação e constrangimento moral relacionados ao trabalho. Com a notificação, o suicídio do reitor fica tipificado como acidente do trabalho e passar a constituir um importante instrumento para responsabilizar o Estado brasileiro pela sua morte.
Antes de se aposentar por tempo de contribuição, a médica Edna Maria Niero, 55 anos, coordenadora da equipe do Ambulatório de Saúde do Trabalhador do hospital da UFSC, cumpriu o que havia prometido a si mesma e aos colegas de profissão de todo o país no dia da morte de Cancellier. A profissional conta que só esperou passar um pouco a forte comoção causada pela tragédia para poder fazer as investigações necessárias e levantar os dados pessoais do professor junto à Reitoria, ao setor do Pessoal da UFSC e ao prontuário médico. E no dia 24 de outubro, depois de preencher o minucioso formulário do Sistema Nacional de Agravos de Notificação com os seus dados e as condições do óbito, a médica atestou que o nexo causal da morte do reitor foi sofrimento no trabalho: “Não tive nenhuma dúvida”, afirma ela. “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”. O abalo emocional que ele sofreu está incluído na lista de doenças de notificação compulsória do MS e integra agora as estatísticas epidemiológicas de morte do trabalhador.
“Em todo o Brasil ficou claríssimo para os profissionais da área: foi acidente do trabalho” (Edna Maria Niero)
A proibição de se aproximar da universidade onde realizou a maior parte de sua trajetória de vida e a humilhação que sofreu levaram-no à decisão do suicídio, afirma Edna. Segundo ela, as circunstâncias da morte do reitor tiveram imediata repercussão entre os profissionais que integram a área da saúde do trabalhador, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, antropólogos etc. “Nós discutimos o caso amplamente em congressos, reuniões e fóruns virtuais da área. Para o conjunto de técnicos no Brasil ficou claríssimo que se tratava de acidente do trabalho: um transtorno mental que levou ao óbito”. Quem atua nessa área compreende que na nossa sociedade o trabalho é a identidade da pessoa e se confunde com a sua própria vida, explica. “Tirar o trabalho de alguém é, portanto, tirar a sua vida. E nós sabemos que a universidade era a vida do reitor”, pontua a médica que, como Cancellier, fez toda sua formação e carreira profissional na UFSC, desde que saiu do município de Tubarão, no Sul de Santa Catarina, aos 16 anos. Graduada em Medicina em 1986, fez mestrado em Ergonomia e Doutorado em Engenharia de Produção na mesma instituição, buscando preencher o aspecto interdisciplinar da sua especialidade.
Embora conterrânea do professor Cancellier, Edna só o conheceu antes da sua eleição para reitor, quando foi chamada a contribuir com o processo de implantação de uma equipe de Saúde do Trabalhador. “O ambulatório de ST do Hospital Universitário foi criado por iniciativa e incentivo de sua gestão”, reconhece, lembrando que o reitor era entusiasta de projetos que fortalecessem o cuidado com as condições do ambiente do trabalho a fim de evitar casos de doenças psíquicas e emocionais ligadas ao estresse e à depressão. “Ele sempre dizia a nossa equipe da Reitoria: trabalhem, mas preservem sua alegria. O trabalho não pode gerar sofrimento”, conta Maria de Lourdes Borges, secretária de Cultura e Artes da UFSC.
A médica responsável pela notificação (na ponta à direita), ao lado dos gestores da UFSC na assinatura de acordo para implantação do Ambulatório de Saúde do Trabalhador no HU. Foto: Agecom/ UFSC
Com o nexo causal atestado pela autoridade médica, o suicídio do reitor entra para os dados epidemiológicos do Ministério da Saúde como morte provocada por abalo emocional resultante de assédio moral insuportável. Embora já fosse conhecida nos fóruns restritos ao campo da medicina do trabalho, a iniciativa da servidora manteve-se no anonimato até há pouco. Na véspera da realização da “Aula Pública Resistência ao Abuso de Poder e ao Fascismo”, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina no dia 27 de novembro, tomei conhecimento da notificação através da assistente social do Fórum da Justiça da Trindade, Maris Tonon, integrante, como eu, do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção. No dia seguinte, ao discursar em nome do Coletivo que promovia o evento, revelei a atitude da médica, que não estava na plateia, mas foi muito aplaudida pelo auditório lotado do Garapuvu, em Florianópolis. Assista ao vivo https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/643048125819068/
Hoje, ao completar dois meses do falecimento de Cancellier, contatei Edna por telefone na cidade de Joinville, onde ministra um curso na área de saúde. Em uma longa conversa, a médica se disse feliz pelo acolhimento de sua iniciativa e desejou que ela se desdobre em outras ações capazes de restabelecer a justiça e a verdade para o professor. Lembrou que as consequências jurídicas ou penais da notificação competem a outras instâncias, mas a tipificação do óbito para que sejam tomadas providências no sentido de evitar novos casos são de sua atribuição. “Ainda que isso não devolva a vida do reitor, é meu dever fazê-lo”.
Como profissional da área, esclarece que agiu em nome da sua obrigação ética e profissional de trazer as causas do óbito à luz dos órgãos públicos responsáveis pela saúde do trabalhador. “São as estatísticas que monitoram as ações na área e geram intervenções capazes de prevenir outros acidentes de trabalho dessa natureza”, explica. Hoje, a cada dez trabalhadores atendidos pelo Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor na UFSC, sete apresentam sintomas de depressão ligados ao falecimento trágico do reitor, segundo informação também da assistente social Maris Tonon. Outros cinco casos de suicídio ocorreram na UFSC após a tragédia, dois deles de estudantes, mas não se pode afirmar que haja relação com a morte de Cancellier porque as circunstâncias e causas ainda estão sendo estudadas.
Responsável também pelas pesquisas em torno dos danos à saúde do trabalhador catarinense provocados pelo Amianto, que determinaram a proibição do seu uso em Santa Catarina, a médica diz que não cabe a ela entrar no mérito da culpa. Revela, contudo, que ficou chocada com a manifestação das associações corporativistas de juízes e delegados ao defenderem a normalidade dos procedimentos abusivos da delegada e da juíza “sem sequer citaram o suicídio como consequência da operação”.
Ao saber pelos Jornalistas Livres da decisão concretizada pela médica, o irmão mais velho do reitor, o professor aposentado do INPE, Antônio Aciolli Cancellier de Olivo, disse que atitudes como a dela confortam a família e encorajam a sua luta por justiça. Afirmou ainda que o nexo causal do óbito relativo ao trabalho é confirmado pelo bilhete encontrado junto ao cadáver do irmão com os dizeres: “Minha morte foi decretada no dia em que fui banido da universidade”. Para o irmão mais novo, o jornalista Júlio Cancellier, a atitude de notificar o óbito como relacionado ao trabalho “é mais um elemento importante para confirmar que Cau foi vítima de atos ilegais, desumanos e cruéis”. E acrescentou: “Já se passaram dois meses de sua morte e nada do que fopi alegado para prendê-lo e bani-lo da universidade foi comprovado”.
Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor: perda irreparável. Foto: acervo pessoal
Uma fonte da reitoria, que prefere não se identificar, assegura que antes de tomar a decisão de pôr fim à vida, Cancellier recebeu, por canais indiretos, informação do Ministério Público Federal de que seu retorno ao cargo de reitor não seria mais autorizado. Como professor de direito administrativo, nesse momento ele teria compreendido também que não havia condições morais de retornar ao exercício em sala de aula quando era acusado pela massa ignara de um desvio de verbas que sequer ocorrera na sua gestão. Cercado de todos os lados pela mídia, pela Polícia, pela Justiça Federal, o reitor não viu chances para provar sua inocência no pesadelo, digno de um romance de Kafka, no qual fora enredado pelo corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado.
Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos conseguiu apenas arrancar do reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: seu trabalho e sua vida.
DELEGADA ERIKA MARENA: PROCESSADA E PROMOVIDA
Delegada foi promovida ao cargo de superintendente da Polícia Federal de Sergipe, uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus crimes
A notificação do suicídio do reitor como acidente do trabalho traz um instrumento jurídico fundamental para os processos futuros ou vigentes de responsabilização da União por essa morte e pelos danos irreparáveis causados pela perda à família e à comunidade universitária. Exemplo disso é a denúncia apresentada no dia 31 de outubro pela família ao Ministério da Justiça contra a delegada federal Érika Mialik Marena requerendo a instauração de inquérito para apurar sua responsabilização administrativa, cível e criminal pelos episódios de abuso de poder que levaram ao suicídio do reitor, conforme anunciado com exclusividade pelos Jornalistas Livres. https://jornalistaslivres.org/2017/11/dossie-exclusivo-2-postagens-inveridicas-que-levaram-ao-linchamento-publico-do-reitor-da-ufsc-continuam-nas-paginas-oficiais-da-pf/
Entregue ao ministro Torquato Jardim, a denúncia também alega violação da lei do sigilo de operações policiais antes da sua conclusão, argumentando que ao convocar a mídia para cobrir a prisão, a delegada feriu o dever de proteção à imagem de um cidadão que não era sequer investigado ou citado no processo e jamais havia respondido a um processo administrativo em sua carreira. Conforme a carta-denúncia, a delegada descumpriu a própria determinação da juíza Janaína Cassol, que autorizou o pedido de prisão sob a condição de que a imagem da universidade e dos envolvidos fosse resguardada e que o sigilo da operação fosse mantido até a sua conclusão.
Aula Pública na UFSC reúne mais de mil pessoas contra o Estado de Exceção no dia 27/11. Foto: Henrique Almeida Agecom/UFSC
Até agora, o irmão Acioli Cancellier, que assina a representação, bem como os advogados da família, não receberam resposta do Ministério da Justiça. Ao contrário, no dia 28 último, a ex-coordenadora da Lava-Jato em Curitiba foi nomeada ao cargo de superintendente da Polícia Federal do Estado do Sergipe pelo novo diretor geral da PF, Fernando Segóvia, o que configura uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus erros e crimes perante as vítimas.
“Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade”, afirmou Aciolli Cancellier em carta enviada aos Jornalistas Livres, na qual considerou um deboche a nomeação da delegada ao cargo de superintendente do Sergipe. “Que eu saiba, servidores públicos que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida”. (Ver a respeito artigo do Regime Jurídico Único que rege a questão no funcionalismo público: Decreto nº 59.310 de 23 de Setembro de 1966). Júlio Cancellier afirmou que apesar da nomeação de Érika Marena, o caso não vai cair no esquecimento. “O Ministério da Justiça já mandou investigar a operação”. Os advogados que apoiam a família também estudam outras ações, segundo ele. Além do requerimento para apurar sua responsabilidade no Ministério da Justiça, a delegada é alvo de investigação na Corregedoria da Polícia Federal.
Ao mesmo tempo em que recebe uma “promoção”, a delegada também é afastada do foco do escândalo na Superintendência da PF em Santa Catarina, onde os desastres de sua atuação conseguem ser unanimidade entre os setores de esquerda e os que apoiaram o impeachment de Dilma. É o caso do procurador geral do Estado, João dos Passos Martins, que condenou a prisão do reitor como uma afronta ao Estado de Direito, e emitiu nota pública se manifestando pela punição dos agentes responsáveis. “Limitar o poder é condição básica da democracia e do direito”, afirmou durante a Aula Pública.
Atualização: No dia seguinte ao fechamento desta edição, o Estadão publicou, em reportagem que cita o trabalho dos Jornalistas Livres no caso, informação de que a “petição foi processada e tramita na forma de processo administrativo, atualmente na Polícia Federal”. O repórter Luiz Maklouf Carvalho acrescenta ainda: “Na PF, segundo o Ministério da Justiça, a corregedoria abriu procedimento para verificar a notícia-crime descrita na petição da família. O procedimento está sendo analisado pelo Núcleo de Polícia Judiciária. Ao fim da análise, que está em fase de execução, haverá um parecer sobre a existência do crime. A depender do que diga o parecer, abre-se um inquérito sobre a delegada”.
Presidente da Associação Kantiana Brasileira, Maria Borges: “A prisão do reitor com requintes de crueldade pode ser analisada à luz do mal no direito”. Foto: Raquel Wandelli
REQUINTES DE CRUELDADE
A violência de Estado contra o reitor pode ser analisada sob a ótica do mal no Direito, argumentou a filósofa Maria de Lourdes Borges, ao falar sobre seus projetos futuros de investigação durante a defesa do seu Memorial para o cargo de professora titular do Curso de Filosofia da UFSC, no dia 29 de novembro. Presidente da Associação Brasileira de Filosofia Kantiana e especialista em Hegel, a professora afirmou que podem ser vistos como requintes de crueldade a prisão espetacularizada por mais de cem agentes da Polícia Federal; o fato de um cidadão desarmado e sem antecedentes criminais ter sido algemado nas mãos e acorrentados nos pés, submetido a revista íntima, despido e humilhado durante duas horas em frente aos outros presos e encarcerado num presídio de segurança máxima, sem a constituição de denúncia e sem o direito à defesa. Esses fatos abusivos indicam, segundo ela, o exercício do mal pelos aparatos policiais e pelo sistema jurídico como um todo. https://www.facebook.com/raquelwandelli/videos/1556866457739067/
Agasalhando sem nenhum cuidado acusações de que estava atrapalhando as investigações imputadas pelo corregedor Hickel do Prado (que, ao contrário do seu acusado, apresentava antecedentes por crime de calúnia e difamação), a Polícia e a Justiça Federal trataram um homem de ficha limpa como prisioneiro de guerra. Essa figura analisada pela filosofia do direito refere-se ao sujeito animalizado e judaizado diante da opinião pública, cegada e incitada ao ódio pelo poder. Em nome da necessidade do coliseu de satisfazer sua fome de violência, toda injúria física e tortura psicológica contra o prisioneiro pode ser legitimada. Não apenas a supressão dos seus direitos, mas a violação do seu corpo e da sua dignidade.
Nota do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção
Pela apuração imediata das responsabilidades civis e criminais: há dois meses morria o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, vítima de abuso de poder!
Mais de dois meses depois da espetaculosa operação “Ouvidos moucos”, protagonizada pelos agentes públicos Polícia Federal e Ministério Público Federal, sob a chancela da Justiça Federal, e precisamente 60 dias após a morte do professor Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, um silêncio cúmplice e profundo das autoridades públicas do estado se faz sentir, na comunidade universitária e sociedade em geral.
Prevalece até aqui a impunidade e nenhuma ação concreta de apuração e investigação de responsabilidades foi instaurada contra os agentes do fascismo. Ademais, outros cinco professores e um técnico-administrativo continuam banidos da UFSC: Marcos Baptista Lopez Dalmau, Gilberto de Oliveira Moritz, Rogério da Silva Nunes, Eduardo Lobo e Marcio Santos (professores); Roberto Moritz da Nova (funcionário da FAPEU). Todos tiveram suas vidas expostas e foram julgados e condenados pelo tribunal da mídia tradicional, parceira e cúmplice, desde as primeiras horas da manhã, da PF, MPF e Justiça Federal.
O Coletivo Floripa contra o Estado de Exceção vem à público exigir que as autoridades constituídas de Santa Catarina, a saber o governo estadual e os deputados estaduais, ajam no sentido de instaurar o devido processo legal de apuração de responsabilidades das autoridades envolvidas no flagrante abuso de autoridade e ruptura do Estado Democrático de Direito.
Na Sessão Solene fúnebre do Conselho Universitário da UFSC do dia 03 de outubro, o governador em exercício, Eduardo Pinho Moreira, assumiu como posição oficial a nota emitida pelo Procurador Geral do Estado, João Martins dos Passos Neto: “Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas”.
Em recente Sessão na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em homenagem ao reitor morto, o desembargador e professor da UFSC, Lédio Rosa de Andrade, também cobrou uma posição do Executivo estadual e do próprio parlamento catarinense. É preciso investigar quem autorizou a transferência do reitor e dos demais presos da Superintendência da Polícia Federal para o Presídio de Florianópolis, no qual foram submetidos a toda sorte de humilhações. Qual autoridade autorizou a entrada do professor Cancellier e dos demais presos no sistema prisional de SC? É sempre bom lembrar: a “espetacular” e desastrada operação mobilizou 105 policiais para prender seis professores e um técnico-administrativo da UFSC. A PF os chamou, leviana e irresponsavelmente, de “quadrilha”, que havia “desviado R$ 80 milhões do programa de ensino à distância”. Uma mentira que o site da Polícia Federal mantinha no ar, até dias atrás, porque na verdade esse era o montante do programa em mais de 10 anos. O suposto desvio, ainda sob investigação, teria sido, algo entre R$ 300 a R$ 500 mil, em período anterior à gestão de Cancellier.
Enquanto a comunidade universitária e a sociedade aguardam providências concretas do governo de SC e da Assembleia Legislativa, num gesto de escárnio, a delegada responsável pela tal operação é “severamente promovida” para o cargo de Superintendente da Polícia Federal, no estado de Sergipe. É mais uma agressão vil aos familiares, amigos, colegas de profissão que continuam a luta em defesa da Autonomia Universitária e do Estado Democrático de Direito.
Contra todo tipo de golpe e perda de direitos!
Pela aprovação urgente da Lei Cancellier de Abuso de Autoridade na Câmara Federal!
Pelo absoluto respeito aos Direitos Individuais e Coletivos assegurados na Constituição!
Em defesa da UFSC, da Autonomia Universitária, da Soberania Nacional e do Estado Democrático de Direito!
Não ao Estado de Exceção!
Florianópolis (SC), 02 de dezembro de 2017.
Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção
Aula Pública na UFSC “Resistência ao Aubso de Poder e ao Fascismo” marcou os dois meses de morte trágica do reitor. Foto: Henrique Almeida da Agecom/UFSC