A repressão durante a ditadura militar era cruel e covarde. E há 32 anos, no dia 4 de setembro de 1990, foi descoberto mais uma camada da brutalidade do regime instaurado: uma cova clandestina, no Cemitério de Perus, em São Paulo, com cerca de 1.500 corpos enterrados de forma negligente. Entre as ossadas, haviam vítimas da violência da ditadura militar.
Por: Dani Alvarenga
O túmulo coletivo foi descoberto ainda no final de 1970, pelo chefe do Cemitério Dom Bosco, Antônio Pires Eustáquio. No entanto, a configuração política impedia a revelação das atrocidades cometidas pelos militares. O governo de São Paulo, especialmente, era comandado por Paulo Maluf, simpatizante dos militares e político conservador.
Já em 1990, Antônio Eustáquio voltou a falar sobre o assunto, mas agora para o repórter Caco Barcellos, que estava elaborando seu livro Rota 66. Apesar de não se relacionar com o tema da sua obra, o jornalista viu a importância do fato e elaborou uma reportagem para o Globo Repórter.
Durante a investigação, foi descoberto que as vítimas da ditadura tinham seus nomes alterados e, assim, eram enterradas. Como os corpos não eram identificados, após 3 anos e 30 dias, eram retirados de suas covas para dar espaço para novos cadáveres. Na teoria, eles deveriam ser enterrados novamente no mesmo local, mas ainda mais abaixo da terra. Na prática, as vítimas foram jogadas na cova clandestina sem qualquer identificação.
Décadas se passaram com parentes buscando por justiça e pelo direito de enterrar seus entes queridos, mas a descoberta do descaso com os corpos foi quase uma pá de cal na esperança dos familiares.
Em 1990, Luiza Erundina, prefeita de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores, tomou para si a responsabilidade da situação e passou por cima da Polícia Militar e do IML, reivindicou a tutela dos corpos à Prefeitura e instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). A investigação levou a outros locais onde mais corpos de militantes estavam enterrados clandestinamente.
No Cemitério de Perus, foi construído um memorial com os dizeres: “Aqui, os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência do Estado policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo, os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos”.
Em abril de 2022, foi finalizado o processo de recolhimento de material genético para a catalogação dos ossos. No entanto, quase nenhum corpo foi realmente identificado, o número atual é de apenas 5 pessoas reconhecidas, as duas últimas foram feitas em 2018. Os estudos foram realizados fora do país, na Bósnia, e as identidades foram reveladas em fevereiro e a outra em dezembro. Estavam para análise 41 corpos na Bósnia, onde as pesquisas foram retomadas em 2014.