No dia 18 de junho, a mulher trans Kalyndra Selva, de 26 anos, foi encontrada morta em sua casa na zona sul de Recife com sinais de asfixia. O companheiro dela que é o principal suspeito pelo crime, passou por audiência de custódia e foi solto. Alguns dias depois na madrugada de 24 de junho, Roberta Nascimento, de 40 anos, travesti negra e em situação de rua, teve mais de 50% de seu corpo queimado no centro da cidade após um adolescente jogar um líquido inflamável e atear fogo. Teve os dois braços amputados por necrose e até o momento seu estado é gravíssimo. No último dia 05 de julho, a cabeleireira Crismilly Pérola, de 37 anos, foi encontrada morta na zona oeste de Recife com uma perfuração provocada por arma de fogo.
Por Leo Moreira Sá*
“O que tá acontecendo no Recife não são casos isolados. Em 2019, no meu texto pro dossiê anual da Antra, chamei de transfemigenocídio o que tá acontecendo com as travestis e mulheres trans no Brasil.”
Essas são as palavras da ativista Caia da NATRAPE – Nova Associação de Travestis e Transexuais de Pernambuco que acompanhou de perto esses crimes que aconteceram em menos de um mês na sua cidade. Ela conta que assim que chegou no Hospital da Restauração onde Roberta está internada observou o descumprimento da portaria do Ministério da Saúde que garante o tratamento adequado a pessoas trans.
“As assistentes sociais, porteiras, seguranças insistiram em tratá-la com os pronomes masculinos, mesmo depois de serem corrigidas incisivamente. A justificativa era que Roberta tinha dado entrada no hospital com nomes masculinos e encaminhada pra ala errada.”
Caia pontua que o direito à cidade é um ponto fundamental da discussão. Roberta estava em situação de rua quando foi queimada viva. Onze meses antes, no mesmo local, outra travesti – Lady Gaga – foi esfaqueada até a morte.
“Estamos submetidas coletivamente ao constante risco de morte e, com isso, nossa humanidade está ameaçada. Mas exigiremos até o último segundo podermos viver e circular pela cidade em segurança.” concluiu a ativista Caia.
No dia 06.07 uma coalizão dos movimentos trans de Pernambuco teve uma reunião com o Poder Legislativo e com o Secretário de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude e estão no processo de elaboração de um documento pra entregar ao Governador.
Segundo a ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais 175 pessoas transfemininas foram assassinadas no Brasil em 2020, um aumento de 41% em relação ao ano anterior em 2019 com 124 assassinatos.
No país que tem o triste título de campeão mundial em crimes por transfobia, a reação da comunidade trans veio nas 294 travestis , mulheres trans e pessoas transmasculinas que concorreram nas eleições de 2020 sendo 30 eleitas e cumprindo mandatos em 2021.
Segundo um texto publicado no site da Antra “as novas eleitas terão o dever de se posicionar sobre a importância de visibilizar esses corpos nas câmaras municipais, e defender a nossa existência nos representando e atuando em prol de nossa população.”
*Leo Moreira Sá é ator artivista, dramaturgo, roteirista e designer de luz. Cofundador do CATS- Coletivo de Artistas transmasculines. Leia outro texto de Leo AQUI