Jornalistas Livres

Categoria: História do Brasil

  • NOTA DE REPÚDIO

    NOTA DE REPÚDIO

     

    Bloco fascista celebra o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra

    O Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça, que reúne ex-presos políticos e ativistas de direitos humanos, repudia veementemente a decisão da juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, que permite o desfile neste Carnaval de um grupo fascista, auto denominado Porão do Dops, que faz apologia à tortura e enaltece reconhecidos torturadores, que atuaram na ditadura militar.

    Consideramos que a decisão da juíza Daniela, além de desrespeitar a memória das vítimas que tombaram dentro das masmorras da ditadura e os ex-presos que sobreviveram às sevícias de torturadores, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado Sérgio Paranhos Fleury, ídolos desse grupelho fascista, ainda contribui para a agressão ao estado democrático de direito, possibilitando a disseminação de ódio nas ruas da capital paulista.

    Não bastasse tudo isso, a juíza em seu veredito, ao conceder a liminar que autoriza o desfile, ainda demonstrou ignorância ou má-fé. Diz ela que as pessoas enaltecidas pelo bloco Porão do Dops “sequer foram reconhecidas judicialmente como autores de crimes perpetrados durante o regime ditatorial”. Como pode a juíza Daniela desconhecer a decisão da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmou, por unanimidade, a sentença de primeira instância, que reconheceu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como notório torturador?

    Com sua decisão, a magistrada revela, também, que se manteve alheia ao relatório da Comissão Nacional da Verdade, que investigou os crimes da ditadura e apontou tanto Ustra quanto Fleury, como reconhecidos torturadores de ativistas que lutaram contra a ditadura militar.

    Em tempos de condenação sem provas e indulgência a criminosos, o Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça reitera sua luta pela punição dos torturadores e sua posição de nenhuma concessão a apologistas da tortura e dos agentes de Estado que perpetraram violações aos direitos humanos.

    Por tudo isso, nos somamos a todos aqueles que estão unidos para impedir esse desfile macabro, numa festa popular, que nasceu como resistência aos do andar de cima.

    Fora Porão do Dops!

  • Juíza libera bloco de Carnaval paulistano que faz apologia à tortura!

    Juíza libera bloco de Carnaval paulistano que faz apologia à tortura!

    Bloco fascista celebra o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra

    Em decisão que acaba de ser divulgada, a juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, da 39ª Vara Cível da comarca de São Paulo, liberou a propaganda, divulgação e o desfile do Bloco de Carnaval denominado “Porões do Dops”, patrocinado pelo grupo ultraconservador Direita São Paulo.

    Veja AQUI a decisão da juíza  Daniela Pazzeto Meneghine Conceição

    Com estréia marcada para o próximo dia 10 de fevereiro, o Bloco celebra a prática de tortura do período militar, enaltecendo e homenageando gente como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o policial Sergio Paranhos Fleury, sinistros assassinos e torturadores que fizeram centenas de vítimas durante a Ditadura Militar.

    Os cartazes de divulgação do Bloco Carnavalesco estão aí em cima, e trazem imagens dos dois torturadores. O nome “Porões do Dops” refere-se às câmaras de suplícios clandestinas, instaladas nos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops), para onde eram levados adversários da Ditadura.

    Com sua decisão, a juíza Daniela Pazzeto Meneghine Conceição junta-se aos seus colegas de toga que vêm cobrindo o Judiciário de vergonha. Motivos não faltam:

    1. Daniela diz que “Conceder a liminar, tal como pleiteado, seria suprimir e ainda invadir a esfera essencial de proteção dos direitos fundamentais, notadamente da liberdade de expressão e de pensamento.”

    Nãããããão, cara juíza! Não há liberdade de expressão e de pensamento que autorize o incitamento a crimes, o desrespeito às vítimas da Ditadura, a chacota com a dor e o sofrimento indizíveis. Imagine-se um bloco carnavalesco que resolvesse “brincar” com a temática da pedofilia, ou do racismo, ou do feminicídio, ilustrando sua propaganda com retratos de predadores de crianças, negros e mulheres —e enaltecendo-os!

    Pela lógica da triste juíza, nada se poderia fazer nesses casos, em nome da “liberdade de expressão”.

    1. O que já está ruim, fica muito pior, quando a juíza expõe seus parcos conhecimentos de história. Diz ela: “Já a nomeação do bloco, por si só, não configura exaltação à época de exceção ou das pessoas lá indicadas que, sequer, foram reconhecidas judicialmente como autores de crimes perpetrados durante o regime ditatorial, em razão da posterior promulgação da Lei da Anistia (que teve como finalidade buscar a paz social, a segurança jurídica o convívio plural entre os iguais), a qual posteriormente foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, para reconhecer sua aplicação não apenas aos opositores ao regime da época, como também aos opressores.”

    Nãããããããão, doutora Daniela! A Lei da Anistia de fato tentou passar um pano nas responsabilidades de agentes civis e militares sobre a brutal repressão aos opositores do Regime Militar. Mas daí a dizer que Brilhante Ustra ou Fleury nem “sequer foram reconhecidos judicialmente como autores de crimes” vai uma longa distância. A senhora deveria saber que Brilhante Ustra foi inclusive condenado em 2008 por decisão do juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo,tornando-se o primeiro oficial condenado na Justiça brasileira em uma ação declaratória por seqüestro e tortura durante o regime militar (1964-1985).

    Depois disso, houve o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, cuja leitura os Jornalistas Livres recomendam fortemente à senhora, para evitar mais vergonhas neste campo.

    1. Por fim, doutora, a senhora diz a certa altura em sua decisão:
      “A meu sentir, conceder a tutela antecipatória além de violar a isonomia material, porque muitas pessoas também se manifestarão de diversas maneiras no período do Carnaval, e por óbvio haverão abusos na liberdade de expressão e pensamento, cabe ao Poder Judiciário, como ente Estatal manter e preservar pelo menos o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.”

    Nããããããããão, doutora! Além de graves problemas de pontuação, a senhora perpetrou um grave atentato contra a Língua Portuguesa. O verbo haver no sentido de existir ou ocorrer, é considerado impessoal, ou seja, não tem sujeito. Assim, em vez de “haverão abusos”, o correto é “haverá abusos”. Da mesma forma que “haverá juízes melhores”. Entendeu?

  • Concurseiros decidem os destinos da Nação

    Concurseiros decidem os destinos da Nação

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia

    Durante cinco anos, trabalhei em uma das maiores universidades particulares do Brasil. Aquela onda operário, professor horista, salário dependendo da quantidade de turmas.

    Lecionei para tudo quanto foi curso: moda, administração, pedagogia, história, direito.

    O curso de direito é o grande filão de mercado desse tipo de empresa. Duas coisas sempre me impressionaram, desde a primeira vez em que atuei no curso de direito: as expectativas dos alunos e o perfil dos professores.

    A grande maioria dos alunos não buscava os estudos jurídicos movida pela ideia de vocação ou pela vontade de estudar as leis como um exercício de compreensão da realidade. Quase todos viam a universidade como um tipo de curso preparatório para concursos públicos.

    O concurso público era visto como um fim em si, e não como uma forma de ter acesso ao emprego público e colaborar com a sociedade. O objetivo era o emprego público, pouco importando qual fosse o cargo ou a natureza do trabalho.

    Não havia muito interesse em discutir, em ler nenhum assunto que não fosse considerado algo absolutamente necessário para o sucesso no concurso público. O curso de direito naquela universidade particular era pouco mais que isso: fábrica de concurseiros.

    O pior é que a mentalidade dos professores, dos meus colegas, não era muito diferente. Não era mesmo.

    Convivi com Delegados, Juízes, Advogados, Procuradores, Desembargadores. Uma gente bem vestida, os homens trajando terno e gravata, as mulheres com saia social, saltão.

    Alguns eram um tanto cafonas: relógios grandes e dourados, bolsa com estampa de vaquinha, de oncinha. Confesso que de vez em quando eu debochava mentalmente. Ora ou outra nem tão mentalmente assim. Acho que por isso a galera não gostava muito de mim.

    Enfim.

    Fato é que a convivência sempre foi tensa, agônica, conflituosa, principalmente depois de 2014, quando a crise institucional ficou mais aguda. A sala dos professores se tornou um verdadeiro círco de horrores.

    Colegas, professores, que não cultivavam hábitos intelectuais, que não tinham interesse em nada que não tivesse diretamente relacionado ao seu cotidiano de trabalho: não liam literatura, não visitavam exposições de museus, não consumiam cinema, não frequentavam teatros.

    Sempre aqueles códigos criminais pesadíssimos na mão, só os códigos. Nenhum Gabriel Garcia Marques, nada de Clarice ou Guimarães Rosa. De Machado de Assis só ouviram falar.

    Vivem nomalmente sem conhecer os filmes de Woddy Allen, Almodóvar, Scorsese, sem ter quase contato com os grandes empreendimentos da inteligêngia humana.

    Os profissionais mais importantes para a manutenção do contrato social não têm formação humanista, nenhuma formação humanista.

    A maior parte dos meus colegas, que tem a função de arbitrar o conflito social, de zelar pelo bem comum, trata a lei como um manual, como uma receita de bolo.

    E aí vocês podem imaginar, né? O círculo vicioso se completa: os alunos chegam com mentalidade de concurseiro e isso é alimentado pelos professores.

    Resultado: todo semestre a universidade não diploma operadores do direito, pessoas sensíveis às questões sociais, capazes de tratar a lei como aquilo que ela é: um complexo experimento sociológico. A universidade forma concurseiros.

    Concurseiros formando concurseiros. Todos preocupados em marcar o “X” no lugar certo e assim garantir um emprego estável e os privilégios que o Poder Judiciário entrega numa bandeja aos seus servidores.

    São essas pessoas que estão decidindo os destinos da nação. Somos a República dos Concurseiros.

  • Líderes Xokleng acreditam que educador foi assassinado por matador de aluguel e recusam versão da polícia

    Líderes Xokleng acreditam que educador foi assassinado por matador de aluguel e recusam versão da polícia

    Ilustração da obra de Sílvio Coelho dos Santos

    Do bugreiro degolador do início do século XX, ao matador de aluguel, sobreviventes Xokleng enfrentam os novos exterminadores do Sul racista. “Foi racismo, sim, e não só do assassino”, afirma o presidente da Terra Indígena Laklãnõ, Tucun Gakran, que se reúne hoje (8/1) à tarde com o procurador do Ministério Público Federal em Santa Catarina para pedir, em nome dos nove caciques das aldeias e de todo o povo Xokleng, abertura de inquérito criminal para apurar as circunstâncias do homicídio brutal do educador Marcondes Namblá. Para os caciques, houve negligência do delegado da Polícia Civil no cumprimento da prisão preventiva do criminoso; das testemunhas, que não tentaram impedir as agressões e do hospital, que negligenciou o seu atendimento porque era um indígena.

     

     

     

    Professor morto a pauladas era um dos mais importantes pesquisadores e lutadores dos sobreviventes da Terra Indígena Laklãnõ

    Desde que Marcondes Namblá morreu em consequência do espancamento sofrido antes dos primeiros raios de sol mancharem de vermelho-sangue o amanhecer do Ano Novo, seu pai repete um ritual dilacerante para os habitantes da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng. Criado na reserva de José Boiteux como o único filho homem entre oito irmãs, o educador era tributário de grandes esperanças desse povo que sobreviveu ao violento extermínio no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Todos os dias, às oito horas da noite, Ângelo Namblá, cuja idade se perdeu no não-tempo da vida indígena, canta em frente ao rio que corta a aldeia de Coqueiro, onde ele e dona Candinha criaram os nove filhos. É na correnteza do rio, e não no cemitério onde o corpo foi enterrado, que navega a alma gentil do jovem e brilhante pesquisador, que cativava o povo Xokleng com seu sorriso de poeta, músico e educador. Durante muito tempo, o velho canta bem alto na precisosa língua de seus antepassados para que toda aldeia ouça. O sentido do que ele canta e grita chorando em Laklãnõ está vedado para uma repórter não-índia. É algo terrível e sagrado sobre o qual um indígena não pode sequer falar com não-iniciados.

    À frente do grupo de educadores, Marcondes Namblá, à esquerda, e Nanblá Gakram, doutor em linguística, que foi seu professor

    Quem entende a raríssima língua dos sobreviventes Xokleng diz apenas: “É um canto de desespero. Só isso posso dizer”. E preciso aguardar em silêncio que Nanblá Gakran, primo do líder assassinado e maior autoridade mundial em pesquisa da língua Laklãnõ, se recomponha para voltarmos a conversar. Ele retorna alguns minutos depois, na voz ainda um tom de profunda  consternação. Explica que os indígenas compreendem a morte como uma passagem natural para outra vida; que todos os rituais fúnebres têm esse sentido, mas quando perdem um ente adorado de forma tão violenta e gratuita, a morte se traduz em horror. “É algo que nós simplesmente não compreendemos”, afirma o professor Gakran, criado junto com Marcondes na aldeia Coqueiro. Quando o horror atravessa a vida da comunidade indígena, é preciso esse clamor diário para que a alma do morto encontre paz.

    No dia 2 de janeiro, logo que o povo Xokleng soube da morte cerebral de Marcondes na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, um grito coletivo ecoou pelas nove aldeias que compõem a reserva de José Boiteux. “Eu vim de Florianópolis na madrugada do dia 3 para o enterro e, na entrada da Terra Indígena, já se ouvia os choros e gritos de desespero; a comunidade em peso sofrendo à espera do corpo do nosso guerreiro chegar”, conta Isabel Prestes, 28 anos, da etinia Munduruku, nora de Nanblá Gakran e esposa de Carl Gakran, primo e amigo de infância de Marcondes. Pouco depois, o corpo chegou e a dor só piorou, ela conta. “Meu marido, as irmãs, os filhos, os parentes, amigos, todos ficaram muito abalados. E aqui, quando uma pessoa adoece, todos adoecem junto. Nós somos uma grande família de um povo sobrevivente ao massacre cometido pelo Estado”.

    Crianças da aldeia Barragem, onde Namblá vivia com a esposa e os cinco filhos

    Há uma informação antropológica conhecida por todas as nações indígenas, mas ignorada pela absoluta maioria da sociedade branca: o povo da reserva da Barragem Norte, que só existe no Brasul, é o único sobrevivente da etnia Xokleng no Planeta!  Foram completamente exterminados nos estados do Paraná, Porto Alegre e Palmas na segunda metade do século XIX e primeira metade do XX. Os 400 indivíduos que se refugiaram no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina, dando origem ao Território Indígena, resistiram ao violento extermínio patrocinado pelos governos e companhias de colonização, que contratavam bugreiros para caçá-los e degolá-los. Vivas ou mortas, as crianças eram trazidas como troféus pelos caçadores de índios e quando sobreviviam, tornavam-se mão-de-obra escrava. Com língua, cultura e território diferenciados de outros povos indígenas, como mostrou o antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, falecido em 2008, os remanescentes da etnia deveriam só por isso ser protegidos e cercados de cuidados pelo governo de Santa Catarina como um povo raro e único no mundo. Em Os índios Xokleng, memória visual (1997), Silvio Coelho conta que a colonização pretendia “ocupar o vazio demográfico” do Vale do Itajaí, numa clara demonstração de que a sociedade branca não reconhece o índio como gente.

    As vítimas dos bugreiros. Em: Os índios Xokleng, memória visual (1997), de Sílvio Coelho dos Santos

     

    GRITO DE GUERRA AO RACISMO: INDÍGENAS PREPARAM HOMENAGEM E PROTESTO

    As aulas do Curso de Licenciatura Indígena Intercultural da UFSC, por onde passam as principais lideranças das etnias do Sul da Mata Atlântica do país, recomeçam na quarta-feira, 10/1, pela manhã. É o curso onde Marcondes Namblá se formou, em março de 2015, como aluno de destaque da primeira turma, depois de já ter concluído licenciatura indígena pela Secretaria de Estado da Educação. Já começam a retornar das aldeias para Florianópolis os 40 educadores. Eles ingressaram no curso com a missão de tomar o conhecimento não para si, mas de multiplicá-lo nas escolas indígenas para fortalecer culturalmente o seu povo e salvá-lo do extermínio,

    Na quarta-feira dia 10, contudo, os professores-estudantes estarão vestidos de guerreiros e as aulas serão transferidas para o campo de batalha: o local do crime, na avenida Eugênio Krause, no município de Penha, onde o juiz da terra indígena Laklãnõ Xokleng foi morto a pauladas na madrugada do Réveillon.  A partir das 14 horas, farão um protesto contra o assassinato brutal do educador e os outros episódios recentes de violência e agressão aos povos indígenas de Santa Catarina, reunindo uma frente de luta com as três etnias Guarani, Kaingangue e Xokleng. Os líderes espirituais farão uma cerimônia ritualística fúnebre para que o alma de Namblá retorne a sua aldeia e seu espírito siga em paz, explica o professor Gakrán. “Esse lugar agora é sagrado porque ali foi derramado sangue do povo Xokleng”, explica o professor Gakran.  Marcondes aproveitava a temporada de praia em Penha para vender picolé com uma turma de dez amigos indígenas. Aprovado em concurso público recente, ele ainda atuava como professor Admitido em Caráter Temporário da rede pública estadual, que não remunera o período de férias. Segundo a esposa Cleusa, Namblá, pretendia ganhar um extra para comemorar o aniversário do filho.

    A partir de hoje, os professores pedem apoio às entidades, empresas e pessoas solidárias ao povo indígena para levar o maior número possível de habitantes da reserva ao município de Penha. Ganharam um ônibus da universidade, que é suficiente apenas para os integrantes do curso de Licenciatura, mas precisam de ajuda de transporte, principalmente, para trazer os integrantes da aldeia.

    Convite para a cerimônia de homenagem fúnebre no Templo Ecumênico da UFSC. No dia 10, às 14 horas, ocorrerá o protesto em Penha

    Um dia antes do protesto, na terça-feira, dia 9, às 9 horas, os professores farão uma homenagem ao pesquisador assassinado no Templo Ecumênico da UFSC, que é aberto a todas as crenças e culturas religiosas. Diz o convite: “Condoídos pela tristeza da perda de nosso ex-aluno Marcondes Nanblá e indignados pelas circunstâncias cruéis e desumanas do seu assassinato, convidamos para uma cerimônia em sua homenagem, a ser realizada na terça-feira, dia 9 de janeiro de 2018, às 9 horas, no Templo Ecumênico da UFSC. Será uma ocasião para celebrar a memória deste jovem líder Laklãnõ-Xokleng que vinha trabalhando com afinco para melhorar as condições de vida de seu povo, assim como vinha despontando como um brilhante intelectual indígena. A cerimônia fúnebre será celebrada pelo cacique presidente da Terra Indígena, Tucun Gakran e por seu sobrinho Carl Gakran, estudante do Curso de Medicina da UFSC e presidente da Associação de Estudantes Indígenas d­­a Universidade (AEIUFSC).

    Com cacique da aldeia Guarani M’Biguaçu, Karaí Moreira, celebrando aliança pela espiritualidade indígena

    Ironicamente, em novembro, Marcondes esteve por três dias na casa do primo em Florianópolis, tentando conscientizá-lo de que, mesmo estudando fora, não deveria abandonar o culto e a propagação das práticas espirituais do povo Xokleng entre as novas gerações. O juiz cobrou-lhe o cumprimento da aliança selada pelos dois na aldeia em novembro de 2013, quando numa cerimônia ritualística marcante para a comunidade, os dois jovens líderes se comprometeram a manter viva e presente nas aldeias a espiritualidade Xokleng. “Não imaginava que dois meses depois eu teria que celebrar o ritual da morte do meu amigo-irmão”, lamenta Carl, 28 anos.

    Fundação da AEIUFSC, de Estudantes Indígenas em dezembro do ano passado, com Carl de branco, ao lado do reitor pró-tempore, Ubaldo Balthazar, de Cocar

     

    CACIQUES PEDEM PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NA PROCURADORIA DA REPÚBLICA

    Ao modo discreto e polido que é peculiar dos indígenas, os guerreiros dão todos os sinais de que não engoliram a narrativa divulgada pelas autoridades policiais e pela grande mídia para o assassinato de seu líder e não pretendem deixar impune a barbárie que sofreram. Em silêncio, dois dias após enterrarem o educador, os caciques se reuniram com o presidente da T.I. e com o professor Gakran para firmar um documento em que requerem a abertura de um processo de investigação criminal ao Ministério Público Federal, encaminhado à Procuradoria da República em Santa Catarina. Pela gravidade das denúncias, a resposta veio no mesmo dia 5 e nesta segunda-feira, às 14 horas, o cacique presidente Tucun Grakan e o irmão Nanblá, que é uma autoridade científica do povo Xokleng já terão uma audiência com o superintendente do MPF, André Stefani Bertuol. “Nós queremos que a Polícia Federal investigue as circunstâncias do crime com profundidade porque a Polícia Civil não irá além do que já fez”, afirma o presidente.

    Os caciques Xokleng exigem que o órgão investigue por que a ordem de prisão preventiva contra o acusado não foi cumprida assim que expedida, no dia 3 de janeiro, dando tempo para que o criminoso fugisse. E ainda indagam por que Gilmar César de Lima estava solto, se havia um mandado de prisão anterior por tentativa de homicídio envolvendo tráfico de drogas, além de outras denúncias de crimes de furto e espancamento de mulher contra ele não apuradas. Consideram inexplicável o fato de ele não ter sido capturado ainda, uma vez que o seu local de moradia foi facilmente localizado a duas quadras do crime por uma testemunha.  O cacique presidente considera que o delegado da Polícia Civil, Glauco Teixeira Barroco, foi racista ao declarar para os jornais locais que a polícia havia passado em ronda pelo local onde Marcondes agonizava, mas não o socorreu porque parecia um bêbado. Com isso, ele ficou jogado na calçada, sem nenhum tipo de atendimento, das 5:18 da manhã até as 8 horas. Por fim, as lideranças apontam ainda a necessidade de averiguar a ocorrência de omissão cúmplice por parte das testemunhas porque ficou evidente nos depoimentos que elas assistiram ao massacre do indígena sem fazer nada para deter o assassino, que deu de costas e voltou a espancar o professor ao perceber que ele ainda vivia. Baseados nessas circunstâncias não explicadas, consideram racismo também o fato de o delegado desautorizar, sem a devida fundamentação, que não se trata de crime racista.

    Isso não é tudo: a comunidade Xokleng em peso alimenta a forte suspeita de que o jovem identificado como réu não era apenas um psicopata ou um delinquente que agiu sozinho.  “Ele é um pistoleiro que tem tudo para ser autor de um crime encomendado”, acredita o professor Gakran.  Pelo envolvimento do sujeito identificado como assassino com drogas, Tucun acredita que o crime está relacionado ao fato de que ele havia proposto um pedido de investigação do tráfico de entorpecentes nas aldeias por homens brancos que se infiltram na comunidade se valendo da inocência e hospitalidade de alguns. Segundo ele, Gilmar de Lima foi visto circulando na aldeia em maio do ano passado. “Tudo leva a crer que seja uma retaliação contra os líderes pela iniciativa de erradicar essa invasão na Terra Indígena”, afirma. Essas suspeitas comentadas com reserva nas aldeias, impactam as famílias pelo medo e pela consternação.

    Quanto mais a Polícia Civil de Piçarras afirma que o crime não pode ser relacionado à questão étnica, mais as lideranças se recusam a tratar o assassinato como um crime comum, típico de páginas policiais. descontextualizado dos massacres históricos e desconectado dos outros crimes hediondos ocorridos contra indígenas em Santa Catarina no espaço de pouco mais de um ano. “Evidente que não se trata de um crime comum”, afirma Gakran, que reivindica a investigação da relação do assassinato também com conflitos de disputa territorial e ódio contra as lideranças educadoras, “entre outras questões que preferimos guardar por enquanto”.

    A indígena Xokleng Ana Patté, 22 anos, estudante do Curso de licenciatura indígena da UFSC, afirma que a questão do racismo nunca pode ser descartada de antemão num caso de violência de um branco contra um índio. E a líder Guarani Kerexú Yxapyry, que sofreu incontáveis ameaças de morte e violência racista contra ela e membros de sua família, afirma que as cenas do vídeo do espancamento com requintes de crueldade flagrado pelas câmaras de vigilância eletrônica não deixam nenhuma dúvida de que o assassino é movido por ódio racista.

    NEGLIGÊNCIA HOSPITALAR TERIA SIDO FATAL PARA O INDÍGENA, DENUNCIA FAMÍLIA

    Às questões de contexto social e histórico somam-se outros acontecimentos indicando que o porrete nas mãos do assassino foi segurado por outras mãos invisíveis igualmente encorajadas pelo racismo. O professor Nanblá e a nora Isabel denunciam circunstâncias gravíssimas em que o hospital Marieta Konder Bornhausen teria se negado a fazer a internação do indígena. Isso porque seus documentos havia ficado no Hospital de Penha, para onde foi levado primeiramente pelo Corpo de Bombeiros e transferido. Enquanto os documentos não chegaram, o hospital Marieta Konder Bornhausen, para o qual foi transferido após confirmado Traumatismo Craniano Encefálico e várias fraturas cranianas, teria tratado o pesquisador como um indigente, recebendo-o na UTI, mas sem tomar os procedimentos urgentes, apesar dos apelos da família.

    Isabel avisou os familiares na Terra Indígena que, acompanhados pelo cacique regional de Palmeirinhas, a irmã mais velha, Nésia Namblá, e o marido Zeca Ndilli, saíram de casa as 8h30min do dia primeiro, percorreram 220 quilômetros da Terra Indígena, entrando em Penha para pegar os papeis até chegar ao hospital em Itajaí por volta de duas horas, para que só então ele finalmente fosse operado. Segundo depoimento do professor Nanblá e de Isabel, a espera pela cirurgia por muitas  horas desde que Marcondes foi recolhido pelo Corpo de Bombeiros, às 5h30min do dia 1°, teriam sido fatais para o jovem professor, que faleceu no dia seguinte. “Ele deveria ter sido operado de imediato, assim que entrou no hospital, mas houve descaso e falta de ética do hospital que o atendeu mas não fez a cirurgia que ele precisava”, afirma Nanblá, que vai relatar o caso hoje ao Ministério Público Federal. “Além da brutalidade que passou sendo espancado brutalmente como todo o país viu, ele ainda teve que passar por essa negligência da saúde”, desabafa Isabel.

    Conforme contam, assim que foram avisados pelo cacique da aldeia Palmeirinhas que Marcondes havia sido diagnosticado com traumatismo craniano, o professor Nanblá pediu a Isabel, estudante de Fonoaudiologia na UFSC e com conhecimento na área de saúde, para ligar de Florianópolis aos dois hospitais de Penha e Itajaí se informando da situação, pois a família estava sem sinal de celular. Às 8 horas, ela  falou por telefone com a enfermeira que atendeu Marcondes no Hospital de Penha e o transferiu para o hospital de Itajaí por falta de estrutura da unidade para atender à gravidade do caso. A enfermeira alertou para o fato de que na transferência do paciente, os documentos e pertences haviam ficado em Penha. Em seguida, ela se comunicou com a recepção do Hospital de Itajaí avisando que havia dado entrada um paciente indígena, resguardado por normas específicas de atendimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena, que tem convênio com o SUS. “Sabendo da gravidade do estado dele, solicitei que a internação e os procedimentos cirúrgicos necessários fossem realizados de imediato e garanti que os documentos já estavam sendo levados pela família, mas a administração informou que nada seria feito sem eles”, denuncia. “A própria enfermeira do Pronto Atendimento do Hospital de Penha já havia alertado que nada seria feito com o paciente no Hospital de Itajaí sem os documentos”, afirma ainda Isabel, que publicou um relato a respeito na sua página do Facebook. O cacique geral, Tucum Gakran, reforça a denúncia: “O hospital se negou a atender porque já sabia que se tratava de um indígena e impôs essa condição absurda e desumana”.

    Grande defensor da cultura Xokleng, o guerreiro-sorriso era adorado pelo seu povo

    A acusação de negligência não é confirmada pela irmã Nésia Namblá, que é técnica de enfermagem, nem pelo marido José Ndilli.  Os dois contam que ao chegar ao hospital em Itajaí,  encontraram Marcondes já entubado, medicado e internado na prática, embora não oficialmente. Conforme ela, o médico chamado Luciano repassou todos os procedimentos realizados aos familiares e informou que, embora não houvesse vaga na UTI pelo SUS, o paciente ficou numa vaga particular de internação. “Nós até agradecemos pelo atendimento”, dizem eles. “Só não tinha sido internado no papel ainda, mas já estava com acesso venal, pronto para a operação, apenas aguardando a nossa presença para que pudéssemos acompanhar”, confia Nésia.

    Com esse depoimento, José e Nésia confirmam, contudo, que o paciente só foi encaminhado para a cirurgia no abdômen e de retirada do baço depois das 14 horas, com a chegada da família ao Marieta Bornhausen. De fato, a cirurgia, de acordo com o prontuário, só ocorreu às 16 horas. “Não houve negligência: o problema é que ele estava muito machucado”, acredita José, segundo quem o cunhado apresentava marcas de pauladas no abdômen, costas, cabeça, nuca e um grande corte nas têmporas, próximo à orelha, mas não viram marcas de pneu indicando que ele teria sido atropelado, como chegou a ser especulado nos jornais e redes sociais. Nós tentamos conversar com a direção do hospital durante todo o final de semana e hoje pela manhã cedo, mas a recepção informou que era preciso aguardar a chegada de um dos diretores.

    Apesar da controvérsia, a família está considerando entrar com processo contra o hospital por negligenciar o atendimento à pessoa indígena, que segue recomendações e normais específicas do Ministério da Saúde regidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

    Por todas essas circunstâncias que contradizem a narrativa da Delegacia de Polícia, é possível que a Polícia Civil do Balneário de Piçarras prenda o assassino em poucas horas, como está prometendo há três dias o delegado Douglas Teixeira Barroco. É possível e até provável que isso aconteça. (A Rádio Cidade, de Itajaí, inclusive já anunciou essa prisão de modo antecipado, informando no dia 4/1, até a hora em que Gilmar teria sido detido, às 22 horas do dia anterior). Com o pescoço, o peito e o braço coberto por tatuagens exuberantes, o homem do porrete de madeira que esmigalhou o crânio de um dos mais brilhantes cérebros da nação indígena Laklãnõ Xokleng foi facilmente identificado por testemunhas do crime e por filmagens de câmaras de monitoramento desde o dia 2 de janeiro e imediatamente após o falecimento de sua vítima.

    Com dois mandados de prisão em aberto, uma tentativa de homicídio e um assassinato, fotografado pela polícia de todos os ângulos, o criminoso só escapou até agora por algum “milagre” do recesso do Ano Novo. Com o assassino do homem que era o registro vivo da cultura e da língua Laklãnõ metido atrás das grades, a justiça seria restabelecida e as três etnias indígenas de Santa Catarina se apaziguariam, assim como sossegaria a indignação das entidades de apoio aos povos originários de todo o Brasil com essa nova barbárie contra os indígenas de Santa Catarina. Mas os movimentos tribais mostram que muito pouco ou nada vai mudar com a prisão do empacotador nascido em Blumenau, como consta em sua ficha criminal. Para as lideranças indígenas são muitas as outras mãos que seguraram o porrete assassino erguido contra o povo Xokleng por mais um dos jovens desajustados e violentos, desses “jeruás” malvados que a degeneração da sociedade branca produziu desde os tempos dos bugreiros.

    Entre os homens brancos, a prisão do criminoso é a catarse que o coliseu precisa para aplacar sua sede de justiça imediata. Mas no pensamento indígena não se passa desse modo. “Este rapaz deve ser preso, nem sei por que ainda continua foragido, mas isso não vai mudar nada”, afirma Nanblá Gakran, primo-irmão de Marcondes Namblá, de quem era parceiro num projeto messiânico e grandioso de salvar a língua Laklãnõ Xokleng do desaparecimento. “Vão prendê-lo e outros crimes bárbaros continuarão acontecendo contra os indígenas”. Com muita gravidade na voz e na expressão, professor Gakran assume o que grande parte da comunidade indígena acredita, mas nem todos têm a coragem de manifestar além das redes sociais: a ideia de que Gilmar César de Lima é um pau mandado. “Um pistoleiro, com homicídios anteriores, que foi provavelmente pago para fazer o que fez. Nós queremos é chegar ao que está por trás desses crimes”, afirma veemente.

    A comunidade indígena recusa com firmeza a hipótese sustentada pelo delegado de que se trata de um crime comum, cometido por “motivo fútil”, sem “relação com racismo ou etnia”, como ele afirmou aos jornais. Esse ponto de vista é compartilhado pela ex-cacique Guarani da T.I. Morro dos Cavalos, Kerexú Yxapiry, por Laura Parintintins, que estuda antropologia na UFSC e Pietra Dolamita, da etnia Kauwá Apurinã, que vive no Rio Grande do Sul. Nas redes sociais, parentes ironizam, com a tradicional elegância, o motivo que Gilmar teria alegado a uma testemunha para espancar o pesquisador, de que Marcondes teria mexido com o seu cachorro Rottweiler. Mostram que a justificativa na qual o delegado Douglas Teixeira Barroco norteia seu trabalho, segundo ele mesmo, é desmentida pelas próprias imagens das câmaras de vigilância, nas quais Namblá não esboça qualquer reação contra o agressor ou qualquer movimento direcionado ao cachorro.

    O assassinato do Xokleng Marcondes Namblá foi o terceiro de caráter hediondo ocorrido no berço da colonização europeia no prazo de um ano e contra indivíduos das três etnias: além dele, o bebê Vitor Kaingangue foi degolado em dezembro de 2016 por outro psicopata, movido por ódio contra indígenas enquanto era amamentado pela mãe na rodoviária de Imbituba, depois de fazer um carinho na cabeça da criança. E no Dia dos Finados, em novembro passado, Ivete Souza, mãe da líder Guarani Kerexú, teve a mão decepada a golpes de facão na aldeia Itaty do Morro dos Cavalos. Como dia Dolamita, “Nós acreditamos que quando ocorre o assassinato de um negro, uma mulher, um homossexual, um indígena, nunca é apenas um indivíduo que suja suas mãos de sangue. São sempre muitas mãos da sociedade racista que puxam o gatilho ou baixam o porrete”

    Vídeo publicado em homenagem a por amigos de infância na aldeia

  • Henfil não é pra qualquer um – o que ele veria no Brasil de hoje

    Henfil não é pra qualquer um – o que ele veria no Brasil de hoje

    Graúna, personagem genial de Henfil, uma espécie de voz do inconsciente coletivo do Brasil

    Por Luara RamosCamila Moreno, especial para os Jornalistas Livres

     

    “Mas sei que uma dor assim pungente
    Não há de ser inutilmente
    A esperança
    Dança na corda bamba de sombrinha
    E em cada passo dessa linha
    Pode se machucar”

    (João Bosco e Aldir Blanc)

    Nesse ano completaremos 30 anos sem Henfil. Criador da Graúna, que marcou gerações de luta e militante pelas Diretas Já e por um país mais justo, democrático e igualitário, Henfil certamente se entristeceria se visse o que ocorre no Brasil de hoje, o país do golpe, onde aqueles que assaltaram o poder insistem em usar de maneira cínica até mesmo a linguagem e a arte de quem lutou contra toda a forma de opressão.

    Henfil assistiria à campanha idealizada pelo seu irmão, “Natal sem Fome”, ter que ser relançada porque o país voltou pro Mapa da Fome. Henfil assistiria à história se repetindo com a operação da PF “A Esperança Equilibrista”, título, que remete à canção de João Bosco e Aldir Blanc – imortalizada na voz de Elis Regina – e que também faz menção ao “irmão do Henfil“, àquela época exilado. Esta música, que se tornou um hino da anistia, nos mostra o que parentes e sobreviventes dos horrores da ditadura já sabiam: a anistia “ampla, geral e irrestrita”, que também perdoou torturadores, não aplacou o terror, apenas o escondeu. A operação que levou professores coercitivamente parece rir dos que resistem, como se dissesse: o tempo de vocês dançarem na corda bamba se foi. O tempo da esperança acabou.

    Desde sua promulgação em 1979, a Lei da Anistia não corrigiu o ranço da nossa sociedade policialesca, resultando em números assustadores de violência e abuso policial, que se antes aconteciam nos becos das favelas, com autos de resistência forjados gerando genocídio da juventude negra, agora são televisionados para o deleite de quem patrocina e apoia o assassinato de reputações porque ainda não podem apoiar a morte literal de seus adversários. O estado de exceção nunca foi exceção: herança maldita de um passado colonial e escravocrata, a polícia brasileira sempre foi política. E a política, como sabemos, há 500 anos é dominada por “herdeiros”.

    A campanha “Natal sem Fome” foi relançada recentemente com apoio massivo de artistas como no passado recente. A classe artística agora empresta novamente sua imagem a uma campanha cujo objetivo é muito nobre. Afinal, como já disse Betinho: “quem tem fome tem pressa”. É possível afirmar, aliás, que os artistas foram os primeiros a sentir o golpe. Afinal uma das medidas de Temer assim que tomou posse foi dissolver o Ministério da Cultura, que até hoje ninguém sabe se realmente existe ou não, tamanho é o descaso com as políticas culturais. Mas voltando à campanha: sua última edição aconteceu há 10 anos, quando as políticas de erradicação da miséria ainda engatinhavam. De lá pra cá o Brasil saiu do Mapa da Fome, para o qual ameaça voltar devido às políticas de austeridade de Michel Temer. Os cortes expressivos em programas já considerados de sucesso, como o Bolsa Família, além da estagnação econômica, criaram o ambiente perfeito para o desespero. A cada dia é possível observar o crescimento de desempregados e, consequentemente, de trabalhadores informais e da população em situação de rua. As “reformas” aprovadas e as que devem vir em seguida, como a da previdência, também ajudam a empurrar os mais pobres para um cenário em que a humilhação é sempre o prato do dia. Com a nova legislação trabalhista nem mesmo o emprego será capaz de salvar da miséria e as novas leis para a aposentadoria querem que o povo trabalhe até a morte. Tudo isso sem falar no congelamento dos investimentos em saúde e educação por 20 anos, que vão piorar os índices de desenvolvimento. É retrocesso goela abaixo. Como diria Millôr, contemporâneo de Henfil n’O Pasquim: “O Brasil tem um enorme passado pela frente”.

    Henfil se entristeceria com a situação da educação, o principal alvo desde os primeiros minutos do golpe. A Reforma do Ensino Médio feita por meio de medida provisória lembra bastante certos acordos “MEC-Usaid” que colocavam o sistema educacional brasileiro totalmente a serviço dos interesses estadunidenses. A educação que prevê senso crítico é chamada agora de doutrinadora. Henfil talvez desse risada, talvez ficasse chocado, ao saber que Paulo Freire se tornou um inimigo do país e que a principal questão a ser corrigida na nossa educação é a ideologia de gênero e a doutrinação política. Agora a nova “reforma” prioriza o ensino técnico também para atender as demandas do capital internacional, visando baratear a mão de obra e esvaziar a formação, uma vez que prioriza disciplinas tecnicistas em detrimento da história, da filosofia e da sociologia. A oferta do espanhol substituída pelo inglês, decisão que combina com o esvaziamento do Mercosul. Empregos? Só se for os que não pagam nem a corda com a qual nos enforcaremos. E aqui é preciso ressaltar a perversidade da relação entre o desmantelamento da indústria nacional, a recessão econômica que, vendida como herança maldita do governo Dilma, só fez piorar com a crise política e mais uma vez a “deforma trabalhista” que foi aprovada sob a justificativa de que acabaria com o desemprego, mas seus defensores não lembraram que o Brasil ainda registrava sensação de pleno emprego no início de 2014 sem precisar retirar nenhum direito do trabalhador!

    Além do ensino médio, as universidades – outrora motivo de orgulho para a juventude que via na graduação uma oportunidade e do país para a produção de conhecimento – agora é atacada como gasto, sob o discurso de que não gera emprego ou riqueza e que estudantes custam caro. A UERJ resiste, mas seus servidores (assim como milhares da gestão criminosa de Sérgio Cabral) já não recebem há algum tempo. Na UFSC a perseguição resultou no terrível e ainda mal explicado suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier. A narrativa na grande mídia é a mesma já usada anteriormente com políticos: primeiro acusa, depois se apuram os fatos. E o fato é que na manhã do dia 06 de dezembro, reitor, vice-reitora e mais 7 professores da UFMG foram levados coercitivamente para depor sob a acusação de desvio de verba do Memorial da Anistia.

    A denúncia contra os professores da federal mineira não apresenta provas e os depoentes nem sequer receberam qualquer aviso. Foram levados à força, mesmo que nunca tenham se recusado a prestar esclarecimentos. A obra em questão, que se arrasta desde 2008 principalmente devido a problemas técnicos – uma vez que se trata de um prédio histórico – não recebe repasse do Ministério da Justiça desde o ano passado. O delegado responsável afirma que foram desviados pelo menos R$ 4 milhões sob um esquema de bolsas de pesquisa não pagas e uma “editora fantasma”. A investigação que começou em março deste ano ainda não deu conta de produzir provas, mas garantiu o espetáculo do dia. A vice-reitora Sandra Regina Goulart Almeida foi eleita para ocupar o principal cargo da universidade e a composição da lista tríplice seria na semana seguinte. Coincidência?

    Quem quiser crer no acaso, que fique à vontade, Henfil não acreditaria. Mas próximo ao aniversário do Ato Institucional nº5, que feriu de morte artistas, instaurou a censura, perseguiu e matou militantes da resistência, nos deparamos com o recrudescimento da polícia, aparelhada escancaradamente para servir aos interesses de quem deveria ser alvo de suas operações. O Brasil, um dos países-alvo da Operação Condor, que espalhou terror e retrocesso durante décadas de ditadura na América Latina – com contribuição bélica e econômica dos EUA historicamente registradas – nunca revisitou seu passado e todas as vezes que tentou fazê-lo, sofreu com a represália dos setores mais conservadores da sociedade que não apenas financiaram os anos de chumbo, como se beneficiaram deles. Ou será que a Rede Globo vai pedir desculpas novamente depois de 50 anos?

    E quais seriam os interesses por trás da intimidação de professores? O golpe é contra quem pensa, quem produz intelectualmente, quem questiona, quem critica, quem ri, quem dança, quem interpreta, quem canta, quem sonha… Porque o golpe é antes de tudo um projeto de entrega. O desmonte da Petrobras foi só o início. Vale voltar um pouco na história e lembrar que os indícios da existência de uma grande reserva de petróleo são da década de 1970, mas naquela época, auge da ditadura e do “milagre econômico”, o Brasil não tinha nem sequer tecnologia para explorar as riquezas do seu próprio quintal. Preferia, no entanto, ser eterno capacho dos Estados Unidos, estes sim mui “solidários” e diretamente interessados no ouro negro que movimento economias mundiais. Corta para 2012, quando sob pressão do Movimento Estudantil, é aprovado o investimento dos royalties do pré-sal para a educação. Àquela época, durante o 65º Congresso de Entidades Gerais da UNE, que ocorria num Rio de Janeiro que recebia ao mesmo tempo a Rio+20 e a Cúpula dos Povos, o debate amadurecia sobre como, por quê e para quem destinar o dinheiro vindo da exploração, ao mesmo tempo em que se falava em energia renovável e até se deveríamos de fato utilizar o petróleo como fonte de energia, uma vez que todos sabem seu potencial devastador numa conjuntura de aquecimento global.

    Hoje já não podemos decidir nada, o pré-sal foi entregue e os brasileiros não verão benefício algum. Outro fato daquele junho de quatro anos atrás: golpe “institucional” no Paraguai. A “casualidade” se dá por causa de um nome: Liliana Ayalde. A embaixadora que serviu até poucos meses antes da queda do presidente eleito Fernando Lugo se transferiu para o Brasil onde atuou até janeiro de 2017. Até os menos afeitos a teorias da conspiração devem estranhar tantos movimentos semelhantes. E caso ainda duvidem bastante é só dar uma rápida olhada nos documentos vazados pelo Wikileaks: de âncora racista da vênus platinada até presidente golpista e o José Serra (que ocupou o Itamaraty quando virou ministro de Relações Exteriores do golpe), que nunca escondeu sua vontade de entregar o petróleo nacional nas mãos dos EUA, diversos personagens já passaram pelas conversas com embaixadores, empresários e representantes dos interesses norte-americanos. Se o Brasil fosse um país sério essa gente já estava detida por crime de lesa-pátria e Henfil poderia escrever uma nova versão de seu “diário de um cucaracha” que alguns brasileiros parecem mesmo ter sangue de barata correndo em suas veias.

    Henfil assistiria a uma nova experiência neoliberal sendo implantada no país, onde a ordem é privatizar tudo, inclusive a educação, o conhecimento e a arte, que é o último refúgio de humanidade que uma sociedade pode ter. Ficaremos condenados à exportação de commodities, à flutuação dos preços internacionais (comandados pela mão bem visível das maiores economias e potências bélicas mundiais). Exportar inteligência? Tecnologia? Isso não é papel de um país de “terceiro mundo”. A terceira via construída pelos BRICs padece sob a ganância de quem paga a miséria dos outros povos em dólar. Por isso os ataques não são apenas no plano econômico. Não basta empobrecer a população e convencê-la de que a meritocracia é possível numa sociedade desigual: é preciso torná-la completamente imbecil. Só assim se mina a resistência, só assim os canalhas serão eternos vencedores. E sabemos todos que os “vencedores” é que contam a história. Depois de estar na China (antes da Coca Cola!), Henfil veria suas principais críticas ao modelo chinês implantadas de maneira arbitrária agora bem perto, na sua própria terra.

    Graúna, o bode Francisco de Orelana e o cangaceiro Zeferino: cadê a Esperança?

    Talvez Henfil chorasse ao ver que o maior líder popular vivo no Brasil pode ser condenado sem nenhuma prova, somente para não ser Presidente da República. Em um país que nunca acertou suas contas com o passado, uma denúncia significativamente menor que as malas do Geddel gera tanto constrangimento e o Estado de Direito segue sendo violado, não é necessário só resistir: é urgente contra-atacar. Henfil certamente lutaria, nas ruas, com ideias e com arte, pois sabia que na luta de classe todas as armas são boas. É bem verdade o que Henfil escreveu em uma de suas cartas-crônica para a dona Maria, sua mãe: “O atual sistema, para governar, nos fez pessimistas. E pessimista não dorme, não faz amor, não faz partidos, não incomoda, não reclama, não briga. Que diabo de país é este? Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos! Somos a maioria. Às ruas!”

    Um artista como Henfil, que sabia que o verdadeiro humor deve ser um soco no estômago de quem oprime, não teria motivos para rir, mas inúmeros motivos para continuar lutando.

     

    ÀS RUAS!

     

    *Luara Ramos é mineira, mas atualmente mora no Espírito Santo. Otimista incansável, acredita no amor, no time do GALO e no poder popular.

    *Camila Moreno é carioca, mineira, brasiliense e vascaína. Acredita no povo organizado e no poder da arte.

  • “UNE Volante: uma universidade chamada Brasil”

    “UNE Volante: uma universidade chamada Brasil”

    Por Camila Ribeiro para os Jornalistas Livres

    Teatro Guaíra lotado e filas do lado de fora. Ao abrir as cortinas o grupo de jovens, entre eles Carlos Lyra e Oduvaldo Viana Filho, além de se impressionar com a pequena multidão, logo anuncia: “O espetáculo não está pronto! Vamos montar no caminho. Vocês deram azar de ser a primeira cidade. Então vamos ler o texto aqui.” Foi assim que a UNE Volante estreou em Curitiba em meados de 62. Dentro de um mesmo ônibus a diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) e do Centro Popular de Cultura (CPC), prestes a percorrer todo o Brasil levando o debate da reforma universitária defendida pela UNE e que fazia parte de um conjunto de reformas de base propostas pelo governo de João Goulart. Uma experiência que uniu as pautas reivindicatórias do movimento estudantil ao processo de criação estética.

    A peça em questão era o “Auto dos 99%”. Produzida pelo CPC da UNE, o espetáculo retratava a realidade da universidade e criticava o seu caráter elitista, que permitia a apenas 1% da juventude o acesso ao ensino superior no Brasil. De lá pra cá muita coisa mudou. A luta pela democratização do ensino empunhada pelo movimento estudantil avançou, principalmente após a última década de governos populares. O conjunto de políticas públicas que colocou no centro da política educacional a expansão do número de vagas, interiorização das universidades, criação de programas de acesso e as cotas, transformou radicalmente a base social da universidade.

    A Nossa geração passou a experimentar a sala de aula mais interessante da história do Brasil em termos de representação do povo brasileiro. Isso transformou qualitativamente as universidades. Dados do segundo relatório do Reuni apontam um crescimento substancial da pesquisas, o que gerou avanços nas áreas da saúde, medicina e engenharia, contribuindo substancialmente para o desenvolvendo de territórios e avanço da indústria nacional.

    Essa nova realidade do ensino superior impôs também novos grandes desafios como o combate à evasão, o que nos levou à necessidade urgente de lutar pela ampliação da política de permanência dessa nova base social. Outra questão central presente no interior da pauta da permanência estudantil é a necessidade de reconhecimento simbólico dos sujeitos e das classes que passaram a acessar um espaço que lhes foi historicamente negado. A universidade precisa criar condições para que todas as pessoas participem da criação e recriação de significados e valores culturais de seu povo. Nesse sentido, o acesso é insuficiente, sem a transformação dos currículos, dos modelos de pesquisa, a defesa da democracia interna das Instituições de ensino e a defesa da autonomia do movimento estudantil na ponta.

    No entanto, todo esse processo de transformação está sendo duramente interrompido pelos efeitos da crise econômica e política que o Brasil atravessa. Ainda, a Emenda Constitucional 95, que coloca o teto nos investimentos a partir de 2018, representará um desafio enorme para manter a universidade pública funcionando.

    É preciso dizer que as universidades públicas ainda passam por um forte ataque a sua autonomia. Operações policiais vem praticando conduções coercitivas de dirigentes de universidades que nunca se negaram a prestar esclarecimento, como foi o caso recente da UFMG e da UFSC que teve um desfecho trágico com a morte do professor Cancellier.

    Nossa geração tem a responsabilidade histórica de fazer a defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade. É nesse contexto que mais uma vez a União Nacional dos Estudantes e o CUCA da UNE relançam o desafio de percorrer o Brasil com mais uma edição da UNE Volante.