Por José Roberto Torero* Uma nova invasão do Capitólio. Diário, a minha bexiga é pequena, então eu sempre acordo no meio da noite para fazer xixi. Hoje, quando eu levantei, tomei o maior susto: tinha um cara, em pé, no canto do meu quarto! E de óculos escuros!
– Quem é você? – eu perguntei.
– Não tá me reconhecendo, capitão? Ah, que dor! Estou chocado… Vou me afogar em lágrimas.
Dor? Chocado? Afogar? Claro, era ele!
– É o grande coronel Ustra, em carne e osso!
– Na verdade, em espectro e óculos escuros.
– A que devo a honra?
– Vim lhe dar uns parabéns e uns conselhos.
– Sou todo ouvidos – eu disse puxando as orelhas para fora.
– Vou começar pelos parabéns. Gostei muito das trocas nos ministérios. Tirar o Fernandinho da Defesa foi ótimo. O Braga Netto vai fazer o que você mandar. E trocar os comandantes das Forças Armadas também será bom. Vai deixar o pessoal com medo. Isso é importante. Como é mesmo aquele ditado que o nosso pessoal vive repetindo?
– “Que odeiem, desde que temam”?
– Isso mesmo! Também gostei das trocas na Justiça. O garoto da Advocacia Geral da União era muito certinho. E quem é muito certinho não faz as coisas certas, se é que você me entende.
– Entendo.
– Colocar um delegado da Polícia Federal no Ministério da Justiça foi outra grande sacada. Ele é amigo do Rachadinho, digo, do Flavinho e vai proteger o seu garoto. Mas, melhor que isso, vai te proteger na parte legal do negócio.
– Que negócio?
– O golpe.
– Eu chamo de “estado de mobilização nacional”.
– Tanto faz. A pólvora teria o mesmo cheiro se se chamasse rosa.
– Hein?
– Deixa pra lá. O importante é que já estou imaginando a beleza que vai ser o Palácio do Planalto invadido como o Capitólio. Mas, em vez daqueles palhaços vestidos de búfalo, vão ser milicianos e PMs armados. E o Exército só vai assistir e dar uma piscadinha de olho.
– Por isso que já estou falando mal das urnas eletrônicas.
– Ótimo! Continue assim. Tem que manter esse clima de conspiração eterna. Bom, tenho que ir. Feliz 31 de março! Viva a Gloriosa!
– Viva!
Aí ele desapareceu, deixando um cheirinho de enxofre no ar. Só então percebi que eu estava todo molhado. Mas não pelas lágrimas de emoção por ver o coronel ao vivo, quer dizer, ao morto. Estava molhado por causa de minha bexiga pequena. E uma nova invasão do Capitólio?
José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.
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