Texto Valéria Jurado, Fotos Ale Ruaro
Uma da madrugada esquina da São João na Nova Cracolândia, comboio carros lotados de cobertores sacas de roupas de frio e calçados
Ordenei a fila e a educação e gentileza, organizei a “lojinha” ali no chão, saco de calças, saco de camisetas, outro de casacos, os outros na sequência, meias cuecas bermudas camisas sociais e por fim os pares de calçados dispostos no chão por ordem de numeração, sou dessas




Um por um deixei escolher o que precisava, a fila ia longe, até que um moço pediu cobertor
-corre Alex pega cobertor no porta malas!
Rapidamente tudo foi distribuído para uma centena de pessoas, tudo na paz sem tumulto, de repente vem o motoboy da pizzaria do outro lado da avenida informar
-o muleke baixinho com camiseta do psg abriu a porta do carro e levou o celular!!!
disse o Alex
-putz que vacilo, achei que tava no meu bolso!
Acabou com a noite, vários vapores vieram pedir detalhes do acontecido, e diziam não haver possibilidade de não devolverem o celular do Alex que é ferramenta essencial para o trabalho dele
Os habitantes da Cracolândia ficaram alvoroçados com o furto e vários juravam “estrago” ao assaltante, porém ninguém achava o muleke baixinho com camiseta do psg
Enquanto esperávamos uma providência, contamos e ouvimos piadas sobre o mal feito, sobre o arrombado e como que “a merda feita não volta para o c-u”, rindo muito rindo de nervosos, levamos esse ditado popular para a vida
Chega um vapor convidando Alex para falar com a chefia dentro do fluxo, nem preciso dizer que fui com ele, por experiência e por quantas vezes entrei nesse limbo
Enquanto seguiamos o caminho do vapor, olhava ao redor e cumprimentava pessoas muitas delas que conheci nos últimos dois anos, chegamos nos chefes e antes de começar a conversa encontrei a “patricinha de pijama de unicórnio” que vive numa barraca com seu homem, a garota abandonou a família para viver esse “amor bandido”, nos cumprimentamos como amigas antigas

Olhei para os chefes perguntei seus nomes, eram o R e o T, me apresentei, começamos a negociar e a ouvir sobre a honra e o procedimento do lugar
disse R
-quem ajuda nóis, nóis não rouba
disse T
-se nóis não acha seu aparelho, cê pode escolher que temos vários modelos da mesma marca
disse R
-vamo pega o cara e nunca mais ele faz um negócio desse, ele sabe o quê vai acontecer com ele
Pediram para que esperassemos mais um pouco, agora é questão de honra
Voltamos para o comboio mais chateados ainda, imaginei o quê fariam com o muleke de camiseta do psg, morte ou espancamento?
E não paravam de ir ao nosso encontro os habitantes dali querendo detalhes sobre o furto e nos informando o quanto que não queriam estar na pele do “bandido ladrão”
e pensei
-a vida vale um celular
Em menos de 15 minutos, passa um cara rapidamente e larga na mão do Alex o aparelho e o chip, foi tão rápido que não vi a cara do cara

Respiramos aliviados, fomos para o Bar do Estadão tomar cerveja sem álcool e tentar entender o quê foi essa noite, a noite do arrombado a noite do muleke baixinho com camiseta do psg, não tiro ele da cabeça e até agora não consegui saber se ainda respira


Valéria Jurado é jornalista e Ativista de Direitos Humanos; Twitter @Valeria_Jurado6. Desde o início da pandemia reportando como voluntária às causas da POP RUA divulgando e atuando em várias frentes.
Ale Ruaro é fotógrafo de Arte e Lifestyle; Twitter @aleruaro; Instagram @aleruaro. Registrando como Fotojornalista a situação da POP RUA durante toda pandemia