Parangomonstro e os imortais da Semana de Arte Moderna de 1922.
Esta série de fotografias é uma bem humorada analogia com os Parangolés de Hélio Oiticica que agora servem de disfarce a um monstro que nos remetem aos seriados tokusatsu da TV. O Parangomonstro é uma aventura psicogeográfica, sua cartografia é um sobrevoo pela cidade, seus lugares cinzentos, entre prédios, viadutos e cemitérios, faz também alusão a morte do sonho modernista, o fim da utopia das cidades e da arte. Nas cinzas deixadas pelo esquecimento, nosso personagem assume, com humor pop, a deriva* nas relações e nos contextos em que se imbricam os eventos culturais como resistência à entropia.
A obra “Parangomonstro” faz uma crítica ao próprio sistema de arte, nas palavras do artista: a princípio qualquer coisa pode ser arte e participar desse sistema, basta ser acolhida. A partir dessa constatação e ao longo de toda a sua trajetória, Tulio Tavares, a exemplo de Duchamp e Manzoni, atravessa os limites do que pode ser, do que é, e do que não pode ser Arte.Nesta série, soma-se um elemento essencial que surge no interior de sua narrativa: “a morte” – representada pelos túmulos de vários ícones da Semana de Arte Moderna de 22. Essas imagens conotam o fim de toda aquela aventura, o desabamento, assim como a extinção do período natural da vida, onde toda aquela realidade desaparece.
Degustando algo sem forma, sem medida ou densidade como a morte, emerge o monstro num último ato antropofágico, como um historiador de um tempo contínuo que ainda respira. Afinal a ciência não pressupõe pensamento que se dê fora das condições de um cérebro vivo, então cabe ao monstro vasculhar as ossadas e ir encaixando-as nesta história, meio cômica e ao mesmo tempo trágica, de um espírito parango, um espírito moderno e um espírito histórico. Voando por sobre os túmulos e avenidas com a desenvoltura de uma fênix, ou como um morcego a esconder-se num viaduto de uma melancólica São Paulo, esta mistura de Macunaíma com Godzilla, não destrói a cidade nem seus heróis, apenas a lamenta e a sobrevoa como os anjos de Win Wenders, procurando aquele elo invisível que nos une ao eterno.
Entretanto, há otimismo nesse cenário. Sua relação com o tropicalismo de Hélio Oiticica – esteio para transformar a vida através da arte e da interação –, a energia que a arte proporciona e o que ela articula para fora dela mesma configura o elemento dinâmico e informal desse monstro. Quase que sem pedir permissão aos seus contemplados, o Parangomonstro dá a sua versão do fim da arte como projeto das utopias formais. O satisfeito monstro antropófago prenuncia uma arte que não é mais aquela das várias aventuras idealizadas da forma ou da genialidade da expressão.
Narrando a própria ficção: a reunião da performance, da fotografia e da colagem, insere-se em contextos ativados por outros campos, por exemplo: ao invés da galeria, o cemitério, em vez do ensaio, o happening. Como nas HQs, nosso anti-herói vai aos saltos, recolhendo os vestígios, as vibrações que estão em toda parte, nas situações mais inesperadas. Carregando-os, mudando suas posições no espaço tempo, o amável monstro conta sua história.
Rubens Zaccharias Jr.
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Notas
* Deriva: Modo de comportamento experimental ligado ás condições da sociedade urbana: técnica da passagem rápida por ambiências variadas. Diz-se também, mais particularmente, para designar a duração de um exercício contínuo dessa experiência. (Paola B. Jacques – org.- Apologia da deriva. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, p. 65).
* Fotos: Antonio Brasiliano
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Minibio
Túlio Freitas Tavares. Intervenções urbanas, performances, manipulações da mídia, projetos curatoriais e mostras de arte somam-se a desenhos, pinturas, vídeos e fotografias. Os trabalhos transitam por espaços públicos e privados da cidade, muitas vezes aplicados sobre a vida cotidiana, acompanhando as inquietações, desafios e contradições da vida na grande metrópole. Simultaneamente o autor produz trabalhos que exploram liberdades temáticas, discussões técnicas e estéticas, assuntos unicamente referentes à arte. O trabalho acontece entre museus, galerias, equipamentos públicos, publicações, ruas e ocupações. Apesar da diversidade dos trabalhos, eles estão todos dentro das discussões relativas à arte no mundo contemporâneo.
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Para conhecer mais o trabalho do artista
https://www.behance.net/gallery/85207105/O-Voo-do-Parangomonstro
https://tuliotavares.wordpress.com/
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Rubens Zaccharias Jr. É artista e pesquisador em artes visuais. Graduado pela FAAP e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, já participou de mostras coletivas e individuais no Brasil e no exterior, destacando a individual “Paisagem Mínima e Outras Paisagens” Mube 2012. Possui obras nos acervos do Museu de Arte Rio (Grupo Nova Pasta), MAB, entre outros. Foi professor e orientador em cursos de graduação e pós- graduação no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, UNESP (Redefor) e Faculdade Paulista de Arte, além de ministrar palestras e aulas abertas destacando “Gilles Deleuze e a pintura” Casa Plana 2017 e “A cor na arte” Instituto de Física USP 2018. Atualmente é curador independente no programa de exposições do Rizoma Ateliê. http://rubenszacchariasjr.blogspot.com.br
Fotos: Antonio Brasiliano. Desde 2000, Antonio Brasiliano vem apurando o olhar, acumulando experiências no Brasil e no exterior e ampliando a área de atuação, da fotografia para o audiovisual. Paulistano, aprimorou especialmente o trabalho como retratista, em uma busca constante para estabelecer relações de confiança com os fotografados e a captura de expressões para além do óbvio. https://www.antoniobrasiliano.com.br/
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O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos e imagéticos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, de quintal, de rua, documentação desses dias de novas relações, essenciais, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.
Outros ensaios deste projeto: https://jornalistaslivres.org/?s=futuro+do+presente