Vem, na tardinha se mostrar De repente anunciar A ilusão que se perdeu Samba que volta é solidão É notícia que a canção morreu Clareza - Elza Soares A mulher do fim do mundo Dá de comer às roseiras, Dá de beber às estátuas, Dá de sonhar à(o)s poetas*. A mulher do fim do mundo (...)Me puxa do sono eterno Para os seus braços que cantam. Metade pássaro - Murilo Mendes *no original: “Dá de sonhar aos poetas”
‘Sa semana eu não quero escrever. Sinto muito. E como este texto, de nós, leva só dois minutos, eu proponho um a mais: só um minuto de silêncio.
Esta semana eu não quis escrever. Queria que esse café de domingo fosse dividido entre nós e o silêncio que dedicamos às pessoas recentemente partidas.
Há três dias foi Elza Soares – pessoa ímpar, artista ímpar -, a mulher do fim do mundo, muito além do que Murilo Mendes poderia imaginar ao compor os versos psicodélicos que insuspeitadamente a definiriam.
No dia seguinte, quem partiu foi um menino chamado Jefferson. Ilustre desconhecido do meu bairro vizinho, ele teve o fim mais comum, mais cotidianamente planejado contra a população negra – da qual Elza Soares orgulhosamente fez parte. Ele morreu com dois tiros, em plena luz do dia, após implorar copiosamente aos vermes para que não fosse devorado ali, tão cedo.
De fato, eu não tive proximidade real com nenhum dos dois – exceto pelo fato de ela ser uma artista brilhante que tocava fundo na minha alma de mulher negroperiférica e, assim, narrar meus dias, me embalar as noites e se meter em meus amores, como trilha sonora fundamental dos meus romances e guerras cotidianas.
De fato, eu não conheci o menino morto – exceto pelo fato de ele ter o nome de um dos meus sobrinhos, o rosto de outro, o fim trágico e inaceitável de tantos outros rapazes vítimas do genocídio negro.
‘Sa semana eu não quero escrever. Sinto muito.
E como este texto, de nós, leva só dois minutos, eu proponho um a mais: só um minuto de silêncio.
Para Elza Soares, para as mulheres e homens negros que descansam.
Amanhã a gente recomeça.
Por agora, um minutinho só de silêncio.
Façamos.
Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros. Nas redes: @dinhamarianilda
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7 respostas
Texto necessário
<3
Dinha você comoveu demais em seu texto. Um minuto de silêncio em cada dia precisamos fazer por Elza que e ancestral e por todos os PPs que partem diuturnamente violentados pelo Estado brasileiro representado pela “banda podre” das PMs em todo país. Justiça JA.
Sim! Justiça já!
Estou em silêncio
Quando alguém escreve com o coração , além de atingir nossa alma, eleva também nosso cérebro.
Você também é do grafite?