Paula Johns, diretora geral da ACT Promoção da Saúde
Cerca de 80 milhões de doses de vacina contra a covid poderiam ser oferecidas para brasileiras e brasileiros por meio dos R$ 4,7 bilhões arrecadados com o acréscimo de 20% na tributação de bebidas adoçadas, categoria que inclui refrigerantes e sucos de caixinha, que, comprovadamente, fazem mal. Parece bom, não? Mas pode ser ainda melhor se levarmos em conta que o aumento do preço final desses artigos representaria uma queda no consumo. E, consequentemente, teríamos a redução do número de casos de doenças que sobrecarregam o Sistema Único de Saúde (SUS). Estamos falando de obesidade e diabetes que também estão associadas ao agravamento dos casos de Covid.
Tem mais. Mesmo sem acreditar que exista o dilema entre saúde e economia, é preciso dizer que o aumento de impostos sobre bebidas adoçadas seria um bom remédio para a economia do Brasil. Segundo estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendado pela ACT Promoção da Saúde, organização que trabalha com políticas públicas de saúde, a medida favoreceria a criação de 69.6 mil empregos e acrescentaria R$ 2,4 bilhões ao PIB.
Os dados da pesquisa confirmam tendência apontada em relatórios internacionais e endossam recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade enxerga a tributação mais onerosa como meio eficaz de promover a queda de consumo desses itens e, dessa forma, colaborar na prevenção de doenças como diabetes, obesidade e câncer.
A OMS chama atenção para o impacto desses agravos no orçamento dos governos e defende a criação de mecanismos para garantir que a arrecadação desses impostos seja destinada a políticas públicas de saúde. Ou seja, se o setor de bebidas açucaradas é responsável pelo desenvolvimento de doenças tratadas pelo SUS, faz todo sentido que, de alguma forma, ajude a pagar conta.
Não estamos sozinhos. Mais de 60% dos brasileiros concordam com o aumento de tributos das bebidas adoçadas, revelou um levantamento Datafolha/ACT, de 2019. Os entrevistados acham que deve se adotar preços mais altos para esses produtos, seguindo a experiência bem-sucedida com o controle do tabagismo.
Países como Inglaterra, França, África do Sul, Chile Noruega, Finlândia, Portugal, México já sentem o impacto positivo da iniciativa. O exemplo do México, maior consumidor de bebidas açucaradas do mundo, merece destaque. Um ano depois do acréscimo de 10% nos tributos, a vendas caíram 5,5%. O índice baixou ainda mais dois anos depois e a queda do consumo chegou a 9,7%. Paralelamente, houve um aumento na distribuição de água.
No caso específico do Brasil, a iniciativa ainda acabaria com uma distorção. O xarope de açúcar fabricado na Amazônia, usado pela indústria de refrigerantes no Brasil e em mais cinco países da América do Sul, tem um ingrediente secreto: subsídios governamentais. Benefícios obtidos à custa de manobras fiscais que garantem isenções tributárias na Zona Franca de Manaus.
Privilégios que, fora da Amazônia, geram créditos tributários, graças a brechas fiscais que envolvem, segundo apuração da Receita Federal, a compra superfaturada de xarope de açúcar, por empresas engarrafadoras estabelecidas em todas as regiões do Brasil.