Por José Roberto Torero* Diário, acabei de falar na Cúpula do Clima. Disse que queria alcançar a neutralidade climática até 2050 (porque aí já não é problema meu) e que vou acabar com o desmatamento ilegal (porque todo desmatamento vai ser legal).
Tive que fazer esse discurso pra não pegar mal. Mas tinha escrito outro para a Cúpula do Clima . Era assim:
“Caros alfacinhas, viva o verde! Ou melhor, o Verdão. (cantar) Quando surge o alviverde impotente… (parar de cantar).
“Quero começar dizendo que sou a favor da liberdade. Liberdade de pescar onde quiser. Uma vez eu até fui multado lá em Angra, só porque tava pescando numa reserva ecológica. Mas me vinguei. Quando virei presidente, despedi o funcionário que me deu a multa. Ainda vou transformar aquele lugar numa Las Vegas com cassinos flutuantes.Ah, se vou!
“Bom, o primeiro passo da minha gestão foi mudar a composição do Conama, o Conselho Nacional do Meio Ambiente. Foi o fim daquele papinho de “participação da sociedade civil”. Éeu que mando e pronto! Pra passar a boiada do Salles, tinha que derrubar a porteira. Foi assim que acabamos com aquela história de proteção de manguezais e do clima. Quem gosta de lama é caranguejo, pô! (pausa para risadinha)
“Também mandamos um monte de funcionários do Meio Ambiente pra geladeira. Se é meio ambiente, só precisa de metade do pessoal (risadinha). Despachei até aquele Ricardo Galvão, do Inpe. Comigo é assim: falou que tem desmatamento, eu ponho na rua! Ou na trilha, porque vocês, alfacinhas, não gostam de rua, gostam é de trilha no meio do mato (risadinha).
“Também mandamos as Ongs pastarem.‘Pastarem’, pegaram o trocadilho? (fazer cara de inteligente). Elas só sabem defender índio, e não gosto de índio nem como fantasia de carnaval. Falando em carnaval, vocês conhecem “Golden shower”?
“Bom, a gente despachou as ongs, mas não é que a gente não conversa com ninguém. O Ricardo Salles sempre que pode visita madeireiro e faz reunião com infrator, talkei?
“Enfim, quero encerrar dizendo que vamos garimpar,plantar soja, botar boi pastando e cortar muita madeira. A Amazônia que se lasque! A única verdinha que importa é o dinheiro no bolso! (risada final e piscadinha para a câmera).
Era melhor ou não era, Diário?
José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.
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