Marco temporal não há, risível resenha é a PL 490

Sinto-me num freezer de Pindorama quando o dia ainda é noite, na madrugada gelada aos pés do Pico do Jaraguá e suas aldeias, na cidade de São Paulo. Sei que ser Guarani é semelhante ao vento, fogo que ilumina e tremula, água que na panela esquenta, aquece. Não desanimo em encontrar o meu, o nosso, um passado que não desiste de subterfúgios.

Marco temporal e a PL 490
Maria se tinge da noite, o dia clareia

A conversa em língua diferente ao ouvido ocidental que tenho, denota segredos a serem revelados. Maria pinta a cara de preto, maquiagem de guerra daqueles que sabem o valor das entranhas da terra. O escuro do dia se despede e os homens guerreiros já partiram para o cume da montanha sagrada. No chão as mulheres acendem o fogo, cantam enquanto oram, uma reza profunda, tão doce, num tom que faz as pernas moverem-se involuntariamente, numa vontade de dançar logo cedo em meio a friagem.

Marco temporal e a PL 490
Aquece o fogo, em brasa expande o cuidado feminino da guarda

Os Guarani M’bya despertam os espíritos no último dia de junho, reivindicam direitos, coisas que nossas letras não traduzem plenamente, mas que me deixam evidente a posse e uso, inato, constituição escrita com sangue.

Subo a montanha também, enquanto as mulheres guardam a entrada do Parque do Jaraguá, semeando velas para iluminarem os que poderes trazem, vedando a entrada de estranhos aos indígenas. 

Marco temporal e a PL 490
Velas postas, chama ausente que reivindica

Tão acima me vejo da metrópole no alto da grande montanha, que ao longe parece uma construção inofensiva, um delírio dos homens. Os indígenas não, velozes e arautos, já escalaram o gigante de ferro, antena de difusão, e lá plantaram seus dizeres, direitos que deles são muito antes dos meus, dos seus.

Marco temporal e a PL 490
Como gavião
Marco temporal e a PL 490
Antena comunica a metrópole da presença indígena

Observo a manhã que já invadiu a cidade, vejo homens pintados, com plumas na cabeça, tão felizes e resolutos como um gesto sagrado, mãos que articulam bandeiras desenhadas em plástico preto, que afirmam uma conquista anterior ao nosso sagrado direito de usura.

Marco temporal e a PL 490
De vento e certeza pulsam

Enfim, a terra não é plana nem o indígena perdeu a razão na humanidade. Os Guarani M’byá resistem à obscura trama, não desistem, tremulam impávida flâmula. Contra a PL 490 gritam, trancam, fazem o movimento.

Marco temporal e a PL 490
A terra curva que nega a rasura

*imagens por Helio Carlos de Mello

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Gratidão pela reUnião das imagens e poesia Guarani Gigantes Guerreirxs ?.

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