Por Antonio Isuperio*
Gustavo Lima e a homoafetividade representa um contexto bem mais comum que imaginamos, ele é a regra. A estrutura da masculinidade heteronormativa de Homens cisgênero – e em sua grande maioria brancos e héteros- são narcisos. Estes indivíduos predominantemente estabelecem laços reais de afeto com apenas “si mesmos”. Personagens sociais que são a base da homoafetividade que vamos explorar aqui nestes texto, que convidamos à reflexão.
Quem é esse homem?
Antes de adentrarmos no âmbitos da masculinidade, precisamos estabelecer alguns acordos. O Patriarcado é uma estrutura de poder, correto? Partindo daí precisamos distinguir quem exerce de fato o poder e se beneficia desta estrutura de quem a reproduz. É bastante comum que corpos quem orbitam esta dinâmica de forma periférica reproduzam esta lógica. A chamada falta de consciência de classe. Em situações pontuais são muito similares a quem comanda as escalas de poder mas o próprio sistema os coloca em seus devidos lugares.
Um nomear com um adjetivo símbolo que carrega histórico de violência já desloca quem está no banco de trás do patriarcado pro final da fila, como chamar de bicha, sapatão, de macaco ou de aleijado, por exemplo. Esse nomear não precisa de fato se proferido, ele pode ser identificado e exercido em um processo jurídico que altera a empatia de quem tem o poder de decisão. Ou seja, o seu lugar é automaticamente – e de forma silenciosa- carimbado para classe periférica e sem direito a questionamento.
Existem Indivíduos periféricos que reproduzem a lógica que corroboram para o auto extermínio. É comum que homens negros, lgbts+, brancos e negros, pcds, homens pobres e até mulheres corroborem neste mecanismo. O que chamamos de frango de granja. Que é aquele frango feliz na embalagem que contém si próprio esquartejado como produto resultante.
Outro ponto importante é a reflexão que “sistemas de opressão são forças gravitacionais”, como diz Bernice King, filha de Martin Luther King Jr. Então, corpos dissidentes que corroboram nesta estrutura é o mais propício a acontecer. E para que estas práticas sejam invertidas são necessários muito investimento em tempo, em educação decolonial e em disposição de compreender o mundo fora de seu próprio umbigo; então é importante que estejamos atentos a quem são os reais opressores e oprimidos e suas interseccionalidades. O nosso foco sempre será nas cabeças.
Por isso a importância de demarcar quem é este homem que exerce esse poder. Ele é branco, cisgênero, em sua maioria hétero e com certo acesso ao consumo.
Homens cisgênero, héteros e brancos, os mais homoafetivos de toda a sociedade
Marilyn Frye, uma pesquisadora inteseccional americana, traz em seu livro “Políticas da Realidade: Ensaios sobre Teoria Feminista”, de 1983, a provocação que a cultura heterossexual masculina é de fato homoafetiva. Veja o recorte abaixo:
Dizer que um homem é heterossexual implica somente que ele mantém relações sexuais exclusivamente com o sexo oposto, ou seja, mulheres. Tudo ou quase tudo que é próprio do amor, a maioria dos homens héteros reservam exclusivamente para outros homens. As pessoas que eles admiram; respeitam; adoram e veneram; honram; quem eles imitam; idolatram e com quem criam vínculos mais profundos; a quem estão dispostos a ensinar e com quem estão dispostos a aprender; aqueles cujo respeito, admiração, reconhecimento, honra, reverência e amor eles desejam; estes são, em sua maioria esmagadora, outros homens. Em suas relações com mulheres o que é visto como respeito é gentileza, generosidade ou paternalismo; o que é visto como honra é a colocação da mulher em uma redoma. Das mulheres eles querem devoção, servitude e sexo. A cultura heterossexual masculina é homoafetiva, ela cultiva o amor pelos homens.“
Partindo destes pontos trazidos por Marylyn e que são facilmente observados nas dinâmicas da sociedade contemporânea, percebemos o quanto o mundo que vivemos sobrevive da homoafetividade. Faça este teste: pergunte a um homem branco sobre três referências mestras de sua trajetória. É quase nula a possibilidade de conter nesta perspectiva aspiracional uma mulher, mesmo que branca ou um homem negro, mas é quase nula a possibilidade de conter um homem lgbt+ ou pcd. E isso se reverbera em todas as dinâmicas sociais. Da contratação, apoio, suporte, reconhecimento e ao simples julgamento. E não existe constrangimento nesta exposição, vejam um exemplo clicando aqui.
Importantíssimo compreender que esta homoafetividade somente pode ser exercida por quem representa e já exerce o poder. Gustavo Lima, essa figura desse homem conservador, rico, de direita, em um estilo musical que representa a casa grande, cheio destes marcadores de gênero e virilidade tem o passe social da liberdade. Liberdade esta que Gustavo pode exercer até a sua homoafetividade no mesmo país que mais produz violência à comunidade que de fato tem a sua manifestação de afetividade dentro deste espectro. Gustavo Lima tem, pode e exerce a sua homoafetividade constantemente.
Isso importa?
Estamos em uma fase da sociedade em que avanços estão sendo constantemente questionados. Victor Hugo disse: “Nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo.” Então, com a previsível deterioração do patriarcado pela secular luta dos movimentos sociais, existem atuações que simbolizam os últimos gritos dessa destruidora – mas vazia – configuração de sociedade, o patriarcado.
Bolsonaros, Trumps assim como outros por ai são as ultimas tentativas de sustentar o esfacelamento notório desse sistema. Assim, dentro deste contexto que estamos trabalhando aqui é importante entendemos o recado simbólico de um ex-presidente (e futuro presidiário) se movimentar com um grupo imenso de homens, todos com roupas de couro e sua motos “potentes”, como um convite subliminar -mas nem tanto – ao seu próprio fortalecimento.
Foi para isso que Bolsonaro foi eleito, para acabar com a proliferação dos gays, mostrando, assim, como se faz -“de forma correta”- amor entre homens. Todos gozando com roupas de couro aos som de motores e muito suor. Ato público muito mais pornográfico que ambiente de sauna gay e com muito mais adesão de quem está na periferia do patriarcado. Gustavo Lima e a sua homoafetividade é um exemplo concreto dessa informação.
Fiquemos atentos, enquanto o seu gozo está sendo criminalizado e as políticas anti-trans ganham novos recursos, poderosos se masturbam cantarolando em lugares públicos. E vão ser aplaudidos.
(*) Antonio Isuperio é arquiteto brasileiro, negro, periférico, lgbt+ que mora em New York. Ativista de direitos humanos por quase 15 anos, é filho de empregada doméstica e graduado em Arquitetura pela Universidade Estadual de Goiás, com MBA em varejo pela FGV-SP. É especialista em Design de Varejo e pesquisa e tendências de futuro e membro do Núcleo Negro do Jornalistas Livres