“Uma verdadeira aula de comunismo nos dá Godard com esta Obra. Cinema dos mais perfeitos”, escreveu Jacira G. Figueiredo de Oliveira, em 24 de janeiro de 1968. O cineasta francês Jean-Luc Godard, morto nesta terça-feira (13/09), aos 91 anos, deixou, em meio à sua ampla filmografia, uma obra prima: “A Chinesa”, lançado em 1967. No filme, um grupo de estudantes franceses planeja ações terroristas, enquanto discute o “Livro Vermelho”, do revolucionário chinês Mao Tsé-Tung, os dilemas do socialismo, as rebeliões operárias e o levante estudantil dos anos 1960. O filme, baseado no clássico “Os Demônios”, do romancista russo Fiódor Dostoiévski, chegou no mesmo ano de seu lançamento ao Brasil, para aqui ser lançado. Como o Brasil vivia à época a Ditadura Militar (1964-1985), “A Chinesa” precisava passar pelo crivo de um censor federal, da mesma forma que ocorria com peças, canções e produções cinematográficas. Jacira G. Figueiredo de Oliveira, aquela que escreveu a frase inicial deste artigo, foi a censora a quem coube avaliar a obra de Godard. Ela censurou “A Chinesa” e impediu sua exibição em todo o território nacional. Mas como ela amou o filme!
Leia abaixo o parecer de dona Jacira, uma declaração de amor ao filme e ao diretor:
A vida de jovens estudantes universitários de Nanterre, integrantes de uma célula comunista, é retratada de forma crua. O relato do seu dia a dia, suas dúvidas entre a linha moscovita e a linha chinesa são revelados ao espectadorde modo a impressioná-lo. O problema do Vietnam, que parece obcecar Godard, novamente nos é apresentado. As divergências filosóficas e de ação torpedeiam o espectador menos avisado. Uma verdadeira aula de comunismo nos dá Godard com esta Obra. Cinema dos mais perfeitos, porém sua causa é-nos totalmente prejudicial. Inconveniente sobre todos os aspectos a exibição deste filme em nosso país, pois, quanto mais não seja, ficará (sic) na mente do público assistente as mensagens visuais, as frases lançadas a esmo, todas formas de propaganda do regime comunista que, conforme é sobejamente conhecido, prega a IGUALDADE SOCIAL, mas em seus governos o que se vê é exatamente o contrário, típico “FAZE O QUE EU DIGO, MAS NÃO FAZE O QUE FAÇO”.
A montagem é de primeira, a técnica de Godard é, indiscutivelmente, das mais perfeitas. Mixagem e som dentro da classe do mestre do cinema novo francês.
NÃO LIBERADO POR CONTRARIAR AS NORMAS LEGAIS VIGENTES EM NOSSO PAÍS, DENTRO DO QUE DISPÕEO DECRETO 20.493…
assina: Jacira G. Figueiredo de Oliveira
Como morreu Jean-Luc Godard
O cineasta Jean-Luc Godard faleceu nesta terça-feira (13/09), aos 91 anos, em Rolle, na Suíça. Godard teve acesso ao suicídio medicamente assistido, que é permitido pela constituição suíça e morreu junto aos seus familiares. De acordo com fontes ligadas a família do cineasta, “ele não estava doente, estava simplesmente exausto […]. Foi uma decisão dele e é importante que se saiba”. O suicídio assistido requer que a pessoa tenha plena posse das suas capacidades mentais e que voluntariamente expresse o desejo de morrer, além de ter que requisitar uma dose de medicamentos que ponha termo à sua vida.
Jean-Luc Godard foi um dos líderes da Nouvelle Vague francesa e é um dos maiores nomes do cinema moderno. Diretor de grandes filmes como Viver a vida (1962), O Desprezo (1963), Bande à part (1964) e Alphaville (1965), Godard recebeu um Oscar honorário em 2011 pelo conjunto de sua obra. O cineasta já havia manifestado um possível desejo de morrer por intermédio do suicídio assistido em uma entrevista em 2014, na qual declarou: “Não estou ansioso de seguir a qualquer preço. Se estiver doente demais, não tenho vontade alguma de ficar sendo arrastado em um carrinho de mão”.
O que é suicídio assistido?
Comumente confundido com a eutanásia, o procedimento é legalizado em sete países, sendo eles: Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Canadá, Suíça, Colômbia e Alemanha. Enquanto na eutanásia quem administra o meio pela qual se dá a morte é o próprio médico, sendo geralmente uma dose letal de um fármaco, no suicídio assistido o responsável por administrar a dose é a própria pessoa. Como dito anteriormente, é preciso ter uma análise capacidades mentais, uma declaração do desejo de morrer e requisitar os medicamentos.
A legalização do procedimento é uma discussão que ainda gera polêmica na agenda política. O Reino Unido e o país de Gales rejeitaram em 2015 a proposta que institucionalizava o suicídio assistido, depois de uma forte oposição de grupos populares e dentro do próprio parlamento inglês. No Brasil, tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são considerados crimes passíveis de uma pena que pode chegar a seis anos de prisão.