PMs extorquiam, torturavam e matavam criminosos que não pagavam propina

Investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro revelou esquema de PMs, que envolvia corrupção, torturas, extorsão e assassinatos
PM aponta arma para motorista no RJ. - Foto: Internet/Reprodução

Mais uma denúncia de corrupção e abuso de poder e assassinato cometidos por PMs nas comunidades do Rio de Janeiro é feita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Em fevereiro de 2020, o PM Adelmo Guerini foi transferido para o batalhão de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Chegou perguntando sobre a rotina dos serviços e recebeu como resposta uma avaliação do esquema de corrupção que já acontecia. O colega Oly Biage disse:  “Só é fraco $. Pegar alguém é merreca”, se referindo a propina exigida para soltar criminosos presos. “Mas o coronel quer caixão”, retrucou Guerini — mencionando o tenente-coronel André Araújo, que também estava chegando ao batalhão. Biage encerrou a conversa: “Vai matar muito lá”.

Por: Dani Alvarenga

A promessa foi cumprida. Mensagens do celular do PM Adelmo Guerini revelaram que, só na primeira semana de serviço, ele e seus companheiros mataram um homem e desviaram R$2,7 mil. O aparelho foi apreendido na Operação Gogue Magogue, em 2020. Nele, Guerini mencionou ter participado de quatro operações que resultaram em mortes. Os PMs agiam como deuses que determinavam quem vivia e quem morria dentro das comunidades. Em duas dessas ações, os agentes são acusados de desviar parte do material apreendido. Já nas outras duas, as mensagens revelam que os criminosos foram mortos porque não pagaram propina aos policiais. 

No dia 6 de fevereiro, Oly Biage, colega de crime de Guerini, enviou, sem a menor cerimônia ou constrangimento, 2 fotos de ocorrências na favela Vila Ruth, em São João do Meriti: uma delas tinha um homem morto, com um tiro no peito. Na outra imagem, havia apenas uma pistola apoiada em um banco. Na sequência, Guerini contou nas mensagens que também “tinha 2.7” seguido de um “$”. No entanto, o dinheiro nunca chegou à delegacia. O registro de ocorrência fala em apreensão de drogas e de munição, e que a morte do suspeito foi em razão de ‘troca de tiros”.

O PM  Biage, durante as mensagens, ainda parabenizou o colega pela ocorrência e deu uma dica: “Isso aí, moleque, isso aí! Outra favela boa que você vai gostar: Favela da Linha, mané. Boa de trabalhar também, entendeu? A gente falava que lá era o shopping, mané. Quando queria fazer um saque rápido, ia lá”, contou, num áudio. As mensagens revelam que os PMs tratavam a Baixada Fluminense como seu parquinho de diversões onde roubar e matar era liberado. 

No mesmo dia, os mesmos PMs assassinaram um adolescente de 14 anos, que voltava para casa após uma consulta com o psicólogo. O compromisso do jovem fazia parte de um processo de adoção. Luiz Antônio de Souza Ferreira da Silva tentava ser adotado após sua mãe morrer vítima de um câncer. Moradores locais relataram que a patrulha de Guerini entrou na favela atirando e, ao atingir o adolescente, não prestaram qualquer tipo de socorro. 

A investigação comprovou também que o PM Guerini e seus colegas faziam, regularmente, “incursões policiais que tinham o nítido objetivo de matar traficantes que não realizavam o pagamento de propina”. Uma dessas operações aconteceu em 26 de março de 2020 no Morro do Embaixador, em Meriti. Após a operação, foram enviadas fotos de um homem morto, com uma marca de tiro nas costas, seguidas do comentário: “Aí compadre, menos um” e “Bala no rabo deles”. Em seguida, o próprio Guerini contou que o criminoso só foi morto porque se recusou a pagar propina aos agentes: “Pq esse falou se a barca quiser $ vem buscar”.

Outra troca de mensagens encontrada no celular do PM  Guerini mostra que a equipe também desviava material apreendido em operações para pagar pelo “serviço” de informantes. Guerini foi preso em maio de 2021 durante a Operação Mercenários, mas as descobertas ressaltam que o sargento não é o primeiro e nem será o último a perpetuar a lógica da necropolítica dentro dos batalhões da polícia militar. 

Durante seu tempo no 21º batalhão, os homicídios em operações policiais explodiram em São João de Meriti. Contudo, a ironia é que não houve impacto nos dados de produtividade policial na área. Em comparação ao ano anterior, despencaram os números de apreensões de drogas (31% a menos), fuzis (46%) e pistolas (22%). Também caíram, na região, as prisões em flagrante (37%) e o cumprimentos de mandados de prisão (42%).

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