Se não vos fizerdes como crianças

Se 3 de julho assistiu a volta das cabeças brancas às manifestações, o 2 de outubro recebeu na Avenida Paulista aqueles com pouco mais de 12 anos, já com uma dose no braço, e mesmo os menores que ainda aguardam a liberação da vacina

Texto e fotos por Mediaquatro

Se 3 de julho assistiu a volta das cabeças brancas às manifestações (https://jornalistaslivres.org/cabecas-brancas-contra-o-fascismo/), o 2 de outubro recebeu na Avenida Paulista aqueles com pouco mais de 12 anos, já com uma dose no braço, e mesmo os menores que ainda aguardam a liberação da vacina.

Crianças e adolescentes, com direito a distribuição de balões de hélio, fizeram a festa na Paulista nesse dia de manifestação mundial contra o desgoverno fascista que está nos levando de volta à inflação, fome, desemprego, colapso climático e, principalmente para os mais jovens, um enorme sentimento de desesperança e falta de perspectivas se não houver uma mudança radical no governo.

Quem tem menos de 18 anos talvez não tenha visto toda uma geração que teve, pela primeira vez em suas famílias, a oportunidade de fazer uma universidade. Mas também possivelmente jamais tenham assistido às reportagens sobre a fome tão abundantes na TV dos anos 1990 (https://www.youtube.com/watch?v=UI3yFKVrE4I) , desaparecidas entre 2002 e 2020 e que retornam agora com luta por restos e ossos (https://jornalistaslivres.org/quem-procura-osso-e-cachorro-a-fome-bolsonarista-humilha-a-populacao/).

Essa é uma geração que teve churrascos nos fins de semana e acesso a bens de consumo básicos e também a simbólicos. Viram os pais viajarem de avião e os irmãos e primos mais velhos não só conseguirem diplomas, mas às vezes estudando no exterior pelo extinto Ciências Sem Fronteiras (http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2017/04/ciencia-sem-fronteiras-chega-ao-fim-por-falta-de-dinheiro.html). E os viram voltar pra se tornarem professores e concorrerem em concursos públicos quase em condições de igualdade com a elite nacional. Muitos acompanharam a trajetória de parentes largando trabalhos precários para investir em negócios próprios ou serem contratados em empresas com horário fixo, sindicatos fortes e salários decentes.

Mas isso tudo desmorona a partir do Golpe de 2016. Para os filhos da classe média baixa, acabaram os feriados na casa de praia, qualquer possibilidade de viagem à Disney, os intercâmbios internacionais e, muitas vezes, até a escola particular. Não são poucos os que têm visto os pais perdendo emprego, plano de saúde e padrão de vida. Agora os apartamentos são menores, mais longe das “áreas nobres”, os carros mais velhos, os cintos mais apertados.

Para as crianças e jovens das camadas sociais de renda mais baixa, o cenário é de devastação total. À fome que já havia voltado em 2019 (https://jornalistaslivres.org/saciar-a-fome-e-combater-suas-causas/) e ao desemprego dos pais a partir de 2015 (https://jornalistaslivres.org/desemprego-como-distorcer-sem-mentir/), somaram-se os despejos aumentando a favelização e não raro a rua como lugar de “moradia”. Dessas, poucas estavam na Paulista. As necessidades básicas de sobrevivência diária não dão espaço pra mais nada. Apenas as de famílias mais organizadas em movimentos como o MTST acompanharam as mães na luta política.

Todas as gerações estão enfrentando, cada qual à sua maneira, as diferentes consequências da pandemia de Covid-19 associada aos governos de destruição nacional do golpista Temer e agora do fascista. Os jovens, contudo, estão tendo um impacto emocional e de perspectiva de vida talvez ainda mais profundo. A carestia e o longo período sem aulas presenciais, além de ampliação do abismo de qualidade educacional entre pobres e ricos, está causando uma evasão escolar sem precedentes em nossa história como mostra pesquisa encomendada pelo Conselho Nacional de Juventude ( https://atlasdasjuventudes.com.br/juventudes-e-a-pandemia-do-coronavirus/) com 68 mil jovens entre 15 e 29 anos. Mais da metade dos que não estão estudando trancaram matrícula ou largaram definitivamente a escola depois de março de 2020. Desses, 21% por falta total de condições financeiras.

Por tudo isso, é bonita, bem vinda e absolutamente necessária a presença cada vez maior de jovens, organizados ou não, nas manifestações pela democracia. Afinal, são eles que, finalmente, vão fazer frente aos velhos brancos caquéticos e alucinados que em pleno Século XXI ainda acreditam num fantasma de comunismo caricato e nas vantagens de uma ditadura civil-militar corrupta e incompetente que nos legou, entre outras coisas, a hiper-inflação e a violência policial institucionalizada (https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=06hvKPwJYBk). Isso sem falar na estratégia de esconder epidemias (https://www.youtube.com/watch?v=IBV1SUyGzWw)…

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Vinny, de fato, a presença dos jovens é algo notório. Particularmente ontem (2 de outubro), senti-me rejuvenescido por estar entre eles. Obrigado pela matéria, oportuna e sensível. Um abraço.

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