Há futuro para a esquerda brasileira?

Maíra durante a campanha no Rio - Foto divulgação MST

Por RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de História da Universidade Federal da Bahia

O 1° turno das eleições municipais confirma o ciclo de derrotas que marca a história da esquerda brasileira desde o golpe parlamentar que derrubou a presidenta Dilma em 2016. A exceção foram as eleições presidenciais de 2022, mas bem sabemos que aquela vitória foi mais de Lula do que da esquerda em si.

            Diante da constatação da crise, são necessárias duas perguntas: por que chegamos nessa situação? Há solução?

            Primeiro, é importante destacar que ser de esquerda em um país como o Brasil nunca foi fácil. Somos um país forjado em mais de 300 anos de escravidão, o que corrompe todas as relações sociais, absolutamente todas. Na primeira metade do século XX, o Brasil teve o maior partido fascista organizado fora da Europa. Na segunda metade do século XX, vivemos uma ditadura militar que durante 21 anos perseguiu as esquerdas. Recentemente, vimos o maior partido de esquerda do Brasil e da América Latina ser alvo de uma campanha midiática/jurídica e policial de desmoralização, uma verdadeira máquina de destruição.

            Definitivamente, ser de esquerda no Brasil é algo, no mínimo, desafiador. Portanto, é importante ter calma, pois não somos a primeira geração a ter que lidar com a “crise” da esquerda.

            Porém, isso não significa que a atual crise não tenha contornos específicos que possam ser atenuados com uma mudança no comportamento político do campo. A esquerda brasileira precisa, urgentemente, repensar a importância que vem atribuindo ao paradigma da diversidade e elaborar um discurso baseado em signos de interesse coletivo e em pautas transversais.

A boa notícia é que aqui e acolá algumas lideranças já começam a perceber o problema. Destaco dois jovens vereadores eleitos para a Câmara dos Vereadores no Rio de Janeiro: Maíra do MST (PT) e Rick Azevedo (PSOL).

Acompanhei com atenção as duas campanhas, que adotaram estratégias diferentes e que sugerem caminhos que me parecem promissoras.

Maíra do MST, nova vereadora do PT no Rio – Foto reprodução do Instagram

Maíra foi impulsionada pelo mais tradicional e importante movimento social da história do Brasil. Conseguiu construir um arco de apoios que ia de Chico Buarque a Marcelo Freixo, passando por Chico Pinheiro e Paulo Betti. Fez uma campanha de rua, mais analógica do que digital. Chama atenção o fato de Maíra, mulher, jovem e negra, não ter trazido o identitarismo para o primeiro plano de sua retórica eleitoral. Toda a campanha esteve baseada no signo da materialidade, na agenda do combate à fome e na importância do MST para a garantia da segurança alimentar dos mais pobres. A marca MST mobilizada evoca mais a agricultura familiar do que a reforma agrária. Maíra foi eleita com quase 15 mil votos.

Rick Azevedo, eleito vereador no Rio pelo PSOL – Foto Redes Sociais

Já Rick Azevedo ganhou notoriedade na internet, especialmente no TikTok e no Instagram, discutindo propostas para melhorar a saúde mental dos trabalhadores. A principal proposta é o enfrentamento à jornada de trabalho 6 X 1. No Rio de Janeiro, Rick lidera um debate que está sendo feito no mundo inteiro, mostrando a relevância da pauta do trabalho para as esquerdas. Rick também não sucumbiu ao identitarismo. Com foco nas dores que afetam todos aqueles que vivem do trabalho, o rapaz foi eleito com quase 30 mil votos, sendo o mais votado pelo PSOL. Tomara que ele consiga colaborar para o amadurecimento do partido.

Maira e Rick. Jovens, negros e atentos ao cotidiano dos trabalhadores pobres. Ambos resistiram à armadilha identitária e foram eleitos mobilizando agendas de interesse coletivo. Estão apontando o caminho que todos deveríamos trilhar. Dois mandatos, na capital mais complexa do país, berço do bolsonarismo. É pouco? É sim, mas em tempos tão difíceis não existe boa notícia que seja irrelevante.

Maíra e Rick, Rick e Maíra. Pode parecer nome de dupla sertaneja. Para nós, da esquerda, representam a esperança de que podemos voltar a dialogar com a totalidade da população pobre, e não apenas com nichos identitários que somente existem na imaginação dos militantes profissionais.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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