Nesta sexta-feira, 24, o Fórum de Movimentos em Defesa da Ouvidoria das Polícias do Estado de SP publicou uma nota de apoio em defesa do importante trabalho realizado a partir desse órgão.
A manifestação, que reúne diversos movimentos sociais, como a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, Amparar e Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre de Paraisópolis, entre outros, teve como estopim a morte por execução de Luiz Fernando Alves de Jesus, 20 anos, durante um roubo de celular em um cruzamento da Zona Sul de São Paulo, no último dia 10.
A ação policial que resultou na morte de Luiz, na apreensão de um adolescente e no ferimento de uma transeunte foi filmada por civis e amplamente divulgada. Nos vídeos é possível ver perfeitamente o momento em que soldados da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) atiram no rapaz, que tenta fugir. Também é possível notar que, mesmo após abatido e sem oferecer riscos aos PMs, ainda são disparados tiros à queima-roupa – o que demonstra intenção inequívoca de matar.
Diante do fato, a Ouvidoria pediu o imediato afastamento dos policiais envolvidos na ação, para que estes recebessem apoio psicológico enquanto as investigações sobre o caso se desenvolvem, mas o pedido foi, entretanto, contestado pelo atual Secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite. Segundo ele, “ninguém será afastado de seus cargos” – o que demonstra não apenas desrespeito com a vítima, como também um imenso desprezo pela saúde e pela vida dos próprios PMs – expostos a traumas e sem direito a tratamento adequado.
Abaixo, reproduzimos a nota:
Nota de apoio à Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo
O Fórum de Movimentos em Defesa da Ouvidoria das Polícias do Estado de SP vem por meio desta declarar apoio aos trabalhos da Ouvidoria das Polícias de São Paulo, que recentemente tomou a providência básica e correta de pedir o afastamento preventivo de policiais envolvidos em ocorrência, ainda sob investigação, na qual houve disparos em via pública, por parte dos policiais, e que causaram a morte de uma pessoa e o ferimento de outra, entre diversas outras consequências graves à incolumidade pública.
Por tal pedido, básico e racional, o valioso trabalho da Ouvidoria tem sido alvo de declarações públicas genéricas, que poluem o debate de segurança pública, e agravam o risco geral à população. Declarações como essas, sobre atos administrativos públicos, e especialmente quando advindos da Secretaria de Segurança Pública (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/02/13/derrite-diz-que-nao-ira-afastar-policiais-rota-que-mataram-assaltante-sp.htm), devem por óbvio sempre se revestir de caráter solene, técnico e objetivo, protegendo a racionalidade administrativa e o serviço público. O uso de termos imprecisos e da postura populista de incitar polarização entre polícias, fiscais da lei e defensores de direitos humanos, constitui desvio administrativo de finalidade (Lei 4.717/65 art.2, item e), violação contra o direito de respeito e acessibilidade do usuário do serviço público (Lei 13.460/2017, art. 5, I), um crime contra a probidade administrativa (Lei 8.429/1992, art. 11), bem como atenta contra os fundamentos de legalidade e cidadania do estado democrático de direito (Art. 1 da Constituição), entre outros.
Sobre o caso específico, longe de haver qualquer exagero por parte da Ouvidoria, é relevante o fato de que as imagens acessíveis até o presente momento demonstram atitude policial incompatível com o que se conhece dos manuais de operação padrão, com o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (Res. 34/169 do dia 17 de Dezembro de 1979), com os Princípios Básicos Sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei- ONU, bem como com o método Giraldi de tiro defensivo para a preservação da vida. Ou seja, é um caso de extremada complexidade e merece especial atenção, jamais banalização e leviandade.
Para além disso o afastamento preventivo de policiais que se envolvem em situações com resultado morte é procedimento básico já aplicado em diversas gestões desde ao menos o programa PROAR de 1996 (https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/1792/), e dedicado inclusive à preservação da saúde psicológica dos policiais, os quais por vivenciarem situações como a do caso presente, ostentam dos maiores, senão o maior índice de adoecimento mental e suicídio dentre as profissões públicas.
Por tudo isso, o Fórum signatário manifesta sua solidariedade à atuação da Ouvidoria das Polícias e apoio ao seu básico e cautelar pedido, e insta as demais autoridades e atores públicos participantes no debate da Segurança Pública que observem os princípios básicos de racionalidade administrativa, dignificando assim os profissionais da área, as leis e o trabalho técnico e especialmente, pericial, de investigação.
Para tanto, requer-se desde já sejam abandonados os achismos e populismos e que se dê especial atenção ao estado atual da ciência aplicável. Que se considerem assim, inclusive em homenagem ao digno e seguro exercício das profissões de segurança pública, entre outros, a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder da ONU; a Convenção de Prevenção e Combate à Tortura e seu protocolo facultativo; aos Protocolos de Minnesota (Diretrizes para a investigação de mortes por intervenção de agentes do estado); Protocolos de Istambul (Princípios para a investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes); aos Princípios de Mendez (conjunto de princípios que devem nortear as entrevistas para investigação e coleta de informações), bem como à Jurisprudência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, à ADPF 635, e toda a Jurisprudência contemporânea dos Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais Internacionais aplicáveis.