Mil dias: o método Bolsonaro de governar

Em mil dias, governo Bolsonaro reúne elenco polêmico, mais de 30 violações de direitos humanos e retrocessos, segundo a Anistia Internacional, além de uma persistente inoperância

Por Fernanda Cirenza | Jornalistas Livres

Chegamos à inacreditável marca de mil dias de governo Bolsonaro com dados alarmantes. Enquanto o chefe do executivo considera a pandemia do coronavírus uma “gripezinha”, 594 mil brasileiros até agora perderam suas vidas por conta da doença. Nesse período, muitos outros deboches foram proferidos pelo líder máximo do país e seu elenco. O atual ministro da Saúde, por exemplo, num ato recente de fúria, mostrou o dedo do meio para ofender manifestantes contrários ao atual estado de coisas. Ele deu o seu recado. Danem-se nós.

O mau uso do poder não é exatamente uma novidade. Houve ministro que sugeriu “passar a boiada”, que vai passando mesmo com nova liderança na pasta, que atua pela continuidade dos interesses do agronegócio. Para piorar o rol de más notícias, as grandes culturas de soja e milho já transformaram o Brasil no principal comprador de agrotóxicos do mundo – alguns considerados “muito perigosos ao meio ambiente”, de acordo com o Ibama.

Longa dança das cadeiras na Educação. Primeiro, tivemos de lidar com a ignorância astuta de Abraham Weintraub, que fez uma gestão marcada pelo contingenciamento de verbas para as instituições de ensino superior, corte em bolsas da Capes na área de Ciências Humanas e Sociais e ataques racistas a povos indígenas. Também houve xenofobia contra chineses, declarações incitando estudantes a filmar professores em sala de aula e ataques a Paulo Freire. O ex-ministro chegou a ser condenado pela Justiça ao dizer que universidades “fabricam drogas e cultivam maconha”.

Ele também fica para a história como o ministro da Educação que não sabe português. São dele frases que nos fizeram rir de vergonha. Foi assim quando escreveu em sua rede social: “Haviam (sic) emendas parlamentares de R$ 55 milhões para recuperar o museu” ou “com a redução de bolsistas de mestrado e doutorado, há paralização (sic) de pesquisas e risco de evasão de pesquisadores para atuação no exterior, comprometendo o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país”.

Muda-se o ministro. Sobe o teólogo Milton Ribeiro, o quarto titular do MEC deste governo de mil dias. Em pouco mais de um ano no comando, ele coleciona frases memoráveis, como dizer que existem crianças “de impossível convivência” e que as universidades deveriam “ser para poucos”.

Paulo Guedes segue firme, mesmo com a economia em frangalhos. O IPCA-15 divulgado semana passada informa inflação de 1,14% em setembro. Já o PIB teve queda de 0,1% no segundo trimestre do ano em relação ao primeiro trimestre. Os números se fazem compreender quando obrigam uma mudança drástica no prato dos brasileiros: com a alta nos preços dos alimentos, recorremos ao osso e ao fragmento de arroz.

Damares Alves anda meio sumida. Mas de Jesus na goiabeira a silêncio em coletiva, passando por declaração “menino veste azul e menina veste rosa”, a titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos reúne um acervo de situações, digamos, controversas. Por exemplo, disse ser “mestre em educação” e “em direito constitucional e direito da família”, títulos acadêmicos que não possui.

Essa é apenas parte das bizarrices de parte do elenco deste governo que, de acordo com documento da Anistia Internacional que avalia os mil dias de Bolsonaro, cometeu mais de 30 violações de direitos humanos e retrocessos. O documento começa pela condução da pandemia e cita o pronunciamento que Bolsonaro fez minimizando o risco da Covid-19. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho” (2020).

Bolsonaro mente

A Anistia denuncia a ausência de políticas específicas para determinados grupos – negros, moradores de favelas, presos e indígenas – e cita a falta de estrutura enfrentada pelos profissionais de saúde. O relatório também aponta os constantes ataques à imprensa por integrantes do governo federal – foram 449 ocasiões, segundo o documento, entre intimidações, difamação, discriminação de gênero e tentativas de tirar a legitimidade da atividade jornalística.

Relata ainda distorções sobre o desmatamento e queimadas na Amazônia apresentadas em discursos do presidente na ONU. Em outro capítulo, considera as medidas que facilitam o acesso a armas uma ameaça à segurança da população. Também são citadas ameaças ao Estado de Direito, como a participação de Bolsonaro em atos antidemocráticos.

Em 2016, exaltou o torturador Brilhante Ustra durante seu voto a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Há outras centenas de comentários que seriam cômicos, se não fossem reais, como “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Vou botar esses picaretas para correr do Acre. Já que gosta tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá” (2018) ou “A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo” (1999).

Diante de todo esse quadro de catástrofes, é penoso compreender que Jair Bolsonaro, antes mesmo dos mil dias de governo, antes até de virar presidente do Brasil, avisou a que veio. Atacou homossexuais (“Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, 2011), mulheres (“Eu jamais ia estuprar você porque você não merece”, frase dirigida à deputada Maria do Rosário, 2003), indígenas (“Ele devia ir comer
um capim ali fora para manter as suas origens”, em 2008, em referência ao índio Jacinaldo Barbosa, que lhe jogou um copo de água durante uma audiência pública na Câmara para discutir a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol), negros (“Fui num quilombola [sic] em Eldorado Paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Acho que nem para procriadores servem mais”, 2017, em palestra no Clube Hebraica).

Ele avisou. Sem dúvida, trata-se de um jeito peculiar de gerenciar. “Tomar banho é bom, mas se puder tomar banho frio é muito mais saudável. Ajude o Brasil.” Bolsonaro emenda, à sua maneira, a governança em torno da pior crise hídrica desde 1930. “Aqui [no Palácio da Alvorada] são três andares. Quando tem que descer, mesmo que o elevador esteja aberto na minha frente, eu desço pela escada. Se puder fazer a mesma coisa no seu prédio… Ajude a gente. Quanto menos mexer no elevador, mais economia de energia nós temos”. Esse é o método Jair Bolsonaro de governar.

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Comentar sobre um ex tenente inculto no exercício de uma tão importante/complexa função é muito simples : o homem errado , no lugar para ele proibido , provocando total retrocesso democrático num país hiper combalido socialmente .

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