Ambientalistas bombardeiam projeto de petista por favorecer mineradoras em Minas

Deputado propõe alterações na Lei Mar de Lama Nunca Mais, que criou a Política Estadual de Segurança de Barragens, e é repudiado até por militantes do PT, que soltaram nota

Começou a tramitar ontem, 17, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o polêmico Projeto de Lei 3497/22 apresentado pelo deputado Virgílio Guimarães, do PT. Agora, pelo visto, é pra valer. O parlamentar havia apresentado o projeto 3.209, mas, diante do bombardeio de ecologistas e petistas contra a proposta, Virgílio recuou e retirou a proposta de tramitação. Porém, agora ele voltou à carga e registrou novo projeto que, segundo ambientalistas, também favorece as mineradoras que destroem as montanhas de Minas e deixam em pânico milhares de pessoas que moram abaixo das mais de 50 barragens existentes no estado.

Ex-deputado federal e agora deputado estadual, Virgílio é acusado de atuar em benefício de mineradoras em Minas – Foto Divulgação

Só o fato de correr a notícia de que o deputado Virgílio Guimarães deu entrada novamente ao projeto na Assembleia já foi suficiente para agitar as redes sociais e os ambientalistas mineiros. O parlamentar é visto como um aliado das empresas mineradoras em Minas, e sua iniciativa já fez com que muita gente cuspisse marimbondos contra o deputado (confira prints abaixo). E, pior, até mesmo um grupo de petistas decidiu soltar Nota de Repúdio contra a proposta que amplia o prazo de “descomissionamento” ou descaracterização das barragens. O tal do “descomissionamento”, um termo adotado pela Vale S/A e demais mineradoras para engalobar a imprensa e o público em geral, nada mais é do que a desativação das barragens com o devido esvaziamento, simples assim.

Confira a moção de repúdio, publicada a seguir:

MOÇÃO DE REPÚDIO AO PL 3497/2022
AO PARTIDO DOS TRABALHADORES E BANCADA DE DEPUTADOS ESTADUAIS DO PT

Membros do Coletivo Resistência MG, reunidos na noite do dia 10 de fevereiro de 2022, aprovaram a
seguinte moção:

Nós, integrantes do Coletivo Resistência-MG, estamos acompanhando com muita indignação e
perplexidade as movimentações e iniciativas do Deputado Virgílio Guimarães para alterar a Lei 23.291/19,
conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais, premiada e reconhecida como uma lei modelo, amplamente
discutida pela sociedade e aprovada por unanimidade na ALMG.
O deputado Virgílio apresentou o Projeto de Lei 3.209/2021 propondo alterações nesta Lei que instituiu a
Política Estadual de Segurança de Barragens, mais precisamente: “Determina a descaracterização de todas as
barragens de contenção de rejeitos e resíduos, alteadas pelo método a montante, provenientes de atividades
minerárias, existentes em Minas Gerais e dá outras providências”. O Movimento social organizado e a militância
fizeram movimentações contrárias a este PL do deputado, e emitiram um abaixo-assinado com mais de 120
organizações, mandatos, e 2.500 pessoas exigindo a retirada do PL. Após essa pressão, que se avolumava, o
deputado informou a porta-vozes que entraria com um substitutivo, o que não aconteceu, e, em seguida,
decidiu retirar seu PL de tramitação.
Neste dia 10 de fevereiro de 2022, o deputado Virgílio Guimarães apresentou um novo Projeto de Lei de
número 3497/22 que altera significativamente o anterior, mas não muda o mais grave: mantém os prazos
relaxados e flexibilizados para as mineradoras realizarem o descomissionamento das barragens de rejeitos.
Só no Estado de Minas Gerais há mais de cinquenta barragens que devem cumprir as medidas que exigem a
Lei 23.291/19, a vencer já no início deste ano. Com esse relaxamento, as empresas mineradoras ficarão livres
das multas pesadas e terão mais prazo para empurrar os graves problemas das barragens de rejeitos que
ameaçam milhares de vidas em nosso Estado, como ocorreu com as barragens da Vale em Mariana e em
Brumadinho. Mais precisamente, o artigo V do novo PL do Deputado Virgílio traz como prazos fixados:
Alíneas:
a) até 15 de setembro de 2025, para barragens com volume até 30 milhões de metros cúbicos;
b) até 15 de setembro de 2027, para barragens com volume acima de 30 milhões de metros cúbicos.
Entendemos que não cabe ao PT e nem aos seus parlamentares proporem facilidades e flexibilizações para
as mineradoras. Nosso Partido não pode se curvar e concordar com essa iniciativa infame de conceder mais
tempo, sob riscos de novas tragédias e crimes ambientais, que serão eventualmente cobrados pela sociedade
e imputados ao partido. Estamos cansados de tantas perdas de vidas humanas, e ambientais em amplo
aspecto, e impunidade. Exigimos da direção do PT que desaprove qualquer conduta parlamentar que vise
proteger ou facilitar atividades das mineradoras, sob pena de vermos iniciar novos e mais vigorosos
movimentos para barrar mais esse PL indecoroso. Nosso partido não pode sofrer mais esse desgaste.
Belo Horizonte, 10 de fevereiro de 2022
COLETIVO RESISTÊNCIA MG, composto por mais de cem militantes e filiados, com ações de rua e nas redes
sociais, em sua grande maioria filiados ao Partido dos Trabalhadores, e que vivem, trabalham e lutam em
várias regiões do estado de Minas Gerais.

Bom, como era de se esperar, a insistência do deputado Virgílio em apresentar novamente o projeto, presenteando as mineradoras, fez com que pessoas de vários grupos do WhatsApp etc se agitassem em repúdio ao parlamentar. Confira:

O deputado Virgílio Guimarães atendeu a solicitação dos Jornalistas Livres e enviou a seguinte nota sobre as críticas que seu projeto vem recebendo:

“Sobre nota do Coletivo Resistência MG, de 10 de fevereiro de 2022, o deputado estadual Virgílio Guimarães esclarece: 
A opção por retirar o PL 3209 e apresentar o novo Projeto de Lei 3497/22 deveu-se às inúmeras contribuições recebidas nas últimas semanas, após amplo debate com movimentos sociais, especialistas e população em geral. Críticas e sugestões foram incorporadas à nova proposta, reforçando o papel democrático do processo legislativo.  
O PL 3497 não altera o prazo atual para o descomissionamento de barragens, até porque o projeto só será votado depois do dia 25 de fevereiro. Quem descumprir o prazo da Lei “Mar de Lama Nunca Mais” sofrerá as penalidades, que serão definidas a critério do Copam, ou seja, do governo atual. Ao avaliar um descumprimento de prazo, o órgão provavelmente irá considerar o período de pandemia e outras circunstâncias. Vale ressaltar que, de acordo com a lei atual, penas leves não incidem em multa.   
O PL 3497/22 propõe a adequação da legislação mineira às regras e procedimentos da Agência Nacional de Mineração – ANM e da Lei Federal nº 14.066/2020, que já estabelecem novos prazos para a descaracterização das barragens.
O projeto estabelece medidas mais rígidas de segurança e punição severa em casos de descumprimento. A proposta também prevê maior controle social, amparo aos trabalhadores, além do estímulo à mineração saudável e à economia do Estado.

Permaneço à disposição”

Manuelzão também é contra

“Menos de uma semana depois de retirar da tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) o Projeto de Lei (PL) 3.209, que flexibiliza a Lei Mar de Lama Nunca Mais, o deputado estadual Virgílio Guimarães (PT) apresentou outra proposta com a mesma finalidade. O PL 3.497, apresentado na ALMG na manhã desta sexta-feira (11/2), tem as mesmas definições de seu antecessor, retirado de pauta após uma onda de indignação e ampla mobilização contrária, mas é ainda pior. Nesse falso recuo, considerações sobre a pandemia que não têm relação alguma com o tema foram incluídas, aproveitando a regra de tramitação mais célere para assuntos relacionados a Covid-19, e são previstas diferentes situações em que o estado abre mão de processos regulatórios em relação a barragens”. As afirmações acima são do Projeto Manuelzão, da UFMG, um dos mais sérios quando o assunto é meio ambiente em Minas.

Manuelzão destaca ainda que “a proposta do deputado insiste na defesa dos interesses das grandes mineradoras em detrimento à segurança da população mineira, em especial comunidades que vivem perto dessas inúmeras estruturas e os trabalhadores da atividade minerária. Alegando dar mais “rigor e clareza na segurança de barragens”, a proposta visa, por exemplo, ampliar o prazo para descaracterização de barragens de rejeitos a montante. Na prática, a ampliação do prazo abre margem para elas jamais sejam descomissionadas.” Confira o texto integral em https://manuelzao.ufmg.br/dias-apos-retirar-pl-virgilio-guimaraes-pt-apresenta-outro-projeto-para-flexibilizar-mar-de-lama-nunca-mais/

Confira o texto do Projeto de Lei 3497/2022, agora em tramitação:

https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/tramitacao_projetos/texto.html?a=2022&n=3497&t=PL

Há nove anos, em 22 de fevereiro de 2013, o portal da revista “Isto É” mostrou o que seriam os primeiros passos de Virgílio Guimarães na área de mineração, em Serra Pelada:

https://istoe.com.br/277860_VOSSAS+EXCELENCIAS+OS+GARIMPEIROS/

Veja também: https://conexaoto.com.br/2013/01/26/coomigasp-abre-caminho-para-contrato-com-grande-grupo-nacional-para-exploracao-da-montoeira-de-serra-pelada https://www.noticiasdemineracao.com/gerais/news/1136467/-deputados-querem-extrair-ouro-serra-pelada?source=noticiasdemineracao

Quem é

Economista e servidor aposentado da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em 1986, Virgílio Guimarães de Paula foi eleito deputado federal constituinte. Em 1992, foi eleito o vereador mais votado em Belo Horizonte. Exerceu outros três mandatos como deputado federal (1999-2003; 2003-2007; e 2007-2011), quando foi relator da Reforma Tributária, presidente da CPI da Dívida Pública e membro da Comissão do Pré-Sal, entre outros. Formou-se em Economia em 1974 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Enquanto estudante universitário, foi presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG, em 1972. Foi assessor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (1977-1982), presidente do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais (1983-1986), diretor da Federação Nacional dos Economistas (1986-1989), presidente do PT em Belo Horizonte (1992-1993) e diretor da União dos Vereadores de Minas Gerais (1994-1996).

O curioso é que, após ser eleito o vereador mais votado em Belo Horizonte nas eleições de 1992, pelo PT, em 2018 Virgílio Guimarães mudou sua base eleitoral para o Norte de Minas durante a disputa por uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas. Naquelas regiões não existem barragens de empresas mineradoras. Enquanto obteve 4.516 votos na capital mineira, na pequena Espinosa, terra da ministra Cármen Lúcia, do STF, quase na divisa com a Bahia, Virgílio obteve sua maior votação, com 6.501 votos, 41% dos votos depositados nas urnas da cidade. Para conquistar esses votos, ele contou com uma doação de R$ 100 mil do empresário mineiro Rubens Menin Teixeira de Souza, dono da Construtora MRV, da TV CNN Brasil e um dos grandes mecenas do Clube Atlético Mineiro.

Em 2014, o advogado Gabriel Guimarães, filho de Virgílio, disputou uma vaga na Câmara dos Deputados e foi reeleito com 200.014 votos. Entre seus 309 doadores de dinheiro para a campanha, figurava a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), que explora o precioso nióbio em Araxá, tendo contribuído com R$ 108.390,45. Mas a maior doação foi feita pelo Bradesco, com 142.500,00. Na Câmara, Gabriel participou de comissões e de discussões relativas a mineração, e apareceu como titular da comissão externa que tratou do rompimento da barragem da Vale S/A em Mariana, onde morreram 19 pessoas.

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