A diversidade também cabe no vocabulário político da extrema direita, e agora?

Talvez seja o momento ideal para que o progressismo se liberte de vez das amarras identitárias e avance na crítica sistêmica ao capitalismo e na agenda dos direitos materiais universais
Jojo Todynho - Reprodução de redes sociais

RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de História da Universidade Federal da Bahia

Nos últimos dias, as redes foram movimentadas por Jojo Todynho, funkeira carioca que se tornou celebridade nacionalmente conhecida depois de participar de um reality show. Há tempos que Jojo flertava abertamente com a extrema direita liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Na semana passada, ela aderiu publicamente a esse campo político, em atividade com a ex-primeira-dama Michele. Aos berros e batendo no peito, Jojo disse: “Sou uma preta de direita sim!”.

Temos, aqui, uma situação política que provoca certo curto-circuito na esquerda identitária, que ao longo dos últimos anos colocou a imagem da “mulher preta periférica não padrão” (Jojo Todynho, por excelência) como objeto de uma espécie de fetiche ideológico. Alguém que cuja voz seria capaz de mover as placas tectônicas do patriarcado capitalista e racista e, por isso, não poderia ser questionada, sequer interrompida. A mulher preta traria consigo o testemunho vivo das opressões interseccionadas.

A adesão ideológica de Jojo Todynho à extrema direita não é algo isolado e diz muito aquilo que pode ser o início de uma nova fase da história das direitas radicais, que habitam o ecossistema ideológico internacional desde meados da década de 2010. No início, essa “nova direita” era marcadamente branca e masculina. Foi com esse apelo ao identitarismo do norte-americano médio, os White Trash, que Donald Trump venceu as eleições presidenciais dos EUA em 2016.

No entanto, o passar dos anos foi normalizando esses grupos nos sistemas democráticos em muitos países ocidentais. Buscando aceitação eleitoral, essa direita radical faz um curioso movimento rumo à diversidade, no sentido de acolher outros sujeitos políticos para além dos homens brancos. É possível citar vários exemplos:

  • A Frente Nacional liderada por Jordan Bardella e Marine Le Pen em França tenta moderar o nacionalismo agressivo, sinalizando a inclusão, sobretudo, de mulheres.
  • Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, tornou-se símbolo de um inusitado feminismo conservador, baseado na representação da mulher -mãe, que inclui mulheres biológicas a partir do tensionamento com o transativismo.
  • Na Espanha, o Vox, liderado por Santiago Abascal, mantém um discurso muito duro contra os imigrantes muçulmanos. Porém, adota uma postura acolhedora em relação aos imigrantes latinos, a partir da ideia de “Iberoesfera”, uma comunidade hispânica global que teria sido criada pela missão civilizatória empreendida pela colonização espanhola na América.

Todos esses exemplos demonstram que o paradigma da inclusão e da diversidade não é mais monopólio das forças políticas progressistas. Se o objetivo da atuação política for “incluir” sujeitos subalternizados, a direita radical também consegue reivindicar essa utopia.

Talvez seja o momento ideal para que o progressismo se liberte de vez das amarras identitárias e avance na crítica sistêmica ao capitalismo e na agenda dos direitos materiais universais, como renda mínima, alimentação, educação e moradia dignas. Neste território, a direita radical, porta-voz da acumulação capitalista, não tem lugar.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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