Pela liberdade de Felipe Cirilo da Silva
"Favelado legítimo escravo do ritmo Dos becos e vielas eu sou amigo íntimo Dexter o filho da música negra Exilado sim, preso não com certeza". Eu sou função - Dexter "Vou acordar bem cedo Vou esconder o medo Vou procurar emprego Ser excluído por ser preto. Eu não aceito mais. Meu coração é afro brasileiro e quer viver em paz Mas, nessa porra de país Onde nunca se quis ouvir a verdade da boca de um homem preto Onde nunca se quis dar chances reais ao povo do gueto." Quantas histórias pra contar - Clã Nordestino
O segredo: o racismo é um crime perfeito, como já disse o mestre Kabengele Munanga. O superencarceramento é uma nova forma de escravidão, como já disse a mestra Angela Davis. A justiça do Brasil é um senhor de engenho e tem olhos saudáveis, por isso, há 500 anos ele discrimina, sequestra, encarcera e mata tantos jovens negros.
No dia 05 de novembro de 2021, o jovem Felipe Cirilo da Silva, 23 anos, levantou cedo da sua casa em Heliópolis, bairro da Zona Sul de São Paulo, pegou sua bicicleta e pedalou até o Terminal Sacomã. Lá ele estacionou, pegou um ônibus em direção à Vila Ema, Zona Leste da cidade, trabalhou durante todo o dia e, em seguida, voltou para casa.
Como pagamento por ter sido um bom rapaz trabalhador latino-americano, Felipe foi preso e permanece lá, há dois meses, acusado de assalto. De acordo com o Sr. Juiz, o moço tem superpoderes e, assim, pode estar em dois lugares ao mesmo tempo: dentro do Terminal Sacomã, pagando o ticket de estacionamento da sua bike e na Rua Joaquim Maria, perto da velha Estrada das Lágrimas, há 30 minutos de lá, assaltando uma pessoa, a pé e junto com outros três rapazes.
A família e sua advogada apresentaram provas: a foto do rapaz que efetivamente roubou, o ticket do bicicletário com o horário de retirada da magrela e, pasmem! a folha de ponto da empresa, onde Felipe trabalhava desde abril de 2021, constando os horários de entrada e saída do operário.
Ainda assim, o Sr Juiz Negro-é-tudo-igual da Silva, decidiu manter mais um jovem negro preso, pois a senhora assaltada, a “suposta vítima”, o “reconheceu”.
No último jogo do Palmeiras, na Rua Lino Guedes, no Ipiranga, bairro de classe média bem pertinho do Helipa, o mano Lews Barbosa e sua família foram vítimas de racismo. Do alto dos prédios recém construídos, sem razão aparente, um grupo de moradores gritava ofensas raciais para sua família. Quando o irmão do nosso mano tentou reclamar e, por precaução, chamou a polícia, em vez de ser acolhido em sua solicitação, o moço foi preso. Os coxinhas não viram nele uma vítima de racismo, mas sim outro jovem negro, cujo estereótipo diz que ele deve ser contido, dominado, humilhado e preso. Ele foi solto no dia seguinte, pois contra ele não havia gente com “coragem” para o incriminar por ter reagido às agressões sofridas – no prédio, ao que parece, moram racistas otários, mas que são devidamente protegidos pelos capitães do mato.
Felipe, no entanto, segue preso e seu processo corre em segredo de justiça.
O segredo: o racismo é um crime perfeito, como já disse o mestre Kabengele Munanga. O superencarceramento é uma nova forma de escravidão, como já disse a mestra Angela Davis. A justiça do Brasil é um senhor de engenho e tem olhos saudáveis, por isso, há 500 anos ele discrimina, sequestra, encarcera e mata tantos jovens negros.
Liberdade para Felipe.
Liberdade para toda a população negra.
Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros. Nas redes: @dinhamarianilda
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