“Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião. Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e vi umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas no sábado”, falou. “Vi que elas eram meio parecidas. Pintou um clima, eu voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Eu entrei. Tinha umas 15, 20 meninas sábado de manhã, se arrumando. Todas venezuelanas. Eu pergunto: meninas bonitinhas se arrumando no sábado pra quê?” Ele mesmo respondeu: “Ganhar a vida”.
Desde sexta-feira (14), quando ganhou as redes sociais o podcast de Jair Bolsonaro dizendo que “pintou um clima” entre ele e adolescentes venezuelanas de “14, 15 anos”, “bonitas” e “arrumadinhas”, ato que em seguida motivou o pedido do presidente para entrar na casa delas, o Brasil está chocado. Trata-se de um homem de 67 anos invadindo uma casa pobre, na periferia de Brasília, em busca de satisfação de seus instintos mais primitivos com adolescentes.
Sim, foi uma invasão da casa pobre, porque a autorização de um adulto era fundamental para franquear o ingresso à residência. E o próprio Bolsonaro disse que pediu para as crianças o acesso à casa.
Trata-se de uma ofensa contra as refugiadas venezuelanas? Não. É uma ofensa contra todas nós.
Bolsonaro pediu desculpas. Desculpas canhestras.
“Se minhas palavras, que, por má-fé, foram tiradas de contexto, de alguma forma foram mal entendidas ou provocaram algum constrangimento a nossas irmãs venezuelanas, peço desculpas.”
Estava acompanhado da primeira dama, Michelle, e de uma venezuelana de extrema direita. Não pediu desculpas por ter dito a frase asquerosa “pintou um clima”, como se as adolescentes tivesse dado trela ao comportamento pedófilo do presidente. Pediu desculpas por ter sido mal compreendido, mas nada disse sobre o X da questão: é justificável um homem de 67 anos, casado, com filhos, entrar na casa de meninas pobres, dizendo que “pintou um clima” com elas? E, para piorar, depois dizer que a casa era um prostíbulo, para justificar tudo???
Sabe-se que a casa NÃO ERA UM PROSTÍBULO. Era uma casa-abrigo para mulheres e adolescentes refugiadas.
Em vez se assumir sua culpa pelo ocorrido, ele se faz de vítima. E não explica por que, tendo visto uma cena que lhe pareceu ser a de um prostíbulo explorando adolescentes, não chamou a polícia, o ministério da Família, os promotores da Infância e Juventude. Por que ele não fez nada, diante do que, diz ele, era um ambiente propício à pedofilia e à exploração sexual? O nome disso é “prevaricação”, quando uma autoridade deixa de realizar ato de ofício para beneficiar seus interesses ou sentimentos pessoais. É crime!
Será por isso que Bolsonaro é tão contrário ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que ele detona sempre que pode?
Todo tarado sempre quer culpar suas vítimas pelo ato obsceno que cometeu em ações ou pensamentos. Bolsonaro não é diferente.
As mulheres e meninas do Brasil sabem o que é esse assédio. É o assédio sexual que humilha, que violenta os corpos e as mentes, que cala as vítimas. Quantas de nós já enfrentamos esse silenciamento organizado pelos agressores? Quantas de nós já passamos pelo medo de reencontrar os tarados nas ruas ou no ambiente familiar?
Podemos dizer que quase que a totalidade das mulheres já sentiram esse olhar sobre seus corpos ou pelo menos já flagraram esse mesmo olhar para o corpo de uma amiga, uma companheira de trabalho, uma irmã, uma sobrinha ou uma filha. A primazia do desejo masculino numa sociedade machista, misógina e hipócrita naturaliza o fato de os corpos femininos estarem à disposição dos homens.
Desde muito cedo, aprendemos a nos esconder para não atrairmos demasiada e indesejada atenção. E, ainda assim, há uma espécie de licença tácita para que, por mais bem-sucedidas que a gente seja, sempre haja um sujeito que insiste em nos revelar como desfrutáveis. Quando se trata de um cara mais velho, com sinais de riqueza e poder, é ainda mais grave, por que também nos é ensinado que são essas as figuras de autoridade, a quem devemos respeitar e obedecer.
O clima que pinta é sempre de horror.
As meninas venezuelanas estão assustadas. Procuradas por Michelle nesta segunda (17), essas jovens ofendidas pelo presidente não quiseram gravar vídeos para ajudar a campanha de Bolsonaro a desfazer o mal estar gerado pelas falas do mandatário.
Precisamos de todas as mulheres para ajudar a proteger essas jovens. Ninguém larga a mão de ninguém!