Por cidadania e dignidade

Foto: Nicole Marinho

Ativistas da luta antimanicomial ocupam ruas e praças no país inteiro pedindo a revogação da nomeação do coordenador de saúde mental. Para eles, o caminho é tratar o sofrimento mental com liberdade, acolhimento e carinho.

Por Agatha Azevedo (Mídia NINJA), para os Jornalistas Livres

Em Belo Horizonte, centenas de pessoas foram à Praça da Assembleia mostrar a insatisfação com a indicação do nome do antigo diretor técnico da Casa de Saúde, Dr. Eiras de Paracambi, fechada por violação de direitos humanos. “Hoje a gente está aqui numa manifestação que já é nacional, pedindo a saída do coordenador de saúde mental, recém nomeado, Valencius Wurch, que foi na década de 80 um participante do movimento manicomial e diretor do maior hospital psiquiátrico da América Latina.”, diz Ana Paula Novaes, gerente do Centro de Convivência Venda Nova.

Foto: Nicole Marinho

O grito dos profissionais da área psiquiátrica e psicológica, e dos usuários dos chamados serviços substitutivos, é um temor à volta do período no qual as pessoas em situação de sofrimento mental eram tratadas de forma sub-humana e permaneciam durante anos em situação degradante. “Nós tivemos uma anomalia chamada indústria da loucura, uma máquina na época da ditadura militar, onde houve um favorecimento do manicômio como uma forma de contenção de tensões sociais — o sujeito está dando problema, manda ele pro manicômio!” explica Marcus Vinícius de Oliveira, militante luta antimanicomial/ Movimento por uma sociedade sem manicômios.

Foto: Nicole Marinho

Segundo Marcus Vinícius, a luta antimanicomial surge no Brasil em 1987, muito vinculada ao crescimento de quase 400% no número de leitos em manicômios no país e à capitalização do setor da saúde, gerando inúmeros hospitais psiquiátricos privados. “O Movimento por uma sociedade sem manicômios traz uma nova perspectiva: nós não queremos melhorar os manicômios, nós queremos fechar os manicômios. Quando você fecha e diz que não vai ter mais manicômio, você tem que responder a uma certa pergunta: — E o que você vai fazer com os loucos? Até então, os loucos iam para os hospícios. Se você não vai mandá-los para lá, para onde? Aí nasce um processo de reforma até mesmo sanitária e psiquiátrica e construção de um SUS antimanicomial.”

Na visão da classe que lida diretamente com o sofrimento mental, é possível que o tratamento dessas pessoas seja feito apenas pelos serviços substitutivos, “Queremos que se fechem os manicômios a medida que vão se abrindo os serviços substitutivos, a lei diz isso, mas já tem uma conversa de que é possível a convivência com um bom hospital e o serviço substitutivo. Nós somos radicalmente contra, pois ainda que seja uma gaiola de ouro, o passarinho vai estar preso.”, indaga Marta Soares, militante da luta antimanicomial/ membro da Associação Suricato.

Marta Soares , militante da luta antimanicomial/ membro da Associação Suricato. Foto: Nicole Marinho

Ainda sobre a privação de direitos, o deputado federal Adelmo Leão reforça que “nas condições de sofrimento mental, o tratamento não se faz com restrição de liberdade, não se faz com opressão, não se faz com afastamento, mas se faz com um ambiente o mais acolhedor possível, o mais respeitoso possível, e o mais democrático e livre possível.” Neste sentido, Ana Paula contextualiza: “o histórico da nossa luta mostra que é possível cuidar das pessoas em liberdade. Minas Gerais tem um histórico de construção de uma rede substitutiva de hospitais psiquiátricos, Belo Horizonte hoje é referência nacional.”

Sobre os avanços, Marcus Vinícius apresenta estatísticas promissoras. “Nós conseguimos que a reforma psiquiátrica se ampliasse e hoje nós temos 2 mil e trezentos serviços substitutivos públicos pelo país. Daqueles 100 mil leitos, nós conseguimos fechar 77 mil. Nós conseguimos um conceito de cidadania, nosso movimento social sempre trabalhou em sinergia com a política pública, que é produzir liberdade para os loucos.”

Foto: Nicole Marinho

Nos manicômios, era comum ocorrerem óbitos. Grande parte dos quadros de sofrimento mental regrediam e se agravavam e muitas pessoas eram abandonadas por suas famílias dentro de um sistema que impossibilita a reabilitação, além dos inúmeros casos de pessoas contra a ditadura e LGBTs que acabavam sendo colocadas neste tipo de instituição.

Distante dessa realidade, a proposta dos serviços substitutivos é a da readequação do indivíduo em sociedade.“A gente não interna ninguém, numa situação de crise a gente tem a opção de pernoite, mas o sujeito continua o tratamento nas Unidades Básicas de Saúde próximas às suas casas, e é acompanhado pela equipe de saúde mental e do programa de saúde da família. Para estes usuários que perderam vínculo, sociabilidade e laço social, o centro entra para possibilitar que as pessoas reconstruam as suas vidas. A partir da arte, da criatividade, da liberdade, essas pessoas podem ter uma nova possibilidade de vida e resgate da cidadania.”- explica Ana Paula Novaes, sobre o funcionamento do Centro de convivência Venda Nova.

Fotos: Nicole Marinho

Olhar o outro na sua individualidade, respeitando-o e ajudando-o, é o ponto chave para o tratamento do sofrimento mental. “A chave é compreender o motivo pelo qual ele sofre, afinal, o sintoma é a expressão do sofrimento. Nossa busca é por um local onde as pessoas com distúrbios mentais sejam aceitas na sua forma de ver o mundo e respeitadas enquanto cidadãs. Gente é morar, tratar e conviver, a reforma psiquiátrica tem dialogado com a construção de lugares onde se aborda o problema mental de maneira solidária, voltada à compreender as pessoas, e não à normalizá-las”, explica Marcus Vinícius.

Rumo à pátria sem manicômios, o movimento ocupa no momento a sede do Ministério da Saúde, na sede da coordenação e só pretende parar as suas ações quando Valencius Wurch for exonerado do cargo de coordenador nacional de saúde mental.

Foto: Nicole Marinho

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