“Não tem dó no peito
Não tem jeito
Não tem coração que esqueça
Não tem ninguém que mereça
Não tem pé não tem cabeça
Não dá pé não é direito
Não foi nada eu não fiz nada disso
E você fez um bicho de 7 cabeças”
Bicho de 7 cabeças – Geraldo Azevedo
“Pra piorar, a dotôra Méri, anotou no meu prontuário que eu era narcisista – porque ela acreditava nisso, ou porque precisava justificar sua atitude. E, se ela tiver razão, esse texto vai ser uma ótima forma de confirmar”.
Saúde mental não é brincadeira. Falo com consciência de caso, de classe, de raça, de gênero, número e grau. Por isso, abro aspas nas indicações de leitura desse nosso Café com Muriçoca, pra um breve desabafo. Ceis me aguenta?
Faço tratamento para depressão e ansiedade há quase dez anos, desde o dia em que desabei a chorar na sala de aula, sem nenhum motivo aparente. De lá pra cá, perdi meu emprego, desfiz um casamento feliz e oscilei, bipolarmente, entre uma numerosa produção artística, alguns títulos acadêmicos, militância, ameaças de morte, longos períodos de auto exílio e outros, como este, de superexposição.
Segundo dados da OMS, a depressão é atualmente a doença mais incapacitante do mundo. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, essa doença “ocupa 1º lugar quando considerado o tempo vivido com incapacitação ao longo da vida”. Ela é responsável pela morte por suicídio de mais de 800 mil pessoas. Só que, enquanto estamos vivas, a patologia não sangra… Então, mesmo profissionais de saúde, têm dificuldade em diagnosticar e levar a sério – o que causa ainda mais sofrimento e desarranjo social.
Eu, por exemplo, fiquei permanentemente desempregada depois que uma médica, a Dra Mariana Méri tô Cracía, daquela empresa que anuncia não ter burocracia, nem fila, nem susto e nem… qual é mesmo o nome dela? É Dr. Consulta, descurpa…
Depois que a médica me expulsou da sua sala, tendo me negado atestado médico porque, afinal, eu estava era com frescura, fui obrigada a abrir mão do meu cargo público e nunca mais arranjei emprego formal.
Pra piorar, a dotôra Méri, anotou no meu prontuário que eu era narcisista – porque ela acreditava nisso, ou porque precisava justificar sua atitude. E, se ela tiver razão, esse texto vai ser uma ótima forma de confirmar, porque eu hoje me vejo, de fato, como uma pessoa excepcional: sobrevivi à fome, a uma série absurda de abusos (sexuais, inclusive) e à violência armada desse país genocida. Tenho inteligência acima da média, carisma, talento como artista, sensibilidade, empatia y otras cositas más. Pra melhorar, eu sou bonita – embora tenha demorado décadas pra me enxergar, entender e aceitar tudo assim.
Então, se for da vontade de todes, a narcisa que habita em mim, saúda a narcisa que mora em vocês.
Mas, nessa história, uma coisa ainda me dói profundo: depois que a Dra Méri me fez duvidar da minha índole, do meu adoecimento mental e da utilidade de seguir viva, perdi a coragem de usar meu direito de ser amparada por questões de saúde e, nunca mais estando empregada, fui literalmente obrigada a viver como artista.
O trágico é que só perdi meu emprego porque a Méri decidiu que o que eu tinha era falta de caráter. Por outro lado – e depois de assumir publicamente minhas derrotas e limitações -, estou ciente de que agora é que me lasco de vez. Nunca mais ninguém vai me querer.
“Quem me conhece sabe” (rá!) que eu detesto ter que sobreviver da minha arte. Não porque não queira ser valorizada, mas porque quando ela se torna simples mercadoria seu destino manifesto é o comércio. E eu tenho medo de sprito, moça, mas coloco a minha alma no que escrevo, logo, ainda que ela seja sem caráter, narcísica, psicopata, depressiva ou o que quer que queiram, ela não está à venda. Me dói ter que sobreviver assim, pela inconstância dos recursos, que me põe insegura na criação das minhas filhas, e, principalmente, porque a obrigação da venda desvirtua o princípio básico da arte, que é humanizar nossas vidas.
Mas já falei demais. Por hoje, era só isso mesmo.
Na próxima, retomo as indicações de obras literárias negras e periféricas, já que, como diz meu amigo, Nivaldo Brito, “um livro pode salvar muita gente/menos quem o escreveu”.
Como diria o Seu Omar… Trágico!
Dinha (Maria Nilda de Carvalho Mota) é poeta, militante contra o racismo, editora independente e Pós Doutora em Literatura. É autora dos livros "De passagem mas não a passeio" (2006) Zero a zero: 15 poemas contra o genocídio da população negra (2015) e Horas, Minutas y Segundas (2022), entre outros. Nas redes: @dinhamarianilda
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