Paulo Freire e suas ideias libertárias sobre educação continuam a incomodar os setores mais conservadores do país. Apesar de todos os predicados, experiências bem-sucedidas, obras e títulos conquistados por Freire ao longo de sua vida, o atual governo tem o costume de desrespeitar seu pensamento, o que explica o silêncio das autoridades diante da data, 19 de setembro, que celebra o centenário do educador e filósofo.
Os sucessivos ataques de extremistas apoiadores de Bolsonaro arrancaram decisão liminar da Justiça do Rio de Janeiro, que proibiu o governo federal de atacar a dignidade de Freire, considerado patrono da educação brasileira.
Entre outras barbaridades, Jair Bolsonaro já o chamou de “energúmeno”, revelando total desconhecimento da importância de Paulo Freire no cenário educacional e político do Brasil. Milton Ribeiro, o quarto ministro à frente do Ministério da Educação, uma das pastas que mais leva a sério a ala ideológica do núcleo bolsonarista, declarou que Freire”transplanta valores do marxismo e tenta incluir dentro do ensino e da pedagogia” (Gazeta do Povo).
Ironia do destino essa a de Paulo Freire. Filho de um capitão da Polícia Militar de Pernambuco e de uma dona de casa, ele nasceu em Recife no dia 19 de setembro de 1921. Foi para a escola aos 6 anos já alfabetizado pela mãe — ela o ensinou a ler no chão de terra do quintal. Adulto, foi professor de português, se formou em Direito e concluiu doutorado em Filosofia e História da Educação.
Mas foi nos anos 1960, quando as escolas eram radicalmente tradicionais, valendo-se de fichas e repetição de datas, números e fórmulas, que Freire iniciou, junto com sua equipe, as primeiras experiências de alfabetização popular. Em Angicos, o grupo de Freire alfabetizou adultos em menos de dois meses. Só que o método não ambiciona apenas tornar rápido o aprendizado, ele quer habilitar o estudante a “ler o mundo”, como Freire dizia.
A vivência em Angicos chamou a atenção do então presidente João Goulart. Empenhado em fazer reformas de base, convidou Freire para coordenar um programa que ajudaria a alfabetizar grande número de adultos em todo o país. Freire aceitou, mas depois de uns meses o golpe de 1964 interrompeu o programa. Mais do que isso: acusado pelo regime militar de promover ideias “subversivas e marxistas”, Freire foi preso.
Ao sair da prisão, mais de dois meses depois, ele deixou o Brasil. Durante o retiro compulsório no Chile, ele publicou no Brasil, em 1967, seu primeiro livro, Educação como Prática da Liberdade. No ano seguinte, lançou Pedagogia do Oprimido, um de seus mais conhecidos e populares trabalhos. Foi traduzido para vários idiomas, mas por causa do regime militar, o livro só foi publicado no Brasil seis anos mais tarde.
Em Pedagogia do Oprimido, Freire defende a alfabetização como agente de mudanças na sociedade — mudanças, diga-se, em todos os sentidos da existência humana. A educação como desenvolvimento da consciência crítica, emancipando o indivíduo por meio do pensamento crítico e libertário.
“Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.” Essa dedicatória que Paulo Freire imprimiu na obra. Em outras palavras, ele detalha as relações entre opressores e oprimidos.
Paulo Freire voltou ao Brasil em 1980, um ano depois da anistia, e também fez história no campo político. Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo, e atuou como supervisor para o programa do partido para alfabetização de adultos. Também foi secretário municipal de Educação na gestão petista de Luiza Erundina, onde criou um modelo de programa público de apoio a salas comunitárias de educação de jovens e adultos.
O educador patrono da Educação
Autor de diversos livros e patrono da educação brasileira desde 2012, Pauli Freire morreu em 2 de maio de 1997 de infarto. Desprezado pelos militares, segue desrespeitado pela atual condução pública da educação do Brasil. Só para constar: relatório da OCDE, divulgado em 16 de setembro de 2021, informa que o gasto público total com educação no Brasil não teve aporte de recursos para reduzir os prejuízos de aprendizagem durante a pandemia. É assim que funciona em regimes obscuros. Sem verba e sem homenagem a quem fez muito por este país. O MEC silencia, mas o mundo grita (e estuda) Paulo Freire.
3 respostas
Lindo texto!!!
Muito lindo seu texto, Fernanda.
Salve o Centenário de nosso Perene e maior Mestre Paulo Freire!