Por José Roberto Torero* – Ontem foi um grande dia, mestre.
– Por quê? Conte-me tudo.
– Batemos o recorde: 1.584 num só dia. Isso dá seis Brumadinhos.
– Num só dia? Excelente!
– Também foi o recorde na média móvel: 1.129. O pior dia de toda a pandemia.
– Maravilhoso! E o isolamento social?
– Está nos piores dias desde o começo da coisa toda. Estacionou ali pelos 30% Isso é praticamente o normal. Já chegou a 62%. Mas o pessoal ficou de saco cheio e desistiu.
– E não estão vendo a relação entre as mortes e o fim do isolamento?
– Nadica de nada.
– As pessoas não são cegas, mas fecham os olhos para não me ver.
– Hein?
– Esquece. Fale-me dos testes?
– Deixei tudo apodrecer.
– A cloroquina?
– Pedi para fazerem mais, mestre.
– Não podemos desistir disso.
– Nunca!
– Mais alguma boa notícia?
– As aulas presenciais voltaram.
– No pior da peste?
– Pois é. E um monte de pais achou ótimo. É melhor morrer do que ficar com as crianças em casa.
– Vocês brasileiros são realmente curiosos…
– As UTIs estão cheias. Já, já vai ter um monte de colapso por aí.
– Não vejo a hora…
– São oito e meia.
– Foi modo de dizer. E o tal auxílio emergencial?
– Cortei. Senão o pessoal ia ficar em casa. Sem dinheiro, todo mundo tem que ir pra rua.
– Brilhante. Simplesmente brilhante. E as vacinas?
– Estou retardando o mais que dá. Comprei o menos possível e estou endurecendo para assinar contrato com a Pfizer.
– Ótimo. Tem que manter as vacinas longe. E as máscaras também.
– Claro! Ontem mesmo, na minha live semanal, falei contra as máscaras. Disse que um estudo alemão – pega bem dizer que o estudo veio da Alemanha – mostrou que a máscara nas crianças causa dor de cabeça, dificuldade de concentração, vertigem e fadiga.
– Usando as crianças para fazer chantagem emocional? Maravilhoso! E no dia do pico de mortes! Nem eu pensaria nisso. Você é meu orgulho.
– Obrigado, mestre.
– Quer jogar xadrez?
– Jogar quem no xadrez? O Flavinho? Não, não, já dei um jeito nisso daí.
– Estou falando de xadrez, o jogo.
– Ah, aquele com as peças pretas e brancas? Não, não, obrigado. É muito complicado. Tem baralho? Sei jogar burro. E sou craque no rouba-monte.
– Pode ser mau-mau?
– Posso. Com prazer.
José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.
#diariodobolso
3 respostas
? queria saber qual o filme da imagem usada, procurei para assistir, mas não lembro o nome.
Também fiquei curioso para saber o filme da imagem!