A verdadeira sorte de Lula é a biografia de Arthur Lira

Charge de Miguel Paiva

RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

Muito se fala sobre a “sorte” do presidente Lula, o que para muitos explicaria o sucesso, especialmente na economia, desses primeiros seis meses de governo. Bom, não tenho dúvida de que Lula é, de fato, um homem de sorte, de muita sorte. Afinal, Lula é o penúltimo filho de Dona Lindú, o sétimo entre oito irmãos. Nasceu no sertão de Pernambuco em meados da década de 1940. Conseguiu sobreviver à primeira infância, chegar à idade adulta e ainda ser eleito presidente da República de um dos países mais importantes do mundo, e por três vezes.

Quando tudo parecia perdido, um hacker de Araraquara, estelionatário especializado em pequenos golpes, meio que sem querer tropeça no WhatsApp de Moro, Dallagnol e Cia. O resto é história bem conhecida, e recente o suficiente para ainda estar viva na memória de todos nós.

Sujeito de sorte, de muita sorte!!! Até mesmo os detratores de Lula concordam com isso.

Mas aqui, neste texto, quero abordar outra manifestação da sorte política do presidente Lula, algo que vem sendo pouco falado na crítica política especializada. Quero falar sobre Arthur Lira.

Mas o que Arthur Lira tem a ver com a sorte política do presidente Lula? Tudo! Explico.

Já nos primeiros dias de governo, ficou claro que não seria o bolsonarismo a pedra no sapato do governo Lula. O bolsonarismo queimou a largada já no 8 de janeiro, gastando todas as fichas na tentativa de golpe. Ao fazê-lo, fez aposta de altíssimo risco. Não tem meia vitória e nem meia derrota quando se tenta um golpe de Estado.

Ou Lula morderia a isca e decretaria a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o que decretaria o fim de seu governo, ou conseguiria resistir à ofensiva. Como o presidente leu perfeitamente o cenário, acabou saindo ainda mais fortalecido da intentona bolsonarista.

De lá pra cá, o bolsonarismo, acuado pela justiça, só faz barulho na internet e no Congresso Nacional, sendo pouco efetivo em apresentar uma oposição institucional que, de fato, crie problemas ao governo.

Mas com Arthur Lira a situação é bem diferente. Em fevereiro, Lira foi reeleito presidente da Câmara dos Deputados com a maior votação da história. Era a consagração definitiva do líder político alagoano que durante o governo de Jair Bolsonaro tomou para si a execução do orçamento federal, o que na prática lhe transformou no homem mais poderoso da República.

Quando começou o governo Lula, Lira estava convencido de que tinha condições de chantagear o novo presidente, colocando-lhe a faca no pescoço e exigindo o mesmo poder que tinha antes. Foram várias entrevistas na imprensa, onde Lira, altivo, dizia que o governo não tinha base no Congresso, criticava a “articulação política” do Palácio do Planalto. Falava grosso, transmitindo ao país a imagem de um governo fraco que, em última instância, estaria em suas mãos.

No começo de junho, a jornalista Andréia Sadi chegou publicar no jornal “O Globo” uma reportagem intitulada “O risco de Lula-Lira virar Dilma-Cunha”, em escandaloso prognóstico de um futuro processo de impeachment que Lira poderia abrir contra o presidente Lula. O texto de Sadi significava a naturalização do golpismo que desestabiliza o país desde 2016, mas traduzia a atmosfera política de Brasília.

De um lado, Lira, todo poderoso com seu blocão com mais 200 parlamentares. Do outro lado, Lula, enfraquecido, sem base de apoio no Congresso Nacional e com sérios problemas na tal “articulação política”.

Em um mês, o cenário se transformou profundamente.

No lugar de entrevistas em tom ameaçador, Lira elogia publicamente o ministro Fernando Haddad. Trabalha aos domingos, reunindo líderes para acelerar a aprovação nas pautas de interesse do governo. No Twitter, defende a PL do CARF, a PEC do arcabouço fiscal e a PEC da Reforma Tributária, todas estratégicas para o governo.

O Lira tigrão deu lugar ao Lira tchuchuca.

Mas por que essa mudança tão brusca de comportamento?

A explicação está na trajetória política de Arthur Lira, atravessada por inúmeros escândalos de corrupção. Desvio de dinheiro na compra de equipamentos de robótica para escolas públicas em Alagoas, rachadinha na Assembleia Legislativa de Alagoas, dinheiro vivo apreendido com assessor no aeroporto de Congonhas, denúncias de estupro e agressões à ex-esposa.

A cueca de Lira está cheia de marcas de batom!!

Não foi à toa que nas últimas semanas Lira foi acuado pela Polícia Federal e pelo Supremo Tribunal Federal. Sua primeira reação foi gritar e esbravejar. Depois, como político experiente que é, percebeu o que está, de fato, em jogo: uma enorme lâmina de guilhotina está pendurada sobre seu pescoço, suspensa por um fio muito frágil, que a qualquer momento pode se romper, ou ser rompido.

Lira entendeu que não pode apostar alto demais, que não consegue mais pedir muito e que o melhor a fazer é se contentar com o que tem e não atrapalhar a vida do governo. Sabe que se exagerar na ousadia, pode ter o mesmo destino político de Eduardo Cunha.

Lira está fragilizado pela própria biografia. Essa é a sorte de Lula.

Um adversário politicamente morto não serve pra nada. Porém, fragilizado e precisando negociar diariamente sua sobrevivência, pode ser muito útil.

Buscando inspiração do vocabulário utilizado por Maquiavel, que nos ensinou a pensar a política em termos modernos, poderíamos dizer que a falta de virtude de Lira significa a boa fortuna de Lula.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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