Se Carlos Drummond de Andrade estivesse vivo, certamente o poeta teria um bom motivo para sentir vergonha de sua terra, Itabira, na região Central de Minas. Um caso de lesbofobia agita os 120 mil habitantes da cidade, que vê a mineradora Vale S/A se preparar para o bota-fora em 2028, depois de rapar o tacho do que restou do Pico do Cauê e tudo mais que havia de minério de ferro.
O episódio virou caso de polícia, por isso a Polícia Civil instaurou inquérito para investigar os ataques homofóbicos em um vídeo que circula nas redes sociais, após denúncia feita pela prefeitura. Os ataques são dirigidos à futura secretária municipal de Educação. Laura Souza teve seu nome anunciado no fim de fevereiro e será nomeada pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB) no próximo dia 15.
O vídeo foi divulgado na página do Facebook do presidente do Partido Social Cristão (PSC) em Itabira, o publicitário bolsonarista Dalton Albuquerque. A postagem mostra imagens preconceituosas, como um sapato grande ao som da música “I Will Survive”, usada pelos movimentos LGBTQIA+. Termina com a frase: “O senhor prefeito tem que zelar pela integridade da família itabirana”. Haja paciência! Muita, como se não bastassem os problemas vividos pelo país e a guerra a nos ameaçar.
https://www.facebook.com/100038222672760/videos/1117325082143127/
No vídeo, Dalton Albuquerque diz que se sente “no dever público de sinalizar aos pais o que seus filhos poderão vivenciar em salas de aula”. As imagens imbecis tinham como objetivo agredir a imagem da futura secretaria, que é homossexual e atua como ativista nos movimentos LGBT da cidade. Na postagem, Dalton acusa o prefeito e a nova secretária de pretenderem implantar nas escolas municipais “uma visão binária, de criança sem sexo não definido.” Ele já investiu em outras ocasiões contra o prefeito, inclusive tentando impugnar a sua candidatura na eleição passada. Ao buscar os refletores, o publicitário distorce propositalmente os objetivos do projeto de lei que cria o Conselho Municipal LGBTQIA+, de autoria do prefeito.
O projeto foi lido na reunião da Câmara no dia 22 de janeiro, em sessão realizada no distrito de Ipoema e começa a ser discutido pelos vereadores nesta segunda-feira (7), na reunião da Comissão Temporária da Câmara de Itabira. Propõe a criação do Conselho Municipal LGBTQIA+ que, a exemplo de outros conselhos, irá subsidiar o governo municipal na edição de diretrizes e políticas públicas, no caso, em defesa dos direitos das lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros.
Como informa o jornalista Carlos Cruz, “o que se quer com o conselho é justamente coibir a violência que essas pessoas sofrem em sociedade, atacadas que são por segmentos conservadores e reacionários, como se observa nesses últimos episódios cibernéticos pela rede social em Itabira”.
Tranquila
A professora Laura Souza está tranquila. Ela é servidora pública efetiva há 15 anos da Prefeitura de Itabira e da Câmara Municipal. É licenciada em Letras com 15 anos de experiência como redatora e em gestão pública. “A orientação sexual jamais poderá ser instrumento para colocar em xeque a competência”, destacou Laura, acrescentando que Itabira não é uma cidade onde os preconceitos prosperam, é acolhedora e que o episódio a fortalece para ter ainda mais garra, foco e força para trabalhar em favor de uma educação cada vez melhor para o município.
Para isso, ela conta com total apoio do prefeito, o jornalista Marco Antônio Lage, que chegou até a soltar um vídeo se posicionando. “A Laura vem sendo absurdamente atacada por alguns segmentos da cidade de Itabira pela sua orientação sexual(…) Uma mentira absurda de que ela vai levar para dentro das salas de aula a discussão de ideologia de gênero. Quem define a grade curricular das escolas é o governo federal, o Ministério da Educação, não a prefeitura”, esclareceu.
E acrescentou: “Ela tem um currículo brilhante como professora da rede municipal de ensino desde 2019, como gestora em várias áreas de atuação e tenho certeza que vai ajudar a vencer o grande desafio da educação que é recuperar, trazer de volta os alunos, depois de dois anos de ausência em função da pandemia. Para além de todo absurdo humanitário, homofobia é crime inafiançável. Já estamos tomando as medidas legais e daremos todo amparo necessário à professora Laura Souza, nossa secretária municipal de Educação. Não vamos aceitar nenhum tipo de discriminação. Itabira é uma cidade solidária, é uma cidade progressista, moderna e de gente trabalhadora”, concluiu o prefeito.
Em nota, a Prefeitura de Itabira também se posicionou afirmando que recebe com “pesar e indignação os últimos casos de homofobia registrados no município”, e destacou “a importância de ampliar a discussão sobre políticas públicas direcionadas à comunidade LGBTQIA+ como forma de combater as violências por questões de gênero e/ou orientação sexual. Não vamos aceitar nenhum tipo de discriminação. Itabira é uma cidade solidária, é uma cidade progressista, moderna e de gente trabalhadora”.
O Sindicato Único dos Trabalhadores na Educação (SindUTE) também soltou nota sobre os ataques que a nova Secretária de Educação está sofrendo
#ForçaLaura#NinguémSoltaMãoDeNinguém#HomofobiaNão
“SindUTE – subsede Itabira manifesta solidariedade a Laura Souza, que no dia 24/02 foi anunciada como secretária de Educação, e desde então tem sofrido ataque machistas e lesbofóbicos nas redes sociais e nos burburinhos pela cidade. Reconhecemos o ato como violência política, uma forma de violência de gênero, que busca calar, silenciar as mulheres e retirá-las da vida política. Que sejam tomadas todas as providências para apurar quem são os agressores e que os mesmos sejam responsabilizados e responsabilizadas nos termos da Lei nº 7.716/89. Cabe ressaltar que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, de 13 de junho de 2019, tornou crime a discriminação contra pessoas LGBTQIA+. Quem ofender ou discriminar gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros está sujeito a punição de um a três anos de prisão, prevista na Lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Assim como o crime de racismo, a LGBTfobia é crime inafiançável e imprescritível.
Vanderleia de Freitas – Coordenadora do SindUTE subsede Itabira.”
Vice vê demônios por todos os lados
Em um discurso carregado de citações bíblicas, o pastor evangélico e vice-prefeito Marco Antônio Gomes (PL) Gomes disse num áudio não ter concordado com a nomeação da secretária Laura Souza. Para ele, que é pastor da igreja Batista Central, é como se o livro sagrado estivesse acima da legislação brasileira, numa mistura de religião e política conservadora, como observa o jornalista Carlos Cruz. “Esquece o vice-prefeito que o Estado é laico por definição constitucional e deve definir suas políticas públicas unicamente com base na lei”.
Segundo o vice-prefeito, a Prefeitura de Itabira está cheia de demônios, mas não é só lá: “Na Prefeitura não dá para enumerar o número de demônios. E eu sou atingido não só no meio pastoral, mas também na igreja, em casa, no trabalho”, disse ele.
“Pelo visto, Marco Antônio Gomes precisa urgentemente passar por uma sessão de exorcismo/descarrego, já que ele está cercado pelo maligno, o “coisa ruim” que anda em sua volta por toda parte”, observa Carlos Cruz.
E Gomes faz um corte ideológico para definir o seu posicionamento político contrário ao do prefeito: “O partido dele (PSB) é de esquerda e eu sou de direita. Eu sou Bolsonaro, ele (o prefeito) é Lula, que acoberta e é dirigido por Satanás. Eu não tenho nada a ver com ele”, vociferou o vice-prefeito no áudio vazado. “Fui contra a nomeação da secretária de Educação e manifestei isso ao prefeito.”
Coitada de Itabira, que já foi apenas uma fotografia pendurada na parede do poeta! Como dói!
2 respostas
Retrógrado, tem de cair fora, nada exemplar, horror esse vice!
Ô, gente horrível, esse pessoal pseudo-religioso.
Tudo o que não gostam, atribuem ao diabo.
Religião não era pra ser isso, mas sim ajudar o próximo, ser generoso e compreensivo. Pessoal, o egoísmo não é coisa de Deus não, hein.
Cansado dessa gente.