O ano em cinema: Os 15 melhores filmes de 2020

Os 15 melhores filmes do ano
Em ordem de leitura: "Emicida: AmarElo - É Tudo Pra Ontem", "Adoráveis Mulheres", "Destacamento Blood" e "Hamilton".

Até pouco tempo atrás, um ano com nove ou dez meses de cinemas fechados por todo o país significaria que não teríamos filmes para colocar nessa lista – mas estamos em 2020, e filmes não pertencem mais na sala escura, na tela grande, com uma pipoca no colo e 100 pessoas ao seu redor respirando o mesmo ar-condicionado (só de falar já dá um arrepio!).

Sim, nós também sentimos falta do cinema em 2020, e provavelmente vamos continuar sentindo por boa parte de 2021. Mas, entre preciosidades que chegaram a estrear nas salas no começo do ano e produções lançadas diretamente pelo streaming no Brasil, conseguimos reunir, abaixo, uma seleção tão forte de melhores filmes de 2020 quanto as de anos anteriores!

Com o futuro da experiência cinematográfica como a conhecemos em cheque (mesmo após a pandemia, visto que este ano mostrou aos estúdios que o modelo tradicional de distribuição não é a única forma de fazer dinheiro), é valioso lembrar que, como forma de arte, o cinema nunca precisou do truque de mágica de uma sala escura para funcionar.

Ainda podemos, e provavelmente sempre poderemos, contar com os filmes para nos inspirar, nos acalentar, nos transformar, nos enriquecer. E essa constância do cinema é muito bem-vinda em uma era de tantas incertezas.

Os 15 melhores filmes de 2020

15. Um Lindo Dia na Vizinhança

Marielle Heller é o tipo de cineasta que conduz os seus filmes nas pontas dos dedos. Tal e qual o excelente “Poderia Me Perdoar?”, “Um Lindo Dia na Vizinhança” é um exemplo de cinema coerente – todas as suas escolhas são tomadas, e toda a sua concepção como filme é pensada, para rimar com a história que ele quer contar. O resultado é um longa gentil, paciente, inventivo e capaz de um drama honesto que está em falta na filmografia atual, especialmente nos EUA – nada aqui soa manipulador. Ao invés disso, “Um Lindo Dia na Vizinhança” é caloroso, maduro e positivo, vibrando inteiramente na mesma cadência da voz acalentadora de Tom Hanks, em sua melhor performance em anos como o ícone da TV infantil norte-americana Sr. Rogers.

Onde ver: HBO Go

14. Crip Camp: Revolução Pela Inclusão

2020 precisava de “Crip Camp: Revolução Pela Inclusão“. O documentário produzido (de certa forma, ironicamente) pelo ex-primeiro casal norte-americano Barack e Michelle Obama é uma espécie de manual de bolso da desobediência civil, mapeando o nascimento e a explosão do movimento por direitos das pessoas com deficiência nos EUA. O filme, codirigido por um dos próprios retratados, James Lebrecht, celebra o senso de comunidade verdadeiro que movimenta uma iniciativa como essa, o espírito excepcional daqueles que assumem posições de liderança dentro dela, as estratégias de visibilidade e a confrontação humana fundamental para mover mais pessoas para a sua causa. Em um ano de protestos antirracistas ao redor do mundo, é cinema utilitário de primeira.

Onde ver: Netflix

13. Jojo Rabbit

Acusado por alguns de trivializar o nazismo, “Jojo Rabbit” faz exatamente o oposto: o sublinha como ideologia malevolente, que corrompe e (quando é preciso) engana pessoas comuns, e para a qual devemos estar sempre alertas – se está no espírito humano ser tão cruel com nosso semelhante, se não é coisa de monstros e bichos-papões, é muito mais urgente se manter vigilante. Devastadoramente triste, mas também audaciosamente certeiro em sua paródia ferina do autoritarismo e suas fragilidades fundamentais, o filme de Taika Waititi é história reimaginada e recontada do ponto de vista certo – e cultiva um senso de ousadia, uma alegria particular no fazer cinema, que o torna simplesmente irresistível.

Onde ver: Telecine Play, NOW

12. Revelação

Documentários importantes e bons documentários são coisas diferentes – e “Revelação” é as duas. O trabalho do diretor Sam Feder ultrapassa a suma necessidade de sua premissa, que é analisar representações de personagens transgênero nas mídias, e encontra ressonância nos depoimentos que escolhe costurar em seu resgate histórico, no insight que demonstra para revelar como essas representações midiáticas influenciaram o mundo real. Parte disso é a inteligência de entrevistados como Laverne Cox, Susan Stryker, Brian Michael Smith, Lilly Wachowski e (a especialmente afiada) Jen Richards, mas parte disso é também o brilhantismo cinematográfico de criar uma narrativa envolvente a partir da realidade, e da representação particular que o filme faz dela.

Onde ver: Netflix

11. Emicida: AmarElo – É Tudo Pra Ontem

Transformar um registro de show, uma celebração de um disco e de uma carreira, em um filme como “AmarElo – É Tudo Pra Ontem“, é coisa de gênio. Emicida e o diretor Fred Ouro Preto usam o veículo do filme de bastidores para desnudar as intenções, os pensamentos e a história que levou até “AmarElo”, um dos melhores álbuns do ano passado. E quando eu digo história não quero dizer biografia – Emicida pouco fala de si mesmo, no singular pelo menos, no longa. Ao invés disso, “É Tudo Pra Ontem” remonta a história de pioneiros negros no Brasil e das transformações que se seguiram quando eles ocuparam espaços onde a cor de sua pele não era bem vista antes deles. É um testemunho de impacto e continuação histórica muito mais do que uma tentativa de leonizar o artista no centro do palco. Uma espécie nova, generosa e infinitamente mais relevante de documentário musical.

Onde ver: Netflix

10. Soul

A Pixar criou mais um de seus universos únicos, e de suas narrativas ferrenhamente leais aos próprios caminhos, em “Soul“. O que continua impressionando na empresa de animação é a ousadia de repensar estruturas narrativas e convenções visuais para se ajustar à história da vez. Em “Soul”, isso significa uma trama que serpenteia gentilmente por mundos e arcos diferentes, ao invés de seguir uma trajetória previsível; uma mescla visual de realismo caloroso (nunca uma cidade da Pixar pareceu tão viva e real quanto a Nova York de “Soul”) e surrealismo explosivo; uma trilha-sonora dividida entre jazz e música eletrônica etérea, conduzida a seis mãos pelos gênios Jon Batiste, Trent Reznor e Atticus Ross; e uma lembrança gentil e muito bem-vinda dos pequenos prazeres da vida e como eles se encerram em si, sem a necessidade de algo maior por trás deles, em um ano onde fomos privados de tantos.

Onde ver: Disney+

9. As Mortes de Dick Johnson

O uso da câmera como intermédio, mas não barreira, para a relação interpessoal. “As Mortes de Dick Johnson” tem uma premissa que chama a atenção: nele, Kirsten Johnson convence o seu pai idoso a encenar as várias formas que ele poderia morrer, e algumas suposições sobre o além-vida. É uma forma de terapia para a diretora, que vicariamente se prepara para se despedir de uma figura essencial em sua vida, e para o próprio sujeito da filmagem, que ganha a oportunidade de reavaliar sua história e eternizar sua mente e personalidade em película antes que ela se desbote pela ação do tempo. Mas “As Mortes de Dick Jonson” eventualmente transcende até mesmo esse mandado complexo, se tornando uma celebração tremendamente comovente da vida em todos os seus detalhes deliciosamente excêntricos, mas agonizantemente finitos.

Onde ver: Netflix

8. A Despedida

Avassaladoramente específico, “A Despedida” é um testemunho do poder do cinema, quando bem executado, de imergir o espectador no ambiente que retrata. A diretora e roteirista Lulu Wang comanda uma sinfonia absurdamente expressiva de sons e imagens (a música melodramática de Alex Weston, o design de produção enganosamente belo de Yong Ok Lee) que examina com precisão um contraponto de culturas encarnado na vida e nas atitudes de uma só família. O espectador que se permite experimentar tudo o que “A Despedida” propõe sai dele um sujeito transformado, com uma renovada compreensão do outro, e do pedaço de si dentro deste outro – sem traço de condescendência ou malícia, Wang e cia criam um filme que é pura empatia.

Onde ver: Telecine Play

7. Wolfwalkers

O belo e elaborado traço artesanal da Cartoon Salloon, empresa de animação irlandesa por trás de “Wolfwalkers“, o movimento fluído dos personagens, a abordagem de figuras mitológicas do país natal dos cineastas – muita coisa aqui vai soar familiar para quem viu “Uma Viagem ao Mundo das Fábulas” ou “Canção do Oceano”. Mas, mesmo assim, o novo longa de Tomm Moore e Ross Stewart carrega um ar de novidade, de amadurecimento, estendendo a sua narrativa para abraçar subtextos que chamam o espectador e o envolvem no entorno do universo cuidadosamente, encantadoramente construído pelos animadores. “Wolfwalkers” é um conto sobre a futilidade do progresso, é uma história anticolonialista e ambientalista, e é um proto-romance lésbico cheio de significados e simbolismos. Como sempre com a Cartoon Salloon, é impossível desgrudar os olhos da tela – mas, dessa vez, o visual deslumbrante do filme é só um dos motivos.

Onde ver: Apple TV+

6. Hamilton

Sim, o “Hamilton” da Disney+ é um filme, por definição: uma obra que foi pensada para ser exatamente como é, registro técnico de uma performance que implica trabalhos específicos de direção, fotografia e edição (esta última particularmente bem executada, por Jonah Moran). É também a transfiguração de uma das narrativas mais influentes e excitantes dos últimos anos para o vídeo, cuja reprodutibilidade garante que este musical astuto e eletrizante sobre a história como narrativa dos vencedores, sobre o legado como uma trama da qual o sujeito não tem controle algum, repercuta através do cenário midiático por décadas a fio, como deveria. Nascido do gênio de Lin-Manuel Miranda e trazido à vida por um grupo excepcional de atores, “Hamilton” agora se eterniza para muito além do seu próprio biografado, ou da própria história dos EUA – é patrimônio mundial (só ficou faltando as legendas, né, Disney+?).

Onde ver: Disney+

5. Retrato de uma Jovem em Chamas

Céline Sciamma cria um universo ferozmente feminino em “Retrato de Uma Jovem em Chamas“, o melhor romance lésbico lançado em 2020, que entende o potencial revolucionário das interações entre suas amantes centrais e as poucas (todas, mulheres) coadjuvantes que circulam ao seu redor em uma história brilhantemente simples sobre paixão, destino, independência, e o anseio pelo outro. É um filme que revela, em cena, como o olhar feminino pode chacoalhar o cinema contemporâneo de sua morosidade estética e narrativa – como ele pode colocar ineditismo, audácia temática, beleza plástica e potência poética na linguagem cansada de uma arte centenária, que foi construída nas costas do trabalho de mulheres, mas nunca as reconheceu como grandes autoras de sua história.

Onde ver: Telecine Play, NOW

4. Adoráveis Mulheres

Por falar nelas, Greta Gerwig provou seu status como gênio de proporções geracionais em “Adoráveis Mulheres“, uma confecção excepcional, revigorante em forma de filme. Aqui, ela costura adaptação com linhas de biografia, misturando o plot do livro clássico de Louisa May Alcott com fatos da própria vida da escritora, demonstrando extraordinário bom humor para lidar com os anacronismos da obra, e revelando o verdadeiro espírito agitador de seu retrato passional, compreensivo, vibrante das mulheres em seu centro. É um longa que abraça o movimento em sua elaboração estética tanto quanto respeita as amarras nas quais as personagens são colocadas pelas circunstâncias sociais em que se encontram, e que conjuga o frustrante e o vitorioso de sua história com eloquência incomparável.

Onde ver: Looke, Google Play (apenas locação e compra)

3. Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre

Nunca a cidade grande pareceu tão ameaçadora quanto na fotografia granulada, nos planos fechados e na mixagem de som opressiva de “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre“. Conforme acompanhamos a Autumn de Sidney Flanigan, com seu rosto extraordinariamente revelador, por Nova York, onde vai para realizar um aborto, percebemos as rotineiras desumanizações que o mundo impõe sobre ela e a amiga Skylar (Talia Ryder), que aceita acompanhá-la na viagem perigosa. A diretora Eliza Hittman parece determinada a mostrar o que levou Autumn até este momento de sua vida, e a nos indiciar pelo quanto contribuímos com isso. E, ainda assim, ela encontra uma forma de fazer do seu filme um testemunho de sobrevivência e companheirismo femininos, ao invés de uma parada de misérias gratuita. Esse filme pode ser para nós, mas não é sobre nós, parece dizer a cineasta. É sempre sobre elas.

Onde ver: NOW

2. Destacamento Blood

Spike Lee não está mais na idade de se contentar com pouco. O mestre de 63 anos de idade fez de “Destacamento Blood” o seu maior, mais ambicioso e mais esteticamente ousado projeto até hoje. Aqui, ele passeia espertamente por convenções de filmes de guerra e de épicos de ação; filma com óbvio prazer tanto as cidades ferventes quanto as paisagens selvagens do Vietnã; desfila uma história que tem força de manobra o bastante para abraçar noções de reparação social, as consequências políticas da privação histórica de direitos da população negra americana, o sentimento de comunidade que existe dentro de famílias e dentro de grupos de amigos, ainda mais os unidos por uma identidade racial e social. “Destacamento Blood” é talvez o primeiro filme de Spike Lee que captura a figura maior-que-a-vida que é o próprio Spike Lee – e vê-lo no auge, assim, é um prazer indescritível.

Onde ver: Netflix

1. Time

Nenhuma experiência cinematográfica foi mais transformadora do que “Time” em 2020. O documentário de Garrett Bradley é uma das análises cinematográficas mais memoráveis da ausência, esse conceito tão escorregadio para a mídia do cinema – como mostrar, fazer sentir, o que não está lá? A resposta da diretora de “Time”: esticar e costurar a sua história entre períodos e técnicas diferentes, ilustrando não só a passagem do tempo, como as consequências da falta de alguém no tecido familiar que retrata. No centro desse furacão de expressividade, Fox Rich é talvez a heroína mais simbólica de 2020: persistente e paciente, sim, mas nunca dócil. Ela é o titã que se ergue no âmago de “Time”, um filme tão profundamente preocupado com o descaso institucional que a manteve duas décadas longe do marido quanto com a fidelidade de sua composição estética da intimidade entre eles, em um dos clímaxes mais inesquecíveis da minha vida como admirador de cinema. Tecnicamente revolucionário, este também é um filme profundamente sentido, real de uma forma que seu status como documentário, sozinho, não é capaz de explicar.

Onde ver: Amazon Prime Video

As atuações

Assim como fizemos na nossa lista de TV, o ranking com as melhores atuações do ano no cinema contém não só desempenhos individuais, mas também os trabalhos de duos, trios e até elencos inteiros. Certas performances não podem ser simplesmente desembaraçadas umas das outras, e já foi bem difícil escolher só 15 desempenhos desse jeito – vem com a gente.

15. Jessie Buckley & Jesse Plemons (Estou Pensando em Acabar com Tudo)

Sem atores que estejam absolutamente à bordo de suas viagens cerebrais e significados oblíquos, qualquer filme de Charlie Kaufman desmorona – e especialmente “Estou Pensando em Acabar com Tudo“, onde as suas abstrações passeiam por paisagens emocionais das mais diversas dentro de um mesmo cenário, de um mesmo diálogo. Daí o valor dobrado de um Jesse Plemons completamente no domínio de suas modulações, criando um homem enigmático o bastante para ser assustador e funcionar dentro da cifra de mensagens do longa, mas ordinário o bastante para se comunicar conosco diretamente; e de uma Jessie Buckley que demonstra tremenda presença de espírito ao abraçar o texto de Kaufman e brandir suas complexidades destemidamente por cenas que exigem tanto carisma quanto retração. São performances que fluem admiravelmente com o filme em que estão, quase intransigentes em sua excelência.

Onde ver: Netflix

14. Sophia Loren (Rosa e Momo)

Em certo ponto de “Rosa e Momo“, o protagonista mirim (Ibrahima Gueye) está deitado no chão e olha para cima, em direção à luz, para ver surgir, imponente, a silhueta e a expressão severa de sua guardiã. Edoardo Ponti filma a mãe, Sophia Loren, com a reverência de um filho e a compreensão de um cineasta que está registrando um ícone. E Loren, diante de uma câmera tão familiar e rendida, constrói uma Rosa de trejeitos colossais, de elegância inatacável, mas também de gestos calorosos, amargores palpáveis, gentileza e um senso de missão, e de si mesma, evidentes. Com a dama italiana afastada das telas há onze anos, foi fácil esquecer quão brilhante ela é em construir mulheres-ícone pelas quais nos apaixonamos, mas também com as quais sentimos o peso do mundo todo repousar sobre os seus ombros. “Rosa e Momo” é um lembrete muito bem-vindo.

Onde ver: Netflix

13. Cynthia Erivo (Harriet)

Harriet“, talvez tentando fugir das convenções do filme biográfico, posiciona a sua protagonista como uma figura quase divina, super-heróica. No papel, a relação do longa com a fantasia como meio de ilustrar o real é instável, mas Cynthia Erivo se certifica que esse pulo de fé funcione em tela. Como Harriet, ela comunica dor, tensão, triunfo, alegria e liberação (emoções muito concretas, enfim) com a mesma desenvoltura com a qual convoca a sua intuição mais profunda, a sua crença mais intrínseca, nos momentos em que a personagem precisa ser muito mais do que só humana. Se a construção mítica que o filme de Kasi Lemmons tenta fazer funciona, e é em grande parte porque Erivo invoca cada parcela mínima de sua potência dramática considerável para fazê-la funcionar.

Onde ver: Telecine Play, NOW

12. Wunmi Mosaku & Sope Dirisu (O Que Ficou Para Trás)

O terror dramático confinado de “O Que Ficou Para Trás” exige muito dos dois intérpretes em seu centro. É preciso que o casal funcione em uma dinâmica muito particular, machucada, em torno do segredo indizível que eles compartilham, ao mesmo tempo em que cada um enfrenta uma espiral em direção à loucura desenhada em linhas, velocidades e expansões diferentes. Na intensidade incandescente de Sope Dirisu e na internalização absoluta de Wunmi Mosaku, o filme encontra sua contraposição perfeita – o desencontro entre os dois desenha paralelos com a situação de refugiados ao redor do mundo quando estão tentando construir um novo lar, digladiando com questões de assimilação cultural; e o trauma que eles carregam, que explode em um terceiro ato arrepiante, mas curiosamente esperançoso, parece palpável o bastante para rachá-los, mas não invencível o bastante para quebrá-los completamente.

Onde ver: Netflix

11. Tessa Thompson (O Amor de Sylvie)

O Amor de Sylvie” é talvez o filme que melhor se aproveitou da extraordinária inteligência que irradia sempre que Tessa Thompson é colocada na frente de uma câmera. Aqui, ela interpreta a mocinha de um melodrama à moda antiga, esbanjando, na superfície, um charme e uma energia jovial que impregna todo o filme. Mas não a escapa que os sonhos e esperanças de sua Sylvie são os sujeitos do longa de Eugene Ashe, em um protagonismo raro mesmo para o cinema contemporâneo, e Thompson se aproveita disso para trazer à tona uma ambição e independência que nem por isso traem o lado sentimental da personagem. A atriz constrói uma mulher que passeia pelos encontros e desencontros amorosos e profissionais do roteiro com astúcia emocional aguda – o que só a torna mais irresistível como a estrela, luz-guia do filme, é verdade, mas também mais completa como ser humano.

Onde ver: Amazon Prime Video

10. Willem Dafoe (O Farol)

Poucas vezes uma performance encarnou tanto aquele velho refrão dos fãs sobre um ator injustiçado no Oscar: O que mais ele precisa fazer? Em “O Farol“, Willem Dafoe demonstra comprometimento físico, emocional e expressivo com um personagem difícil, da linguagem que ele fala às curvas inesperadas pelas quais a trama o leva. Por vezes uma explosão verborrágica, por vezes um olhar ressabiado em cena, que desnuda a obsessão e a perturbação por trás do homem que ele construiu, Dafoe atravessa furiosamente a confecção geniosa de Robert Eggers, encarnando os prazeres inesperados e horrores oblíquos da trama como nenhum outro ator seria capaz de fazer. Do que mais você precisa, Academia?

Onde ver: Telecine Play

9. O elenco de Hamilton

Independente da genialidade por trás da concepção de “Hamilton” e de sua brilhante montagem técnica como peça e como registro cinematográfico dessa peça, a magia acontece mesmo em cima do palco – e, em cima do palco, estão só os atores. É o elenco de “Hamilton” que dá vida e dinamismo a uma história que, se é improvavelmente musical, é ainda mais improvavelmente envolvente como drama – e curioso como Lin-Manuel Miranda, talentoso como é, se torna o elo mais fraco diante de colegas gigantescos. A inegável, irresistível energia de Daveed Diggs, uma explosão de movimento pelo cenário; o carisma absurdo de um Anthony Ramos em carne viva; a sabedoria gentil que cresce a partir da ingenuidade de Phillipa Soo; a gravidade inalienável de Christopher Jackson; a comédia afiadíssima em seu exageros e contenções de Jonathan Groff; a centralidade complexa, hipnótica, viciante de Leslie Odom Jr.,; e a construção cuidadosa, intensa, de Renée Elise Goldberry. Separados, eles já seriam excepcionais – juntos, projetam uma sombra inimaginável.

Onde ver: Disney+

8. Zhao Shuzhen & Awkwafina (A Despedida)

Se “A Despedida” é uma máquina de empatia, a relação central do filme, entre neta (Awkwafina) e avó (Zhao Shuzhen), é o seu combustível. No centro nervoso de uma história que se ramifica por caminhos inesperados, as duas atrizes compõem um dueto de delicadeza única em seu equilíbrio entre comédia (gentil, crível, calorosa) e drama (potente, ansioso, profundamente ferido). Em meio a um filme de expressividade tão aguçada que por vezes brinca com o melodrama, elas se colocam como criações apuradamente reais, especialmente quando estão em tela juntas – e a força da despedida do título é sentida através delas, em sua natural estoicidade ou compreensível mágoa.

Onde ver: Telecine Play

7. Renée Zellweger (Judy: Muito Além do Arco-Íris)

Judy: Muito Além do Arco-Íris” merece mais crédito do que geralmente recebeu, como filme, simplesmente por ter a coragem de mostrar a precariedade da persona de Judy Garland no palco, e a forma como o seu talento foi explorando em uma potência que a impediu de ter qualquer vida a não ser a vida trágica que ela teve. Zellweger, entendendo perfeitamente o filme em que está, cria afetações que expõem essa fragilidade, em um desfile de horrores que pode ser extenuante, mas é também bastante real. E não é como se ela não nos provesse também flashes da mulher extraordinária que Judy poderia ter sido… se fosse outra pessoa, que não Judy. Para um filme singularmente, acusadoramente fascinado pela tragédia de sua biografada, Zellweger constrói uma figura magnética, mas também apropriadamente assustadora.

Onde ver: Telecine Play, NOW

6. Riz Ahmed (O Som do Silêncio)

Riz Ahmed interpreta um homem em pleno conflito consigo mesmo em “O Som do Silêncio“. Enquanto Ruben precisa repensar sua própria identidade profissional e afetiva, além de sua relação com a saúde mental e seu lugar no mundo, o ator britânico vibra com a plena indignação, agonia e pavor de alguém na beira do precipício. E então, “O Som do Silêncio” faz com ele encontre, aos poucos, uma serenidade que simplesmente não existia em sua vida antes – e Ahmed rouba sorrisos, muda posturas, redireciona olhares, transforma a própria forma de Ruben, de maneiras muito mais sutis do que pode parecer, durante essa jornada. É um trabalho sensorial imenso, como o próprio filme em que está inserido.

Onde ver: Amazon Prime Video

5. Adèle Haenel & Noémie Merlant (Retrato de uma Jovem em Chamas)

“Retrato de Uma Jovem em Chamas” termina com um longo take da câmera se aproximando da personagem de Adèle Haenel enquanto ela deixa se levar pelas emoções de uma ópera. É um ato de observação como muitos outros do filme de Céline Sciamma, mas também um dos muitos momentos inesquecíveis em que Haenel quebra a natureza estática da pintura para trazer à tona, brilhantemente, as emoções que borbulham por baixo dela. Essa performance extraordinária não seria tanto quanto é, porém, se não fosse pela estabilidade de uma Noémie Merlant que constrói, na pintora Marianne, um arco sólido, que não perde nada de sua beleza, de seu apelo, de sua importância, mesmo quando precisa ser a presença narrativa convencional que ancora o filme.

Onde ver: Telecine Play, NOW

4. Saoirse Ronan (Adoráveis Mulheres)

Onde Saoirse Ronan vai parar? A jovem intérprete irlandesa parece estender sua alçada dramática a cada papel, e a Jo March de “Adoráveis Mulheres” não foi diferente. Como o avatar da autora Louis May Alcott na história, a atriz pega a deixa de um filme que costura realidade com ficção e cria uma personagem cujos anseios de controle sobre a própria vida, e sobre o destino do mundo onde ela vive, se traduzem em ímpeto físico tanto quanto em experimentação emocional. Sua Jo digladia, através de palavras e atos modulados com sabedoria pela intérprete, com a noção da autoria dentro em um contexto pessoal, econômico e social. Com uma dose de cinismo que nunca amarga a composição geral da personagem, Ronan reestrutura uma heroína perfeita para o nosso tempo.

Onde ver: Looke, Google Play (apenas locação e venda)

3. Regina Casé (Três Verões)

Do trio de personagens similares (com a Val de “Que Horas Ela Volta?” e a Lourdes de “Amor de Mãe”) que voltaram a colocar Regina Casé na mente do brasileiro como uma das grandes atrizes do país, a Madá de “Três Verões” parece ser uma apoteose natural para ela. A construção geniosa do filme (três anos diferentes com os empregados de uma mansão de verão ocupada por ricaços que são presos por corrupção) permite que Casé transite entre gêneros e tons, desfilando a naturalidade de seu carisma e de sua comédia ao mesmo tempo em que opera a virada dramática de Madá, em certo momento do terceiro ato, com a força de manobra de uma gigante na profissão. Delicadas e valorosas construções de suas próprias maneiras, Val e Lourdes não permitiram à atriz uma exibição tão clara das rachaduras que justificam o seu trabalho como um dos mais importantes do Brasil atualmente.

Onde ver: Telecine Play

2. Chadwick Boseman & Viola Davis (A Voz Suprema do Blues)

Embora dividam talvez três ou quatro cenas, as performances de Chadwick Boseman e Viola Davis em “A Voz Suprema do Blues” são complementares de maneiras inextricáveis. A genialidade da peça de August Wilson é estruturar a sua exploração da vida negra nos anos 1920, no contexto de uma suposta valorização dentro do mercado do entretenimento, a partir dos pontos de vista dos dois personagens – e tirar deles os paralelos que podem, e devem, ser tirados para os dias de hoje. Como Levee, Boseman se entrega em expressão emocional aberta, machucada, desesperada, uma última atuação que deixa tudo na tela, para quem quiser ver; como Ma, Davis esconde por baixo do visual extravagante uma performance que não pede desculpas pelo amargor, raiva e imposição que expressa. Juntos, eles compõem uma sinfonia de entrega física e espiritual a um discurso afiado, imponente, inegável.

Onde ver: Netflix

1. Delroy Lindo (Destacamento Blood)

Quando Delroy Lindo olha para a câmera e começa o seu monólogo no terceiro ato de “Destacamento Blood”, ele exige sua atenção. Durante todo o filme, o ator estruturou um Paul ressabiado, com uma mão no gatilho o tempo todo, a consequência personificada, batendo à porta, da história de um país (olhando para o quadro maior, um mundo) que sistematicamente lhe negou oportunidades e apagou feitos, direitos, sua própria existência como ser humano. Quando ele explode em olhares acusatórios, a rouquidão na voz soando como um rosnado, mas a inteligência vibrando por trás das palavras e expressões, atinge o espectador como uma bigorna no estômago, e um choque elétrico perpassando as veias, o tamanho da responsabilidade que ele tem com o mundo e os rumos que ele toma. Nada foi mais poderoso, mais significativo, mais tristemente oportuno, mais brilhantemente executado, do que esse momento, e essa atuação, em 2020.

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