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Categoria: São José

  • PM que matou menino de 12 anos em SP tem carreira marcada por cadáveres

    PM que matou menino de 12 anos em SP tem carreira marcada por cadáveres

    Por Claudinho Silva, do SOS Racismo, e Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres

     

    O policial militar cabo Thiago Santos Sudré, de São José dos Campos (94 km de São Paulo), que matou no dia 6 de setembro o menino Miguel Gustavo Lucena de Souza, de 12 anos, dentro de um parque de diversões da cidade, tem um histórico sinistro de homicídios. Foi divulgado nesta quarta-feira pelo portal UOL que, antes de matar Miguel, o cabo Sudré, conhecido pela alcunha de “Carioca”, envolveu-se pelo menos em outras oito mortes. Todas as mortes que possuem algum registro referem-se àquilo que, no jargão policial, chama-se de resistência seguida de morte (quando o infrator tenta agredir o policial e este, para se defender da “injusta agressão”, atira em legítima defesa). Curiosamente, nenhuma das ocorrências resultou em ferimentos dos PMs envolvidos, o que enseja a suspeita de que, ou não tenha ocorrido a alegada “resistência”, ou que os infratores fossem ruins demais de pontaria.

    O assassinato do menino Miguel foi revelado pelo SOS Racismo e pelos Jornalistas Livres. Segundo vizinhos, duas semanas antes, o mesmo cabo invadiu, sem mandado judicial, o apartamento familiar para ameaçar o menino e sua mãe, dizendo a ela: “Se eu pegar o Miguel na rua, pode comprar um caixão pequeno, porque ele não vai voltar mais”. Andréia, a mãe, ainda tentou explicar ao policial que o filho era “dependente químico”, ao que o PM respondeu: “Ele é uma sementinha do mal”. O diminutivo se explica: Miguel tinha apenas 1 metro e 33 centímetros de altura. Era um menininho negro, inteligente e sonhador.

    Veja, a seguir, a lista dos outros 8 mortos com a participação do cabo Sudré

    Dois suspeitos em janeiro de 2011

    Na noite de 28 de janeiro de 2011, dois homens, não identificados, foram mortos a tiros pelo policial. Os suspeitos teriam roubado uma casa na rua Lorenzo Lotto, no Parque Maria Helena, zona sul da capital paulista. Segundo o que afirmou o PM no 92º DP (Distrito Policial), no Parque Santo Antônio, os suspeitos tentaram fugir em um Volkswagen Golf e, durante troca de tiros, foram mortos.

    Um em março de 2014

    Em 17 de março de 2014, o policial Sudré teria atirado e matado um motorista que teve apenas a idade revelada (33 anos) em Poço das Antas, Caraguatatuba, litoral de São Paulo. Após a participação no caso, ele foi ele foi transferido para o Vale do Paraíba.

    Dois em maio de 2015

    Em 29 de maio de 2015, o policial participou de uma intervenção que resultou na morte de mais dois suspeitos. Foram mortos Uanderson de Oliveira Gonçalves Martins, 18, e Lucas Aguiar, 17. Naquela ocorrência, segundo a investigação policial apurou, ele não atirou. Durante a ocorrência, os dois jovens estariam conduzindo um carro roubado na estrada Natan Sampaio, no Jardim Capetingal, em São José dos Campos, por volta das 4h. A equipe policial teria dado ordem para que os suspeitos parassem o carro, o que não aconteceu. Nenhum policial se feriu durante a ação.

    Um em fevereiro de 2016

    Na noite de 8 de fevereiro de 2016, o cabo atirou contra Matheus Pietro Santos Queres, 21, na rua Antônio José Matos Lima, no Parque Residencial União, também em São José dos Campos. Desta vez, o policial informou na delegacia que o suspeito estava com uma motocicleta Honda CB 300R roubada e tinha sob posse uma arma de fogo de uso restrito. Os policiais só apresentaram o caso no 3º DP da cidade dois dias depois.

    Um em abril de 2018

    Na madrugada de 25 de abril de 2018, o policial estava na equipe que matou Bruno do Nascimento Barbosa, 28, no Parque Novo Horizonte, em São José dos Campos. Segundo a investigação policial, o cabo Sudré não atirou, mas participou da intervenção. Os policiais disseram na delegacia que Barbosa estava com uma arma e atirou contra eles, que “revidaram à injusta agressão”. Nenhum policial ficou ferido na ocorrência.

    Um em janeiro de 2019

    No noite de 5 de janeiro de 2019, o policial Sudré atirou contra um homem, identificado apenas pela idade (46), na rua Caravelas, no Parque Independência, também em São José dos Campos. Ele teria roubado um estabelecimento e, na tentativa de fuga, teria trocado tiros com o policial.

     

    É sempre a mesma história: “Resistência seguida de morte”

    No caso do menino Miguel, o PM Carioca contou que o menino, em companhia de dois outros garotos, teria roubado um automóvel VW Fox vermelho por volta das 18 horas. Localizado o veículo, os policiais iniciaram uma perseguição pelas ruas da zona sul de São José dos Campos, que terminou quando os meninos entraram com o carro em um terreno descampado em que estava instalado um parquinho de diversões. Foi quando o carro colidiu com a grade do carrossel, pondo fim à aventura.

    Do veículo saiu correndo o motorista, um adolescente de 17 anos. Dois meninos, de 13 e 14 anos também saíram do carro e jogaram-se no chão. Por fim, saiu Miguel, que estava no banco de trás do Fox. E aí a história contada pelo PM vira a mesma de sempre ­_“resistência seguida de morte”: Miguel teria tentado resistir à prisão, apontou uma arma para os policiais, ao que Carioca respondeu com dois disparos letais. Diz o boletim de ocorrência: “O óbito foi constatado pelo SAMU, viatura 11103, Dr. Leandro CRM 121002. Nada mais.”

    O coronel PM José Eduardo Stanelis, comandante da tropa militar na região do Vale do Paraíba, disse que o garoto morto estava com um revólver INA calibre 32 nas mãos e escondia debaixo do tapete do veículo um simulacro de pistola da marca Smith & Wesson. “Então, provavelmente, eles estavam efetuando roubos na cidade”, raciocinou.

    Trata-se de versão bem diferente da apresentada à reportagem dos Jornalistas Livres e do SOS Racismo por pessoas que estavam no parque de diversões na hora em que o garoto foi alvejado pelos tiros do PM. Nada menos do que 100 pessoas lotavam o local nos derradeiros minutos de vida do menino:

    “É mentira que Miguel andasse armado. Ele nunca pegou num revólver. Nem de brinquedo”, disseram vizinhos que pediram para não serem identificados por temerem retaliações do Carioca.

    “Ele saiu com as mãos para cima, dizendo ‘Perdi, perdi’. Mas o Carioca atirou mesmo assim. O primeiro tiro pegou debaixo do braço [na região da axila]. Depois teve outro. E mais outro.”

    “Foi uma correria desesperada no parque, mas logo depois as pessoas começaram a voltar e deu tempo de ver que Miguel estava jogado no chão, de costas, com as pernas dobradas. Ele ainda estava vivo quando o Carioca o pegou pelo pescoço –ficaram marcas de sua mão no pescoço fininho. Miguel morreu com os olhos esbugalhados e a boca aberta, tentando respirar”.

    A versão dos PMs começou a desabar no descrédito já na delegacia onde foi lavrado o boletim de ocorrência. “Em sede policial, a vítima do crime de roubo, após olhar os conduzidos (adolescentes que estavam no Fox), não reconheceu nenhum deles como sendo os autores do crime de roubo que sofreu”.

    Miguel era um dos seis filhos da cuidadora Andréia Gonçalves Pena, mulher negra, evangélica da Assembléia de Deus e chefe de família. O filho mais velho dela é estagiário na Embraer, cargo que obteve graças às notas excelentes no ensino médio. Uma filha, pelo mesmo motivo, conseguiu estágio em outra gigante da engenharia nacional, o CTA, o Centro Técnico Aeroespacial, jóia tecnológica mantida pela Aeronáutica. Miguel não fazia feio nos estudos e era seguidamente elogiado pelos professores da Escola Estadual José Frederico Marques. Mas o menino era sonhador demais.

    “Aviãozinho”

    "Foi um sonho": Residencial Colônia Paraíso
    “Foi um sonho”: Residencial Colônia Paraíso

    Quando a família mudou-se em 2015 para um dos 528 apartamentos de 48 metros quadrados do “Minha Casa, Minha Vida” encrustado no Campo dos Alemães, foi felicidade total. Ali, bem perto, ficava a ocupação do Pinheirinho, que se tornou tristemente famosa por causa da violenta ação de despejo de 6.000 moradores, ocorrida em 2012. O bairro parecia ter uma sina ruim, mas a inauguração do Residencial Colônia Paraíso deu uma grande esperança de dias melhores para aquele povo, apesar de o nome do conjunto habitacional ter sido tomado emprestado do cemitério vizinho, que se chama Cemitério Colônia Paraíso, ou Cemitério do Morumbi.

    “Foi o dia mais feliz da minha vida”, diz a mãe de Miguel, Andréia. “Nunca eu iria imaginar que a gente ia sofrer naquele lugar tudo o que estamos sofrendo”.

    Com apenas 10 anos, já no novo endereço, o menino começou a fumar maconha. Logo, o tráfico o recrutou como “aviãozinho” –no organograma da criminalidade, são vendedores de drogas que atuam nas biqueiras. Os traficantes preferem usar crianças com menos de 12 anos nessa função, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990, diz que menores de 12 anos são considerados crianças e, por isso, inimputáveis penalmente, ou seja, não podem sofrer nenhum tipo de penalidade. As medidas socioeducativas, como a internação na Fundação Casa, podem ser aplicadas apenas para adolescentes, na faixa etária entre 12 e 18 anos. Para Miguel, trabalhar como aviãozinho era uma forma de custear as “viagens” com a maconha.

    Tentativas: receita psiquiátria de Miguel
    Receita psiquiátria de Miguel

    A mãe, Andréia, nunca aceitou esse caminho para o filho. Ela deu uma surra nele no meio da rua, ao flagrá-lo vendendo drogas –e, por isso, foi chamada às falas pelo Conselho Tutelar. Internou-o durante 27 dias em uma clínica de recuperação para adictos em álcool e drogas, mas teve de tirá-lo porque a tenra idade dele não aconselhava a medida. Procurou ajuda no SAMA (Serviço Ambulatorial Especializado no Tratamento da Dependência Química em Mulheres e Adolescentes), onde uma psiquiatra receitou Carbamazepina, uma droga de tipo “faz tudo”, “indicada para o tratamento de afecções tão diferentes quanto crises convulsivas, doenças neurológicas tipo neuralgia do trigêmeo e para o tratamento do humor bipolar e da depressão, em adultos e crianças”. Implorou no altar e, por fim, pediu ao traficante para que não vendesse mais nada para o filho e nem o empregasse para passar drogas. Nada funcionou.

     

    Sonhador

    Miguel era conhecido no bairro porque estava sempre de costas para o vento, empinando pipa, ou correndo atrás de uma que tivesse sido cortada por cerol. Em seu quarto no Residencial Colônia Paraíso, ainda se vêem duas pipas penduradas na janela. Um tio deu ao irmão de Miguel um automóvel Escort velhíssimo, branco. Com os pneus murchos e sem motor, o veículo está estacionado há anos na área comum do prédio. Miguel gostava de passar horas e horas dentro da lata velha, imaginando que dirigia um possante esportivo. E dormia dentro, muitas vezes com outras crianças. O menino amava carros.

    A ameaça do PM Carioca, aquela que foi feita no apartamento da família, calou fundo no menino. Ele parou de vender drogas e migrou para o comércio de doces e balas nos semáforos.

    A mãe, assustada, levou-o para passar uns dias em Minas Gerais, para acalmar a tensão. Voltaram no dia 5 de setembro e, logo, o menino saiu para a rua. No dia 6, ele estava com a incrível quantia de R$ 75 no bolso, quando deu de cara com um “nóia” que acabara de roubar um Fox Vermelho. Fissurado demais para consumir crack, o ladrão topou “vender” o carro por R$ 150 para Miguel e um amigo, que juntou outros R$ 75. O carro ficaria por isso mesmo (R$ 150) e mais algumas prestações que nunca seriam pagas.

    Então, entraram mais dois meninos na brincadeira e os quatro saíram dando rolezinho pela cidade. Foi por isso que a proprietária do carro não reconheceu nenhum dos adolescentes capturados no parque de diversões, como sendo os ladrões que lhe levaram o Fox. Não eram eles mesmo.

    As lágrimas das duas mães

    Por volta das 22h50, Andréia foi avisada da morte de seu filho. Ela correu ao Distrito Policial e tinha acabado de perguntar para o delegado de plantão quem havia matado Miguel, quando entrou no recinto o policial que até ali Andréia só conhecia pelo nome de “Carioca”. Ao vê-lo, ela foi até ele, dizendo: “Parabéns, você conseguiu. Estou indo comprar um caixão pequeno para o meu filho. Tá satisfeito?” O PM respondeu-lhe: “Sua louca! Se seu filho fosse bom, não estaria dentro de um carro roubado!”

    A proprietária do carro, mãe de um menino da mesma idade de Miguel, ao saber da morte dele, fez questão de comparecer ao velório, realizado no dia seguinte no Cemitério Colônia Paraíso, bem perto do condomínio homônimo. “Eu trocaria mil carros para ter a vida do seu filho de volta”, ela disse a Andréia, os rostos das duas mulheres devastados pelas lágrimas.

    Miguel morto: camisa do Corinthians no caixão

    “Cabo Bruno”

    O PM Carioca, ou Cabo Thiago Santos Sudré, do 46º Batalhão de Polícia Militar do Interior, é um sujeito temido no bairro. Sob a condição de se manterem no anonimato, cinco moradores disseram quem é o Carioca:

    “Ele vem sempre, a pretexto de fazer a ronda. Entra nos prédios, bate nas portas dos apartamentos. Invade. Vem sem mandado. Entra de qualquer jeito, sem autorização mesmo.”

    “Ele é capaz de tudo, senhora. Contrariado, é capaz de enfiar um monte de drogas no primeiro que encontrar, só para acusar de tráfico. Destrói a vida da pessoa e da família, sem dó.”

    “É um policial safado. Não é toda a polícia que é assim, mas esse é. Eu não sei o que está acontecendo com os órgãos públicos. Ele mata, forja o confronto e não dá nada contra ele.”

    “Se ele não vai com a cara de uma pessoa, ele joga a sacolinha ali cheia de droga e forja um flagrante por tráfico. Ele tentou fazer isso com um amigo e se não fosse a mulher dele chorar e implorar…”

    “É um bandido de farda, como aquele cara de São Paulo, chamado Cabo Bruno [refere-se ao ex-PM Florisvaldo de Oliveira, acusado por mais de cinquenta assassinatos na periferia de São Paulo durante os anos 1980]. Eu não sei como esse cara ainda está na polícia.”

    PM mata mais

    Desde a morte do filho, Andréia tomou para si a missão de retirar Carioca das ruas:

    “Ele não pode mais continuar matando crianças. Meu filho eu sei que não volta, mas se eu puder ajudar alguma mãe a nunca sentir a dor que eu estou sentindo agora, minha vida já terá valido a pena.”

    Na quarta (18), Andréia foi à Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, que instaurou procedimento para investigar a ação do PM que matou Miguel. O ouvidor Benedito Domingos Mariano encaminhou ofício ao corregedor geral da PM, pedindo que avocasse o inquérito policial militar para apuração das circunstâncias da morte de Miguel, em vez de deixar a incumbência a cargo da polícia de São José dos Campos. No mesmo dia, Andréia compareceu à corregedoria e lá fez a identificação fotográfica do policial de codinome “Carioca”.

    Segundo a Ouvidoria, pelo menos 14 pessoas morreram em confronto com policiais na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, apenas nos seis primeiros meses do ano. O número é 75% maior do que os oito mortos registrados em igual período do ano passado. Os dados certamente estão aquém da realidade, porque não são todos os casos de mortes causadas pela ação policial que são acompanhados pela Ouvidoria.

    Depressão, aborto e perda de chance terapêutica

    Parque vazio: tudo acabou no dia seguinte à morte de Miguel
    Parque vazio: tudo acabou no dia seguinte à morte de Miguel

    O parquinho de diversões instalado no Campo dos Alemães, e que foi cenário da tragédia, encerrou suas atividades no dia seguinte à morte de Miguel. Andréia pediu aos responsáveis pelo parque cópia das gravações das câmeras de segurança, mas não obteve. O terreno agora está vazio, embora a programação previsse o uso daquele terreno como parque de diversões até o Dia das Crianças, comemorado em outubro. O parque foi embora às pressas.

    Dezenas de ameaças foram postadas no facebook de Andréia e de toda a família. Uma delas, de autor desconhecido, referia-se a Miguel da mesma forma que o PM Carioca, quando ameaçou o menino: “Sementinha do Mal”. A família foi obrigada a se mudar do Residencial Colônia Paraíso.

    No apartamento da família, que foi invadido no domingo (15), por volta das 20h30, a porta foi quebrada, provavelmente por um pontapé. Os armários estão revirados. Documentos e receitas médicas espalham-se pelas camas. Nas paredes, alguém resolveu gravar com um instrumento cortante os nomes de cada um dos filhos de Andréia. Mas o nome de Miguel, todas as vezes que aparecia, recebeu um risco profundo. A mensagem é clara: “Eliminado”.

    Uma irmã de Miguel, a mais próxima dele, aquela que várias vezes foi buscá-lo na biqueira para levá-lo de volta para casa, mesmo que à custa de ser injustamente chamada de “nóia”, está deprimida. Ela chora de saudades do irmão enquanto se corta –silenciosamente.

    Andréia, que estava com três meses de uma gravidez planejada para gerar uma criança que pudesse se tornar doadora de medula para o filho mais velho dela, sofreu um aborto. O jovem de 20 anos, que sofre de leucemia, perdeu assim uma valiosa chance de cura.

    Neste domingo, em contato com a reportagem dos Jornalistas Livres e do SOS Racismo, da Assembléia Legislativa de São Paulo, Andréia disse o que a mantém firme e destemida: “Eu vou conseguir provar que Carioca matou meu filho sem merecer. Eu vou até o fim e Deus vai comigo por Justiça.”

    Posição oficial da Secretaria da Segurança Pública

    Jornalistas Livres procuraram a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo para saber quais providências adotará em relação às graves denúncias feitas pela mãe do menino Miguel e pelos vizinhos de São José dos Campos. Eis a nota emitida pela Secretaria:

    “Todas as circunstâncias relativas aos fatos são apuradas pelo 3º DP de São José dos Campos e pela Polícia Militar por meio de IPM, que é acompanhado pela corregedoria da corporação. As armas dos policiais foram encaminhadas para perícia, assim como o revólver calibre 32 e um simulacro utilizado pelos suspeitos. Os envolvidos seguem afastados da atividade operacional, cumprindo expediente administrativo, enquanto durarem as investigações.”

    LEIA TAMBÉM: https://jornalistaslivres.org/atira-se-muito-atira-se-mal/

     

  • Livro de poesias com críticas sociais é censurado em São José dos Campos

    Livro de poesias com críticas sociais é censurado em São José dos Campos

    Essa semana, o autor do livro de poesias “Beirage”, George Furlan, teve todas as ações promocionais de seu projeto aprovado e em execução, suspensas pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo – FCCR, após uma repercussão negativa de dois poemas inseridos no livro, “Segunda-Feira” e outro sem título, com críticas à Ditadura e a favor da liberdade de gênero. O movimento contrário à obra foi instigado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e demais movimentos conservadores da cidade de São José dos Campos, no interior de São Paulo.

    De acordo com George Furlan, autor da obra, o livro com 103 páginas e 70 poemas propõe uma análise crítica sobre os problemas sociais e estruturais atuais em nosso país. “Até o momento realizei cinco, dos seis lançamentos propostos no projeto. Um deles, que deveria ocorrer na Biblioteca Pública Hélio Pinto Ferreira, foi barrado pela coordenadora do espaço, mesmo sendo autorizado pela Biblioteca Pública Cassiano Ricardo. Essa foi a primeira censura”.

    “Acredito que o ‘Beirage’ incomoda porque parte da inquietação de quem é posto à beira do macrossistema econômico e social por motivos quaisquer e tem como fonte de poesia cenas recortadas do cotidiano, manchetes, reportagens televisivas, ou seja: a matéria prima são os acontecimentos. Se são os fatos a matéria prima, como se omitir diante polêmicas?”, questiona.

    Ainda segundo Furlan, no último dia 15, até mesmo uma entrevista concedida ao Portal Meon, foi alvo de censura e manipulações. “A matéria é sobre minha obra, mas fala sobre a concepção do Movimento Brasil Livre – MBL e do Partido Social Liberal – PSL. Censuram as palavras dos poemas. Não contextualizaram meu projeto e nem a obra. O fato é que meu livro é direcionado a maiores de 16 anos e as palavra utilizadas em poemas específicos estão de acordo com a classificação etária, sem hipocrisia. O livro não é, nem nunca será baseado em Olavo de Carvalho, como está sendo divulgado nas redes sociais por alguns agentes do poder público local. Os comentários hostis decorrentes da publicação são de pessoas que não conhecem minha obra”, diz.

    Segundo o autor, no dia 16, o jornal O Vale também realizou uma reportagem informando que o livro seria retirado das bibliotecas que o receberam gratuitamente como previa o edital público que apoiou sua publicação. “No dia seguinte, me deparei com outra manchete alegando que minha obra seria recolhida das bibliotecas públicas da cidade, como de fato foi”.

    Furlan ressalta que tendo em vista o cenário e a proporção que a censura vêm tomando, ele e diversos coletivos artísticos e culturais estão promovendo ações de resistência. “Estamos nos articulando por meio de um evento gerido pela Casa Coletiva Comuna Deusa (Coletivo LGBT) e outros Coletivos, para tratar desta e outras censuras a projetos culturais e mobilizando assim ações, para o dia 21 de maio, quando a pauta será abordada na Câmara dos Vereadores de São José dos Campos”.

    Furlan também enviou à deputada estadual de São José dos Campos, Letícia Aguiar (PSL), a seguinte mensagem: “Não há criação sem ideologia, não há arte sem ideologia, não há ensino sem ideologia, não há gente sem ideologia, nem matéria de jornal existe sem ideologia. Seu Presidente chama manifestantes de ‘imbecis úteis’ e eu que sofro a censura?”.

    O produtor cultural Murilo Magalhães, um dos organizadores da Casa Coletiva, ambém se manifestou explicando a problemática da censura sobre o poeta: “Existe um edital do Fundo Municipal de Cultura que se chama Primeira Obras, o qual garante a oportunidade para que novos escritores lancem seus livros. Furlan foi contemplado pelo edital. O Fundo Municipal de Cultura é um patrimônio da população de São José dos Campos e uma conquista histórica dos artistas do município, assim como também a Fundação Cultural Cassiano Ricardo. É muito difícil para alguém que esteja começando a ser escritor a publicar um livro. E, sendo a cultura um direito, é importante que o poder público contribua nesse sentido. Arte é expressão opinativa. Arte é expressão de algo. O livro é um conjunto de poemas sobre angústias e críticas sociais a partir da visão do autor. Há um poema de fato com um palavrão. Mas na maioria do livro há poemas com críticas sociais (sem palavrão) ao atual governo, à política, à violência policial, e outros temas sociais. Aqueles que criticam o livro não mencionam somente o palavrão mas também condenam a crítica ao atual presidente”, argumenta.

    “Não estão preocupados com a moralidade e os bons costumes, mas sim com uma produção artística crítica ao conservadorismo e o atual governo. Isso é censura!”

    “Existe uma série de livros em bibliotecas públicas com palavrões. Irão esvaziar ou fechar as bibliotecas? Poderíamos questionar o fato dos defensores do atual presidente utilizarem o dinheiro público para realizarem discursos de ódio e promoverem a violência. Porém, defendo a democracia. E na democracia as pessoas têm o direito à liberdade de expressão. Obviamente que deve haver restrições e classificação indicativa a alguns conteúdos. Hoje censuram esse livro. Amanhã, irão querer censurar uma peça de teatro que critique o atual governo. Depois, não poderemos mais ser artistas. Não podemos aceitar essa situação. A cultura é um direito”, finaliza Magalhães.

    O músico Bruno Mantovanni, um dos criadores dos manifestos culturais em São José dos Campos, como o “FestivATO #elenao”, aponta: “Era de se esperar atitudes assim no ambiente social em que vivemos. A censura é um reflexo do que vem acontecendo e do poder predominante no cenário político no país nos últimos anos. O caso do autor George Furlan é o ensejo de mais uma tentativa de desmonte, faz parte de uma estratégia que é contra o financiamento público ao setor cultural e contra a liberdade e o direito de se expressar. É uma sequência que já vem sido pautada diversas vezes pelos movimentos ultradireitistas que buscam destruir a mediação do Estado na política pública de cultura. A arte sempre colocou a sua poética e sensibilidade para refletir o momento contemporâneo. A arte produz um saber sobre a condição humana e expressa a visão de mundo do artista, um reflexo e expressão do seu tempo. O sentido da arte pode ser mais de um, porque o contato com a obra também permite que se crie por meio de suas interpretações. Por isso não há interpretação literal ou absoluta, existe sim um universo simbólico que permite abstrair novos ângulos dentro de um contexto histórico, social, cultural e artístico”.

    “A obra ‘Beirage’, cumpre o seu papel artístico, o de provocar perguntas ao invés de propor respostas, exercendo seu direito crítico”.

    Segundo a coordenadora da Rede Emancipa e Secretária Geral do PSOL em São José dos Campos, Tamires Arantes, o Fundo Municipal de Cultura é uma conquista democrática da classe artística joseense. “O motivo da sua existência é promover as diferentes expressões da cultura popular aqui em nossa região. Fica claro que a suposta questão moral a respeito do conteúdo do livro é, na verdade, uma cortina de fumaça para facilitar que um setor político imponha seus valores sem opiniões contrárias. É essa a essência da polêmica. Não me preocupa que critiquem o governo, me preocupa a liberdade de expressão ser usada para a promoção do racismo, da violência contra mulher, contra a educação e a cultura, em suas diversas formas de preconceito, como faz, sem vetos, Jair Bolsonaro”, ressalta.

    Já, em contato direto com Thomaz Henrique Barbosa, coordenador do MBL no Vale do Paraíba, o recolhimento da obra não é mais viável. “Eu li o livro, fiquei curioso. Ele é muito ruim. Tem que ler Bocage e Gregório de Matos. É Olavo de Carvalho da poesia. Só chama atenção falando palavrão. Muito fraco. Sou contra o recolhimento. Já pagou essa porcaria, agora não adianta”, finaliza.

    A reportagem tentou contato com a deputada estadual Letícia Aguiar (PSL), mas não obteve sucesso. Durante a 31ª Sessão Ordinária na Câmara de São José dos Campos, diferente das vereadoras Amélia Naomi (PT) e Dulce Rita (PSDB), vereadores como Dr. Elton (MDB), Ranata Paiva (PSD), Lino Bispo (PL), Sérgio Camargo (PSDB), Flávia Carvalho (PRB) e CYBORG (PV), criticaram a obra, informando sobre os requerimentos abertos junto à FCCR, para averiguar junto aos avaliadores dos projetos, a aprovação da obra, visando punir os responsáveis. Já a Fundação Cultural Cassiano Ricardo informou que por hora analisa as denúncias realizadas.

     

    Abaixo segue, na íntegra e sem censura, o poema “SEGUNDA FEIRA”:

     

    Abaixo a tirania

    pau no cu da monarquia

    pau no cu da autocracia

    pau no cu da meritocracia

    pau no cu da democracia representativa

    pau no cu do Bolsonaro

    pau no cu da bancada evangélica

    pau no cu da bancada agropecuária

    pau no cu da bancada da bala

    pau no cu dos militares

    pau no cu da milícia

    pau no cu da polícia

    e pau no cu da política que só nos fode

     

  • Mobilização adia votação do projeto Escola Sem Partido em São José dos Campos

    Mobilização adia votação do projeto Escola Sem Partido em São José dos Campos

    A mobilização popular provocou um racha entre os vereadores da Câmara de São José dos Campos e fez o autor do Projeto de Lei 361, que institui o Programa Escola Sem Partido no Sistema Municipal de Ensino da cidade, vereador Lino Bispo, pedir adiamento na votação na semana passada e optar pela não inclusão na pauta na sessão desta quinta-feira (7).

    Mesmo com o projeto fora da pauta, a galeria da Câmara ficou lotada com manifestantes prós e contra a proposta. Um forte aparato policial foi acionado com efetivo da Guarda Civil Municipal e Polícia Militar presentes na galeria, próximos ao plenário e nos arredores da Casa de Leis. A GCM revistou bolsas e mochilas de quem se dirigia à galeria e o acesso ao plenário foi bloqueado.

    De um lado, professores, estudantes, funcionários públicos, representantes de movimento sociais dos mais diversos segmentos, denunciavam a inconstitucionalidade do projeto, que segundo os manifestantes fere a liberdade de expressão, cerceia o trabalho dos professores e impõe a Lei da Mordaça.

    Do outro, em sua minoria, integrantes de grupos de direita defendiam o projeto, que segundo eles é contra a implantação da ideologia de gênero nas escolas. Mesmo sem ter relação com o projeto, bandeiras com o símbolo da monarquia também compunham o protesto. De ambos os lados, cartazes e palavras de ordem esquentaram o debate. Não houve confronto mas, os ânimos ficaram exaltados.

    “O projeto Escola Sem Partido, na verdade é a escola de um partido só. É uma escola que impõe a “Lei da Mordaça”. Por isso, que o Ministério Público e todos consideram esse projeto inconstitucional. Nós lutamos pela tolerância social e pelo respeito à diversidade que é um preceito que está explicito na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes Básicas”, disse a professora da rede pública estadual, Marcilene.

    “Eu acho a votação desse projeto inconstitucional, porque a gente tem alunos LGBT dentro da escola, que são atacados diretamente por esse projeto. Você tem que abordar assuntos de gênero dentro da escola e quando você retira isso você está tapando os olhos da sociedade”, disse Jefrey, aluno da rede pública.

    Insconstitucional – A inconstitucionalidade do projeto também foi alegada pelo presidente da subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São José dos Campos, Rodrigo de Moraes Canela, que em ofício ao presidente da Câmara, vereador Juvenil Silvério, pediu que o projeto fosse excluído da votação. A assessoria jurídica da Casa também deu parecer contrário a proposta.

    Além disso, o Ministério Público analisa três representações contra o texto, uma protocolada pela bancada do PT e as demais feitas por professores universitários e da rede pública de ensino.

    Para o professor universitário Paulo Barja, que assina uma das representações, a manifestação defende a liberdade. “A gente está aqui defendendo a liberdade. Uma escola sem censura. A gente quer o arquivamento deste projeto absurdo de Escola Sem Partido. São José dos Campos conseguiu se organizar, teve uma união muito grande e acho muito importante a gente destacar a importância do movimento LGBT. A gente está aqui pela liberdade”, disse o professor.

    Líder da bancada do PT, vereador Wagner Balieiro, aponta o retrocesso que o projeto representa, “Com a mobilização da população nós conseguimos barrar a votação do projeto novamente, que já foi declarado inconstitucional pela Câmara, teve parecer contrário das comissões, carta contrária da OAB, representação de professores, devido ao flagrante de ilegalidade. Por tudo aquilo que ele representa, no sentido de tentar amordaçar o debate da educação, cortar a democracia nas escolas, que estamos fazendo campanha contra esse projeto e vamos permanecer até derrotá-lo”, disse o vereador.

     

    “Eu sou do MBL, mas sou totalmente contra a Escola Sem Partido, pelo simples fato dela ser inconstitucional. E segundo por que ela não é liberal. O liberalismo protege a liberdade individual e econômica das pessoas e você censurar o professor de ensinar uma ideologia seja ela qual for é censura pura”, disse Rafael, professor na rede estadual.

    Para o autor do projeto, vereador Lino Bispo (PR), o projeto não fere a constituição.

    “O projeto estava na pauta semana passada, eu pedi adiamento e não veio para pauta hoje. Mas, como ainda não tinha consenso para aprovação da maioria, a gente resolveu não pedir a inclusão para discutir e trazer para os vereadores que o projeto de forma nenhuma vem afrontando a constituição”, disse o autor que explica o projeto.

    “Nosso objetivo é que a escola seja de fato o local de aprendizado, onde o professor vai ensinar as matérias curriculares para os alunos. Mas, o que acontece é que alguns professores têm saído do foco e feito a discussão partidária e ideologia de gênero, que ele pratica. Falar de política nós entendemos que precisa falar, mas, não de partido. Então essa é a nossa questão, que nas salas dos professores seja afixado esse alerta que ele não pode naquele momento cativo dos alunos, fazer o exercício da sua crença, da sua ideologia, do seu partido”, explica vereador Lino Bispo.

    Próxima sessão – Segundo o vereador Juvenil Silvério (PSDB), presidente da Câmara de São José dos Campos, apesar do parecer contrário do jurídico, o projeto pode ser votado na próxima semana. ” O processo precisa ter parecer, tanto do jurídico, como das comissões, ele tendo os pareceres não importa qual é a origem, o que importa é que ele está pronto pra ser votado. E o plenário é soberano. Na próxima semana o projeto Escola Sem Partido pode voltar caso o vereador solicite e aja entendimento do plenário”, disse o presidente.