Minas ganha o primeiro presídio LGBTQIA+ do país após suicídios

Depois de cinco casos de autoextermínio, governo decidiu criar penitenciária exclusiva para presos autodeclarados gays, lésbicas, travestis e transexuais
Presídio de São Joaquim de Bicas, na Grande Belo Horizonte

Foi preciso que cinco pessoas praticassem o suicídio e duas tentassem o autoextermínio para que Minas ganhasse o primeiro presídio exclusivo para a população LGBTQIA+ do país. Na moita, sem alarde, no dia 15 de junho a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) transformou a Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na Grande Belo Horizonte, na primeira unidade prisional do Brasil dedicada exclusivamente a presos autodeclarados gays, lésbicas, travestis e transexuais. Em 2010, o local tinha recebido uma ala exclusiva para estes presos, mas a coisa não ia bem: estupros, superlotação, violência praticada por agentes penitenciários, condições precárias, e por aí vai.

A iniciativa, inédita, não ocorreu à toa. Foi determinada após a Defensoria Pública de MG ajuizar Ação Civil Pública contra o Estado por omissão na preservação da vida aos presos que se mataram devido à superlotação e exigir indenizações. Pesou no bolso. Os suicídios aconteceram entre janeiro e junho deste ano. A administração da penitenciária já tinha sido advertida sobre o agravamento da saúde mental das detentas e não tomou providências, segundo a denúncia. As mortes, por enforcamento ou overdose provocada por medicamentos de tarja preta, ocorreram em 13 de janeiro, 2 de abril, 4 de maio, 9 de maio e 18 de junho. As tentativas de suicídio, nos dias 12 e 15 de maio. 

Criada para ser um presídio misto, para homens e mulheres, a Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria tornou-se unidade obrigatoriamente masculina em 2010, quando foi concebida a primeira ala LGBTQIA+ de Minas Gerais. Com a recente mudança, a Sejusp transferiu o público masculino, cisgênero e heterossexual ali custodiado para outras prisões da região metropolitana da capital mineira.

Com a transformação da penitenciária de São Joaquim de Bicas na primeira unidade prisional LGBTQIA+ do país, uma série de reformas estruturais foi iniciada na prisão. Conforme a Sejusp, um pavilhão será reestruturado, e outro receberá nova pintura. As reformas já estão em andamento.

Agora, todos os presos autodeclarados LGBTQIA+ em Minas passam a ocupar a Penitenciária Jason Albergaria

A primeira ala LGBTQIA+ do sistema carcerário de Minas havia se tornado referência na recepção de internos autodeclarados LGBTQIA+ de todas as regiões do estado, mas ela gerou algumas reclamações porque afastou as pessoas presas da proximidade de seus parentes e amigos(as), no caso de detentos do interior.

Agora, segundo o jornal O Tempo, a conversão da Jason Soares Albergaria em penitenciária LGBTQIA+ é questionada pela antropóloga Vanessa Sander. Especialista nas relações entre prisão e gênero, foi ela quem denunciou à Assembleia Legislativa a série de mortes ocorridas na ala dedicada a esse público na unidade prisional. “Em meus estudos reparei que o sistema prisional responde a seus problemas com medidas de ampliação. Ou seja, eles decidem solucionar os problemas do cárcere criando mais cadeias em vez de adotar medidas de desencarceramento que foram encorajadas, inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça com a pandemia”, disse a antropóloga.

Já a defensora pública Camila Gomes espera que a mudança implique um olhar mais atento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública para a população LGBTQIA+ encarcerada: “Temos esperança de que seja uma mudança para melhor. Concentrar o grupo LGBT em único presídio facilita que demandas específicas dessa população sejam atendidas. Quando havia pavilhões masculinos e a ala LGBT, parecia mais complicado dar um tratamento com respostas às demandas próprias de cada grupo”, observou.

Para a antropóloga Vanessa Sander, a transformação imposta não impede problemas como a superlotação. “Quando comecei meus levantamentos, a ala LGBTQIA+ ocupava o menor pavilhão dessa penitenciária. A ala começou a superlotar e passou a funcionar em dois pavilhões. Imagino que acontecerá o mesmo agora com a conversão da cadeia toda. É um ciclo de superlotação que não terá fim”, acredita.

Segundo a Sejusp, o objetivo do governo em tornar o presídio uma unidade exclusivamente LGBTQIA+ é direcionar ações específicas para esse público da massa carcerária. “A região metropolitana de Belo Horizonte é onde mais se acautelam presos. O objetivo com a mudança é criar uma unidade mais exclusiva para o público LGBTQIA+, com ações direcionadas especificamente para esses presos”, alega.

A taxa de ocupação do presídio atual é de 65%, com até quatro presos por cela. Antes da transferência dos presos dos pavilhões masculinos, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos constatou uma superlotação de 113% na Ala LGBTQIA+ da Jason Albergaria Soares em visita técnica feita em 2020.

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