É preciso financiar quem realmente produz alimentos

A Agricultura Familiar colhe 70% de tudo o que vai parar nos pratos dos brasileiros - ao menos daqueles que ainda têm com que comprar alimentos - mas ela recebe pouco mais de 15% dos recursos para a agricultura
plantação de alface de pequenos produtores foto: reprodução/Agência Brasil
plantação de alface de pequenos produtores foto: reprodução/Agência Brasil

A fome continua a avançar no Brasil e atinge 33,1 milhões de pessoas. Esse número equivale a 15,5% da população brasileira que vive em situação de insegurança alimentar grave. Os dados estão no 2º Vigisan – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – Rede PENSSAN e revela que a quantidade de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, ou sendo mais claro, passando fome, praticamente dobrou em menos de dois anos.

Por Renê Gardim (*)

Enquanto isso, o Plano Safra 2022/2023, que define os valores a serem destinados pelo governo para a produção agrícola do ano-safra, beneficia exportadores em detrimento dos reais produtores de alimentos que poderiam estar também na mesa desses brasileiros famintos. Quando se consideram os alimentos efetivamente consumidos no país, 70% vêm da agricultura familiar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São pequenos agricultores que plantam para abastecer a família e vendem o que sobra da colheita – como mandioca, feijão, arroz, milho, leite, batata.

foto: Wellington Lenon/MST-PR

Muito bem, mas o Plano Safra (que vai de julho de um ano até junho do ano seguinte) prevê R$ 340,88 bilhões. O anúncio foi feito no dia 29 de junho deste ano pelo governo federal. Desse total, R$ 246,3 bi irão para custeio e comercialização da safra e R$ 94,6 bi para investimentos como compra de equipamentos e obras nas propriedades rurais.

Do total de R$ 340,88 bi, apenas R$ 53,61 bilhões irão para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O restante, R$ 287,27 bilhões, será destinado aos grandes latifúndios, que produzem basicamente soja, milho e algodão, em sua grande maioria no centro-oeste brasileiro. Vamos ser justos, essa divisão não é exclusividade do atual governo. Sempre foi feita desta forma.

Por coincidência (contém ironia) no dia 24 de agosto a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou a projeção de uma produção de grãos recorde para a safra 2022/23, podendo chegar a 308 milhões de toneladas “impulsionada pela boa rentabilidade de milho, soja e algodão”.

Enquanto isso, com mais de 4 milhões de estabelecimentos familiares em território nacional, a agricultura familiar, que responde hoje por 38% do Produto Interno Bruto Agropecuário do país, o equivalente a um montante de R$ 54 bilhões, tem que se contentar com apenas 15,7% de todo o recurso destinado pelo governo federal para a agricultura.

Essa conta não fecha. A agricultura familiar é de suma importância para garantir a segurança alimentar e nutricional da população brasileira. Com uma produção diversificada, ela também gera emprego e renda, causa mínimo impacto ambiental, garante a preservação de tradições locais, segue práticas sustentáveis.

Entre os principais produtos da agricultura familiar temos as frutas, os legumes, as verduras e pequenos animais. Esses verdadeiros heróis do campo colocam em nossa mesa o milho orgânico, o café, a mandioca, o feijão, o arroz, o trigo de qualidade, o leite, a carne suína, de aves e parte da carne bovina.

A agricultura familiar é constituída de pequenos produtores rurais, povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores. São pequenos agricultores que plantam para abastecer a família e vendem o que sobra da colheita e merecem maior atenção e mais recursos para ampliar a produção de alimentos para a população brasileira, em especial aquela que passa fome.

(*) Jornalista há 37 anos, atuou na Folha de Londrina, Jornal de Londrina e RBS. Foi editor de economia e agronegócio no DCI. Contato pelo e-mail [email protected]

Leia também: Novamente a deflação não favorece os mais pobres

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