Macetando e nocegando

O Café com Muriçoca de hoje volta ao extinto Reino de Internetlândia e descobre que foi macetando e nocegando que boa parte do povo, afinal, sobreviveu ao apocalipse.
Macetando e nocegando no apocalipse
Imagem: Reprodução Google

“Porque macetar é humano – e nocegar também é”.

“Não tem apocalipse que resista a macetando, baby”, disse certa vez uma cantora a outra, no famigerado Reino do Xis.

E não tem mesmo, porque macetar é humano – e nocegar também é.

Repara: não existe história apocalíptica já contada em que ao menos um pequeno número de seres humanos não tenha resistido, como as baratas que, dizemos, resistirão até mesmo a uma guerra nuclear.

No filme Matrix, lembra?, Zion resistiu como a última cidade após o domínio das máquinas. Na série The 100, os últimos humanos descem da arca para descobrir que não são os últimos e em todos os “apocalipses zumbis” há resistência, há sobreviventes.

Até porque, convenhamos, se houve mesmo um fim do mundo em que nós morremos, como poderíamos estar aqui pra contar?

 Vejamos, ainda, o exemplo de Internetlândia: além da escriba covarde, que fugiu pra salvar a própria pele, após a Rainha ordenar a forca a quem comentasse sem ter lido inteiras as postagens do mural oficial do reino, dizem que um pequeno, mas variado, grupo de súditos, mantém até hoje seu modo de vida, devidamente desobedientes.

Sobre isso, dizem que, certa vez,  Dona Esperanza, uma intrometida repórter do Reino das Novelas Escritas, se meteu na antiga Internetlândia em busca desse elo perdido, essa comunidade resistente que desobedeceu às leis da rainha e, com isso, se safou da morte.

Diziam que nessa comuna as histórias jamais deixaram de ser contadas e, mais, que se meter na conversa alheia sem ter entendido o mínimo continuava sendo a regra, energia motora das melhores ficções.

Em busca dessa história, Dona Esperanza percorreu colinas e planícies, atravessou terrenos baldios e calipaus, praias paradisíacas e caatingas ainda mais, até chegar ao ponto mais longínquo do mapa de Internetlândia onde, protegida por montanhas e interligada por cavernas, os últimos habitantes do extinto reino resistiam.

-Como vocês sobreviveram? foi a primeira pergunta que Esperanza tascou na comunidade surpreendida.

-Macetando e nocegando, respondeu seu José, líder dos rebeldes, enquanto cuspia e enxaguava os dentes.

E é por isso que o apocalipse não pega em nóis, baby.

Nossa humanidade, ela não admite.

Estava certa a primeira cantora, afinal.


Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros “De passagem mas não a passeio” (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros. Nas redes: @doutoradinha


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