Mais um texto para disseminar o medo

A tese central do texto, A PM e a Reforma da Previdência, publicado pelos Jornalistas Livres, em 13/03/2017, é que haverá um terremoto, uma explosão de um barril de pólvora ou algo que o valha na sociedade brasileira e a razão dessa catástrofe é que os PMs são “miseravelmente remunerados”, situação agravada pela reforma da previdência que os atingirá.

Ora, como admitir a validade de um texto que se propõe a discutir a Polícia Militar e seu impacto sobre a sociedade, mas não se detém em questões como a própria existência dessa força militar armada? O texto passa ao largo de temas como a violência policial nas periferias. Não menciona a construção dos “perigosos” de cada período histórico para justificar mais e mais polícia. Não toca na violência dos PMs nas manifestações de estudantes e trabalhadores. Não discute as suspeitas de quem foram os assassinos durante a greve em Vitória. Não faz alusão o encarceramento em massa e as explosões ocorridas nesses depósitos de presos. Não faz referência às violações constantes aos direitos dos cidadãos, sobretudo pobres.

É fato que há PMs que se envolvem com crime. Sempre existiram e sempre existirão. Aliás, há criminosos em todas as categorias profissionais. Assim como há PMs que nunca se envolveram e nem nunca se envolverão com o crime. Escapa-me o nexo causal entre a reforma da previdência e o aumento ou diminuição especificamente da criminalidade praticada por policiais. As outras categorias profissionais, que sofrerão com novas regras de aposentadoria, também cometerão mais crimes? Menos crimes? Por que devemos nos preocupar, exclusivamente, com os policiais militares? Se for pelas armas, hoje eles já as têm. E já as usam. E há policiais militares que defendem o desarmamento.

Ganhar mal e ser afetado pela reforma da previdência proposta pelo governo Temer não é, absolutamente, exclusividade dos policiais militares. Poderíamos falar de outros trabalhos, como o dos professores. Mas uma “explosão” entre professores não gera medo naquelas pessoas que estão acostumadas a pensar que a PM é eficiente e que sua atuação realmente diminui “aqueles tipos de crimes que mais atormentam a população como assalto a pedestre, latrocínios (roubo com morte), furto e roubo de veículos e arrombamentos”, como aponta o texto. Pessoas que são incitadas, diariamente, pelos meios de comunicação tradicionais, a pedir cada vez mais policiamento.

O texto é impreciso ao afirmar que há estatísticas que mostram que a maioria das mortes e ferimentos entre os PMs ocorrem nos “bicos” que fazem. Que estatísticas são essas? Quem as fez? Onde? Acreditar ou não fica a cargo do leitor. Mas a mensagem transmitida é que o policial ganha mal e por isso faz “bicos” e aí se fere, morre e mata. É o mesmo que dizer que o policial mata e morre porque é “miseravelmente remunerado”. Mais importante do que a imprecisão ou a ausência de informações é a generalização.

O texto diz que há investigações que apontam a volta o cangaço no Nordeste, com envolvimento de PMs. E mais não diz, que comprove ou dê pistas da veracidade dessa informação. Onde ocorreu? Quem investiga? Nada. Apenas que o grupo de malfeitores “bem armado ocupa uma cidadezinha – para assaltar bancos nas cidades do interior”(sic). Se o objetivo é instalar o medo, talvez seja bem-sucedido nos mais crédulos.

Em tom dramático, o texto aponta Bolsonaro como aquele que vai acender o pavio do barril que não deixará pedra sobre pedra. Fecham-se as cortinas. Apagam-se as luzes. Sobrevêm os fantasmas.

Temo que o objetivo central do texto tenha sido ajudar o poder e a grande mídia a disseminar o medo e para que a população “autorize” mais polícia, militar, braço das Forças Armadas, como o próprio autor aponta. Se, entretanto, desejava-se uma trincheira na luta contra reforma da previdência proposta pelo poder atual, aponto o engano de se optar por perenizar um outro mal.

“Não é, pois, a derrota que fundamenta uma sociedade de dominação, de escravidão,

de servidão, de uma maneira brutal e fora do direito,

mas o que se passou nesta derrota, depois mesmo da derrota, e de certa maneira independente dela:

é algo que é o medo, a renúncia ao medo, a renúncia aos riscos da vida.”

(Michel Foucault)

Foto: Paulo Pinto/ Agência PT

 

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