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América Latina e Mundo

“Até que libertem Milagro”.

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Organizações populares se mobilizam pela libertação de uma militante política. Realizam acampamentos e bloqueios de estradas após um mês da detenção da dirigente Milagro Sala, presa por defender os direitos dos trabalhadores no norte do país .

Foto Acampe Plaza de Mayo - #LIBERTADAMILAGRO“Presa política, líder social, defensora dos direitos humanos, indígena, mulher”, diz um dos inúmeros dos cartazes feitos à mão dispostos no acampamento que exige a libertação da militante Milagro Sala, na Praça de Maio, espaço público localizado na cidade de Buenos Aires e cenário de históricos acontecimentos políticos na Argentina.

A prisão de Milagro Sala, primeira presa política do recém-empossado governo do presidente Mauricio Macri, fez com que diversas organizações políticas, sociais e sindicais, se unissem pedindo sua libertação. Em um mês, mais de 200 bloqueios de estradas fizeram com que suas vozes fossem ouvidas. Ao mesmo tempo continua o acampamento que desde janeiro é organizado na chamda “Praça do Povo”, em frente ao Palácio do Governo.

“PROTESTO SOCIAL NÃO É CRIME”,

“MACRI, A ARGENTINA É GRANDE PRA VOCÊ… SAIA OU TE TIRAMOS À FORÇA”.

NOSSA ARGENTINA NÃO SE VENDE”

Estas são algumas das mensagens que podem ser vistas perto da grande tenda branca, com imagens e fotografias que ilustram cozinhas comunitárias em bairros e construções habitacionais. Todas elas, ações levadas a cabo pela militante da Organização Comunitária Tupac Amaru, na província de Jujuy, localizada ao norte do país.

Foto Acampe Plaza de Mayo - bandera TODO PRESO ES POLÍTICO

Foto Acampe Plaza de Mayo - carteles a mano

 

Foto Acampe Plaza de Mayo - carpas y banderas

Sob a bandeira da luta contra a criminalização da organização e dos protestos, essa tenda permanente em Buenos Aires integra o apelo da organização Tupac Amaru, a qual acampa desde dezembro no norte do país em nome da continuação dos trabalhos que desenvolve na região. Já que milhares de cooperativas ficaram sem convenios laborais após a posse dos novos governos, nacional (Macri) e estadual (Morales).

O meandro jurídico

Após as reivindicações do Tupac Amaru na província de Jujuy, em meio ao que os especialistas chamam de “escândalo institucional” e “sequestro legalizado”, Milagro Sala foi detida no seu estado, no dia 16 de janeiro, acusada de dificultar o funcionamento dos transportes terrestres. Dessa forma, fica claro que não foram levados em conta os direitos cidadãos, tais como, o de manifestação pública.

Diante da insustentabilidade de que estivesse detida por essa razão, ela foi libertada, ao mesmo tempo em que voltou a ser acusada e presa. Desta vez, por administração fraudulenta, associação ilícita e extorsão. Sendo deputada estadual, a militante tem foros que não impedem que seja processada, mas impedem que seja detida.

Esta semana, o juiz encarregado do caso voltou a recusar sua libertação sob o argumento de que “existem indícios de que se Sala recuperar a liberdade poderia obstruir a investigação”. Após as medidas mencionadas, integrantes do Parlamento do Mercosul denunciaram os juízes e a fiscal encarregados do caso por ‘privação ilegal da liberdade agravada’.

Foto Acampe Plaza de Mayo - charla, mesa de militantes de la Tupac Amaru Jujuy

Foto Sur - cortes de accesos por Milagro Sala

Foto Acampe Plaza de Mayo - cortes de accesos por Milagro Sala (2)

Foto Acampe Plaza de Mayo - cortes de accesos por Milagro Sala (3)

Foto Acampe Plaza de Mayo - cortes de accesos por Milagro Sala (4)

É bem conhecido como, ao longo da história, os governos antipopulares apadrinhados pelo Poder Judiciário criminalizaram o protesto e procuraram disciplinar o povo. Em declarações à Radio Gráfica da Argentina, a especialista Azucena Racosta, como tantos outros, disse:

“HÁ QUE SE REENFATIZAR QUE MILAGRO SALA ESTÁ DETIDA SEM CAUSA PENAL. ISTO É GRAVÍSSIMO. ISTO NOS FAZ LEMBRAR AS PRISÕES ILEGAIS DA DITADURA. (…) ESTÁ SE FALANDO COMO SE FOSSE UMA GRANDE DELINQUENTE E NA SUA CAUSA PENAL NÃO HÁ NADA PARA QUE SEJA DETIDA. COMEÇARAM A INVESTIGAR APÓS UMA PRISÃO ILEGAL (…) SE NAO COLOCARMOS SALA EM LIBERDADE, NÃO PASSARÁ MUITO TEMPO ATÉ QUE SEJAMOS TODOS CRIMINALIZADOS (…) AQUELE QUE RECLAME POR SEU TRABALHO, PELA DEMOCRATIZAÇÃO DOS MEIOS OU POR UMA EDUCAÇÃO DIGNA SERÁ PRESO SEM CAUSA LEGAL PARA ISSO”.

O papa e apoios internacionais

Foto Télam - Milagro y el Papa en 2014

Foto Télam - Milagro y militantes de la Tupac Amaru

Foto Sur Agencia Fotográfica - misa de Curas en Opción por los Pobres en Plaza de Mayo

“A PARLAMENTAR MILAGRO SALA FOI DETIDA EM SUA RESIDENCIA EM CONSEQUENCIA DE UMA DENÚNCIA FORMALIZADA PELO GOVERNO DA PROVÍNCIA DE JUJUY, ACUSADA DE INSTIGAÇÃO AO COMETIMENTO DE DELITOS E TUMULTOS. A REALIDADE É QUE NÃO FEZ MAIS DO QUE EXERCER, JUNTO A OUTRAS MILHARES DE PESSOAS (…) SEUS DIREITOS À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, REUNIÃO, MANIFESTAÇÃO E PETIÇÃO. (…) SUA DETENÇÃO É UMA MANIFESTAÇÃO DE INTOLERÂNCIA E DE CRIMINALIZAÇÃO DO PROTESTO SOCIAL PACÍFICO. ESTA GRAVE DECISÃO SOMA-SE A OUTRAS MEDIDAS REGRESSIVAS ADOTADAS PELOS ATUAL GOVERNO ARGENTINO EM DISTINTOS ÂMBITOS…”,

afirma um texto assinado por representantes de mais de 20 países. Entre os quais, Brasil, Chile, Bolívia, Espanha, França, Alemanha e deputados da União Européia.

Também foi apresentada solicitação à Comisão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que outorgue medidas cautelares que libertem Milagro Sala e garantam o direito ao protesto social. Até o momento, os requerimentos incluem diversas instituições ligadas aos direitos humanos, como: Mães e Avós da Praça de Maio, HIJOS, Assembléia Permanente pelos Direitos Humanos, ONU, entre muitos outros.

Outro ponto-chave. O papa Francisco, antes de sua viagem ao México, enviou um rosário abençoado a Milagro, por meio de um de seus colaboradores próximos na Argentina. “Coco” Garfagnini, do Tupac Amaru, explicou em declarações à imprensa que Enrique Palmeyro, enviado pelo papa, levou o rosário à tenda localizada na Praça de Maio e manifestou a preocupação do pontífice pela prisão de Milagro.

Isto acumula certas tensões ao encontro de Francisco com o presidente argentino, que está previsto para o próximo dia 27 de fevereiro. Antes da entrega do rosário, sacerdotes do núcleo de Padres em Opção pelos Pobres pediram na Praça de Maio, que o papa não receba Macri até que libertem a militante. “Temos uma irmã presa política”, afirmaram na missa que celebraram no acampamento. Nesse sentido, diversos grupos colocaram em ação uma campanha nas redes sociais para chegar ao sumo pontífice: @Pontifex_es #PapaFranciscoNoRecibasAMacri hasta que#LiberenAMilagroSala

Pela libertação de Milagro

A organização comunitária dirigida por Milagro tem o nome do líder que levou adiante a maior rebelião anticolonial indígena do continente americano: Tupac Amaru. Esse grupo surgiu na década de 90 no norte da Argentina e começou organizando a distribuição de leite para crianças, em tempos onde a fome era moeda corrente. Até hoje, construiu milhares de moradias, restaurantes populares, centros de atenção à saúde básica e espaços educativos de todos os níveis, parque aquático, centro cultural, fábricas e oficinas cooperativadas. Tudo isso para um setor social que nunca havia tido acesso a esses direitos.

Foto Tupac Amaru

Diferentes organizações se uniram pela liberação de Milagro e pela defesa da organização popular que gerou postos de trabalho e acesso a direitos, bem como para repudiar a criminalização do protesto. A um mês de sua prisão, além da manutenção da tenda com atividades diante do Palácio do Governo, mais de 40 organizações participaram no último dia 17 de fevereiro, de uma jornada nacional de luta, com interdição de todos os acessos à cidade de Buenos Aires e em várias províncias do país.

O militante “Coco” Garfagnini, do Tupac Amaru, anunciou em uma coletiva de imprensa: “Na grande jornada nacional de luta, não poderá circular um único carro na Argentina até que libertem Milagro Sala”. Foram 200 interdições em todo o país que bloquearam ruas, pontes e estradas durante várias horas.

Sala ainda continua na mesma situação. Além das vias judiciais em andamento, a militância organizada combate e continua o protesto para que libertem Milagro, que – tal como afirmam pessoas próximas – está completamente consciente das manifestações que estão sendo levadas a cabo. Nesse sentido, no próximo dia 24 de fevereiro haverá paralisação nacional de trabalhadores e trabalhadoras, contra as dispensas em massa. Nessa jornada, como não podia deixar de ser, voltarão a levar a bandeira pela libertação de Milagro.

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América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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