O caso Fundeb e o oportunismo liberal-conservador

Ontem vimos mais um exemplo de oportunismo do campo liberal-conservador no Congresso brasileiro, desta vez, no âmbito do financiamento da educação. O Fundeb, fundo de recursos públicos utilizado como ferramenta de distribuição para financiamento das escolas públicas em todo Brasil, foi ontem usurpado pela base do governo. Em suma, na proposição de lei necessária para regulamentar a Emenda Constitucional 108, relativa ao novo formato do Fundo que passa a ter caráter permanente no país, os representantes dos liberais-conservadores venceram uma parte da batalha histórica sobre a destinação dos recursos públicos vinculados à educação.


Por José Neto Quibao Ontem vimos mais um exemplo de oportunismo do campo liberal-conservador no Congresso brasileiro, desta vez, no âmbito do financiamento da educação. O Fundeb, fundo de recursos públicos utilizado como ferramenta de distribuição para financiamento das escolas públicas em todo Brasil, foi ontem usurpado pela base do governo. Em suma, na proposição de lei necessária para regulamentar a Emenda Constitucional 108, relativa ao novo formato do Fundo que passa a ter caráter permanente no país, os representantes dos liberais-conservadores venceram uma parte da batalha histórica sobre a destinação dos recursos públicos vinculados à educação.

Essa disputa divide, de um lado, defensores de se destinar 100% dos recursos públicos advindos da contribuição dos cidadãos para as escolas públicas, e de outro, aqueles que querem utilizar os recursos do Estado para também bancar parte das escolas privadas. Ontem, foi dado um passo errante nessa disputa em favor da segunda posição. Errante porque, do ponto de vista de quem se dedica ao estudo do financiamento da educação, se quisermos uma escola pública de qualidade é preciso mais investimento em seu pessoal e sua estrutura. Aliás, já que estamos falando de escola privada, é só observar como estas se comportam: as escolas privadas com pouco melhor qualidade na oferta são aquelas cujas “mensalidades” custam o que muitos estados e municípios no Brasil gastam AO ANO por aluno (quando tanto!).

Mas, vamos ao ponto: quais são os problemas significativos? Todos relacionados à privatização; enumero aqui tal qual a CNTE:

“1. A privatização da oferta de educação técnica e profissional, drenando recursos públicos para instituições conveniadas ou “parceiras” com o poder público, sobretudo as entidades do Sistema S, que já contam com fartos recursos públicos e ganharão ainda mais com o FUNDEB. E não há travas para essas parcerias!
2. A privatização por convênios irrestritos na educação infantil (creche e pré-escola) e na educação especial. Também não há limites para as parcerias entre o poder público e as instituições privadas (conveniadas) nessas etapas e modalidades.
3. A privatização de 10% das vagas do ensino fundamental e médio, atendendo especialmente aos interesses de entidades confessionais e aquelas que fazem filantropia com recursos públicos no país.
4. A privatização das atividades de contraturno escolar, algo inédito na educação brasileira. As instituições conveniadas (comunitárias, confessionais e filantrópicas) poderão abocanhar mais 30% do custo aluno do FUNDEB para ofertar atividades extracurriculares aos estudantes das escolas públicas”.

Somado a isso, o Partido Novo (vulgo “PSL Personalité”), como se já não tivesse contribuído para a dose de vergonha nacional essa semana (foi o único partido a VOTAR CONTRA a aprovação do texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância), apresentou com sucesso uma emenda que introduz no uso de 70% dos recursos do FUNDEB destinados à remuneração dos profissionais da educação, os trabalhadores que cumprem atividades nas instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas. Já não bastasse a falta de valorização de salários dos professores no Brasil, agora os 70% será dividido com contadores, advogados, administradores etc., de escolas privadas.

No geral, e do ponto de vista político, há uma série de questões importantes a se fazer para se combater tal postura do legislativo: a educação nacional deve apostar seu recurso público em um serviço que sempre foi exclusivo para uma pequena parcela da população? O quanto o ensino privado ajudou/ajuda a educação nacional a ponto de abocanhar uma parte do erário público brasileiro? Quantas escolas privadas garantem qualidade de oferta educacional? Quais? Aliás, é possível falar em escola privada de qualidade sendo essa tão seletiva? Se escola privada é tão eficiente quanto seus arautos anunciam, por que precisa de recurso público? Como especialista na área, digo que as respostas para estas perguntas são todas complexas, mas nenhuma seria positiva e advogaria pró setor privado.

Mas cabe reconhecer que essa movimentação está em plena concordância com o cenário em que vivemos. Vejamos alguns fatos relativos apenas à educação básica; primeiro, desde 2013 o crescimento do número de estabelecimentos privados não-conveniados com o setor público não esteve associado proporcionalmente ao aumento das matrículas nestas escolas. Ou seja, com maior número de vagas não preenchidas nas escolas, tem-se criado uma diferença entre oferta e demanda no setor, o que gera o desespero das mantenedoras e donos de escolas. Daí o lobby tanto para volta às aulas no cenário da pandemia, tanto no abocanhar recurso público em um cenário político propenso ao conservadorismo.

Segundo, a significativa maior parte das escolas privadas são lucrativas no Brasil e não receberiam tais recursos; porém, em 2019, houve uma mudança no artigo da LDBN que caracteriza as escolas privadas entre lucrativas e não-lucrativas (filantrópicas, confessionais e comunitárias). Em resumo, o artigo 20 foi completamente revogado, e com isso, criou-se uma “zona cinzenta” e pouco precisa que pode ampliar o número de escolas privadas aptas a receber repasses de recursos públicos, como tem sido alertado pela Profª Theresa Adrião e Profº Romualdo Portela. Isto é, na ausência de uma alteração que afaste as restrições impostas pela CF/88 para repasse de verbas públicas de Manutenção e Desenvolvimento em Educação para escolas lucrativas, diluíram-se as formas de categorizá-las no texto infraconstitucional, buscando o mesmo objetivo. A medida era uma bomba-relógio cujo estrago se começa a observar na regulamentação do Fundeb.

Vale ressaltar ainda que isso tudo não poderia ser concretizado sem a ajuda da grande imprensa que costuma a julgar muito mal a escola pública e seus profissionais, e as ONGs ligadas ao setor empresarial e financeiro que não consegue pensar em uma “boa escola” sem precisar falar do IDEB, SARESP, PISA e provas de larga escala. Aquelas que ecoam o coro da bárbarie, como aponta Prof Fernando Cássio. Assim, se a escola não tem o desempenho requisitado nessas provas, para os comentaristas “especializados” em educação, tudo vai mal, reforçando as suas certezas de que a escola pública não dá conta da formação dos brasileiros (obviamente, sem nunca entrar no mérito sobre quais são os objetivos constitucionais da escola). Aos que não sabem, isso tem sido constantemente regurgitado nos jornais e cursos de economia e administração; recruta-se assim toda a sorte de amadores em educação (com um semestre nos cursos de métodos quantitativos) para trabalhar nas ONGs e serem comentaristas de jornais que, para piorar, possuem uma boa dose de acesso à lugares de decisão nas políticas públicas. O resultado é esse caldo mal temperado que a população está tendo que engolir.

Assim, retorno ao título desse texto: de uma vitória importante à educação pública, o oportunismo de quem lutou contra o Fundeb (e a educação pública como um todo) prevaleceu na noite de ontem. Não é a primeira vez e não será a última, tem-se o auxílio emergencial como outro exemplo da mesma estratégia utilizada pelos setores ligados ao governo.

No entanto, ainda há luta e disputa pelo texto que vai passar pelo Senado, contendas jurídicas e nas ruas, mas fica claro o setor privado educacional colocou suas peças no tabuleiro de forma bastante agressiva e não está para perder. Como exercício diário de todos os profissionais da educação, a hora é de arregaçar as mangas e partir em defesa da educação pública, laica e de qualidade. E, sempre, estou certo que amanhã será outro dia.
#FundebPraValer

COMENTÁRIOS

4 respostas

  1. Dá nojo, náuseas, ao ler algo assim. Como se as escolas comunitárias ou ligadas à instituições religiosas sérias visassem lucro…. Elas estão exercendo o papel que o Estado de deveria exercer….
    Quantas bolsas essas escolas dão? Qual é o custo do aluno na escola comunitária e qual é o custo do aluno em escola pública. Vá se informar primeiro pra não dizer tanta asneira …. Que nojo ….

  2. vamos então equiparar os salários do professor de escola pública e o de escola privada

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