Por Dirce Waltrick do Amarante*
O Prêmio Jabuti encerrou as inscrições no dia 26 de maio e, agora que os jurados estão imersos na leitura dos livros, talvez seja interessante retomar uma recente polêmica – polêmicas envolvendo prêmios não são raras – em que se viu envolvido ao trazer à tona uma pergunta que consta da ficha de inscrição: a raça do autor da obra. Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), que organiza a premiação, esse dado vem sendo requerido facultativamente desde o último ano e tem por objetivo “mapear o perfil dos inscritos para implementar possíveis ações que promovam cada vez mais a diversidade do mais importante prêmio do livro brasileiro”.
Houve quem louvasse a iniciativa por acreditar que ela ajudará a ampliar o leque literário com a inclusão de novos autores e leitores. Houve também quem discordasse da decisão da CBL, uma vez que ela poderá levantar suspeitas em relação à isenção do prêmio, que não seria concedido pelo valor literário da obra, mas pela etnia do/a autor/autora.
Os dois lados parecem ter razão: é importante mapear e incentivar novos escritores, e premiá-los faria, a meu ver, parte desse incentivo, pois não adianta apenas mapear, é importante dar visibilidade a essas novas vozes, e essa visibilidade quem dá é o prêmio em si. Por outro lado, a implementação dessa política de inclusão levará algumas pessoas a acreditar que o julgamento dos livros será parcial.
O fato é que à medida que essas novas vozes forem surgindo e se destacando, o leitor passará a conhecer uma “outra” literatura que poderá ser tão instigante quanto aquelas com as quais já estava acostumado.
Mas voltemos à raça. Diz a escritora norte-americana Toni Morrison, ganhadora do Nobel de Literatura em 1993, que “raça é a classificação de uma espécie, e nós somos a raça humana, ponto-final”. Morrison sabe, todavia, que existe “a tendência dos humanos de separar aqueles que não pertencem ao nosso clã e julgá-los como inimigos, como vulneráveis e deficientes que necessitam ser controlados”. Nesse contexto, prossegue a escritora, “a raça tem sido um parâmetro de diferenciação constante, assim como a riqueza, a classe e o gênero, todos relacionados ao poder e à necessidade de controle”.
Muito recentemente, mais autores/as negros/as têm sido premiados/as e passaram a ganhar visibilidade e espaço em grandes editoras e jornais. Se políticas como a implementada pela CBL contribuem para essa diversidade na área literária, é necessário que elas sigam sendo feitas, mas talvez fosse importante que elas não se restringissem apenas ao mapeamento da raça dos inscritos no prêmio. Há outras questões que precisariam ser mapeadas.
Jabuti é caro
No ano passado, especialmente, as editoras alternativas ganharam mais espaço no Prêmio Jabuti, fruto, talvez, também de uma política de inclusão. Ainda assim são as grandes editoras que dominam a premiação, pois elas têm condições de pagar mais inscrições e com isso colocam mais títulos na disputa. Cabe lembrar que neste ano a inscrição do Prêmio Jabuti para obra individual foi de R$ 285,00 (duzentos e oitenta e cinco reais) para associados a R$ 327,00 (trezentos e vinte e sete reais) “para autora ou autor independente, ou seja, pessoa física que se autopublica e não está vinculada contratualmente a nenhum selo editorial, editora ou quaisquer pessoas jurídicas de direito público ou privado”. Para associados de “entidades congêneres” o valor de inscrição era de R$ 370,00 (trezentos e setenta reais); para não associados o valor era ainda mais salgado, R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais). No caso de inscrição de coleção, os valores eram maiores.
Nem todas as editoras e autores têm cacife para arcar com o valor da inscrição. Muitos autores, aliás, já arcaram inclusive com a publicação de seus livros em editoras de pequeno e médio porte, que não possuem agentes literários nem capilaridade nas grandes mídias, que se concentram ainda no eixo Rio-São Paulo. Essas obras acabam invisibilizadas. Pergunto-me se essa invisibilidade não teria como consequência a exclusão desses títulos da lista de finalistas desse e de outros prêmios.
Não valeria a pena mapear o que ficou de fora das listas? Lembro que em uma conversa com a artista plástica e ativista chilena Cecilia Vicuña ela afirmou, em outro contexto, mas que caberia para esse, que “o que ficou de fora” talvez seja o mais importante. James Joyce e Gertrude Stein ficaram de fora do Nobel, não é mesmo?
E a literatura experimental, sem gênero específico, teria onde se encaixar nas categorias estanques desse e de outros prêmios?
A propósito, as categorias e os critérios de avaliação do Prêmio Jabuti mereciam ser discutidas: na categoria infantil, por exemplo, um dos critérios é “inventividade e originalidade com linguagem adequada ao público-alvo”; imagino que Edward Lear, com seus limeriques grotescos e sem sentido, e Edward Gorey, com seus poemas macabros, nunca chegariam à lista de finalistas. E o que dizer do critério, dessa mesma categoria, que fala em “obras que despertem percepções, emoções e sensações”. Como diria Cecilia Meireles, para os adultos a infância passa a ser um universo desconhecido. Ocorre que é justamente o adulto que irá julgar os livros dessa categoria, que necessariamente não serão lidos pelas crianças.
E por que não existe a categoria peças de teatro ou texto dramático? E por que a categoria “romance de entretenimento” inclui “obras de ficção científica, policial, terror, romance sentimental/de amor, erótico, humor, suspense, aventura, fantasia, entre outros” e o “romance literário” não? O que entendemos por literário?
O certo mesmo é que prêmios são sempre bem-vindos, dão visibilidade e abrem portas, mas não garantem a imortalidade literária do premiado; basta fazermos um mapeamento das obras e autores já agraciados.
*Organizou e cotraduziu com o Coletivo Finnegans Finnegans Rivolta, tradução integral de Finnegans Wake,de James Joyce. Autora, entre outros, de Cem encontros ilustrados e Ascensão: contos dramáticos.
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Uma resposta
Concordo com a escritora americana: somos a raça humana. Period.