Da série respondendo a perguntas Ep 2

Bem-vindos e bem-vindas ao “Café com muriçoca” - espaço de compartilhamento literário dos Jornalistas Livres. No texto de hoje, "Da série Respondendo a perguntas", Dinha conta sobre a origem do seu pseudônimo, diz porque a chamam de Dinha e, por fim, decide alterá-lo.
Por que me chamam Dinha. Bandeira congolela com imagens transparentes em PB de Dinha e Moïse Mugenyi Kabagambe
Dinha Moïse
Como então dizer quem fala 
ora a vossas senhorias? 
Vejamos: é o severino 
da maria do zacarias, 
lá da serra da costela, 
limites da paraíba. 
Mas isso ainda diz pouco: 
se ao menos mais cinco havia 
com nome de severino 
filhos de tantas marias 
mulheres de outros tantos, 
já finados, zacarias, 
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia
Morte vida severina - João Cabral de Melo Neto

A carne mais barata do mercado é a carne negra
Só-só cego não vê
… Que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
E vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos
A Carne – Elza Soares

No enredo severino a gente prossegue indistinta e, sem individualidade,  nos desumanizamos um pouco. Mas na literatura isso não acontece e, nesse ponto, por outro lado, eu até que gosto muito de ser só essas cinco letrinhas. Porque na arte da linguagem eu me diluo,  mas me garanto.  Eu renasço com Malcom, que tomou o X pra sobrenome, numa recusa explícita à violência colonial escravocrata.

Porque me chamam Dinha

Salve, povo! E o domingo, vai bem? Hoje eu vou retomar a série “Respondendo a perguntas” e  falar sobre o meu apelido-pseudônimo: porque me chamam Dinha…

Meu domingo vai bem… e melhor agora com vocês aqui. 

Pra quem tá chegando agora na minha coluna,  eu sou autora de uma porção de livros. Meu último de poemas foi lançado em 2019  – o Maria do Povo,  também conhecido por Maria Pepe Pueblo,  pois é uma edição bilíngue. Na sequência,  publiquei meu Diário do fim do mundo,  como forma de me obrigar a destrancar as prosas e presentear o povo que sempre caminha comigo,  quando eu sofro de ser militante pobre, artista e dotôra: 

– Dra. Dinha?

– Sim. Pois não? 

Toda dinha que se preze tem sobrenome, já reparou? Menos eu. E foi sem querer. 

Mas no final eu até acho bom. Dinha, sem sobrenome, só poderia ficar melhor se eu tivesse inventado um novo, amefricano, ou versátil. 

Ainda não inventei.

Apesar disso,  cabou que o meu Dinha, que nasceu como apelido de primeira infância, expressa muito bem o povo cujo sobrenome em nada nos distingue: no Brasil, é tanto Silva e Souza e Santos que parece até que somos membros da mesmíssima família – que, na verdade, somos. 

Somos frutos de uma mesma árvore genealógica. Nossa ancestralidade se cruza, sem dúvida,  mas às vezes sinto falta de expressar o tom que me faz ser indivídua… aquele traço que nos distingue do além das outras pessoas e famílias,  sabe? 

Sinto falta porque, como essa marca não é dada pelo sobrenome, a gente acaba esticando o prenome,  ou cita a origem geográfica e a linhagem mais próxima e específica:

Em São Paulo eu sou Dinha Maria Nilda. Ou Dinha do Parque Bristol. Em Milagres eu sou Dinha  de Munda, de Panca, de comadre Zefinha. 

– Quem? Dinha? 

– Sim. Dinha de Munda.

– Munda de Mestre Panca?

–  É… Panca de comadre Zefinha.

Foto: Reprodução Carlos Latuff

Dinha Moïse

No enredo severino a gente prossegue indistinta e, sem individualidade,  nos desumanizamos um pouco. Mas na literatura isso não acontece e, nesse ponto, por outro lado, eu até que gosto muito de ser só essas cinco letrinhas. Porque na arte da linguagem eu me diluo,  mas me garanto.  Eu renasço com Malcom, que tomou o X pra sobrenome, numa recusa explícita à violência colonial escravocrata.

Então,  voltando às perguntas,  que sempre nos fazem: porque me chamam Dinha… Dinha é porque nasci com cara de outras dinhas. E, também porque a herança escravocrata não me deu um sobrenome que distingue minha família das outras. Mas é principalmente porque construí com vocês este caminho que me permite ser eu mesma, sem mais adjetivos.

E, já que é assim,  acho que vou usar essa brecha  pra mudar meu nome, quando e quantas vezes eu achar que convém.  Esse mês, em razão dos povos  negros, na Diáspora,  e das populações originárias, em luta contra o genocídio, eu vou me chamar Dinha Moïse

Por hoje é só isso. Bom domingo pra vocês e fogo…

nos racistas. 


Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) e Maria do Povo (2019), entre outros. 
Nas redes: @dinhamarianilda

LEIA TAMBÉM algumas das crônicas anteriores:

São Paulo é uma cidade-palafita

Olha nos olhos e enxerga o bebê

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Difícil expressar o inexpressável mas alguma indivídua consegue a síntese, ressignifica e incorpora em si.

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