por Paulo Nogueira Batista Jr.*
O desempenho econômico do Brasil tem sido visto como surpreendente. Não por todos, leitor ou leitora. Não por este economista que vos escreve, ou não inteiramente. Cheguei a avisar, mais de uma vez, que a recuperação da economia poderia nos surpreender.
A capacidade de previsão dos economistas é notoriamente muito baixa. Não tenho a pretensão de me excluir dessa regra geral. Mas o que se pode esperar de nós é, pelo menos, uma certa noção, ainda que vaga, da direção e do ritmo de crescimento da economia.
Nem isso, entretanto, conseguimos. Vejamos o que dizia a pesquisa semanal Focus do Banco Central – uma compilação das projeções dos economistas de cerca de 130 bancos, gestores de recursos, consultorias e outras instituições. No final de 2022, a pesquisa Focus apontava apenas 0,8% como projeção mediana para o crescimento do PIB em 2023. Ora, uma taxa de apenas 0,8% implica crescimento zero do PIB per capita, o que confirmaria o cenário de longa estagnação que vinha atravessando a economia do País.
No entanto, tanto no primeiro como no segundo trimestres de 2023, o PIB veio acima do esperado pelo mercado e por instituições internacionais como o FMI. Repare, leitor ou leitora, que basta o PIB permanecer estagnado na margem, até o final do ano, para que a taxa de crescimento de 2023 fique em torno de 3%, graças ao chamado carry over estatístico. O resultado não chega, claro, a ser espetacular, mas somado a um crescimento da mesma ordem em 2022, já recoloca a economia brasileira em trajetória de recuperação.
É verdade que a formação bruta de capital fixo e a taxa agregada de investimento ainda estão fracos, o que deixa dúvidas quanto à sustentabilidade do crescimento no médio prazo. Porém, isso é até certo ponto normal. Primeiro cresce o consumo, o que aumenta a utilização da capacidade instalada e, em seguida, crescem novos investimentos na ampliação do parque produtivo. Essa é a sequência habitual, apresentada aqui de forma ultra simplificada.
Ajustando-se tardiamente às novas informações, a pesquisa Focus indica que os economistas de mercado estão prevendo agora crescimento um pouco maior, de 2,6% em 2023. Insistem, porém, em projetar apenas 1,3% para 2024. Talvez estejam subestimando de novo a trajetória do PIB. Ficam, em todo caso, protegidos pela máxima de Wall Street: “If you have to forecast, do it often” (Se tiver que fazer projeções, faça-as com frequência.) A cada rodada da consulta semanal do Banco Central, os economistas do mercado vão corrigindo seus erros, contando com a memória curta do público, da mídia e do próprio mercado.
Causas da retomada da economia
O que explica esse resultado até aqui tão melhor do que o esperado pela maioria? Segue um pouco de engenharia de obra feita, caro leitor ou leitora.
Em retrospecto, parece clara a importância da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), negociada pelo presidente eleito e aprovada pelo Congresso em dezembro de 2022 – a chamada PEC de transição, alcunhada de “PEC da gastança” pela Folha de S.Paulo. O que ela fez foi abrir espaço no teto constitucional de gastos do governo Temer, ainda em vigor em 2023, para uma série de gastos urgentes. Urgentes ao mesmo tempo dos pontos de vista político (cumprimento de promessas de campanha), social (socorro às famílias mais pobres) e econômico (transferência de recursos para quem gasta rapidamente, colocando a economia em movimento). Por exemplo, a retomada da política de aumento gradual do salário mínimo em termos reais. Outro exemplo: a ampliação, correção e aprimoramento do Bolsa Família, sob comando do ministro Wellington Dias. Ainda outro: o aumento da faixa de isenção do imposto de renda, beneficiando sobretudo pessoas de renda baixa ou média-baixa. Essas três medidas estimularam o consumo das famílias mais pobres. Para o investimento agregado, o crucial foi o princípio de retomada das obras públicas, a ser intensificada com o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Todos esses fatores são de natureza concreta: estimulam a demanda agregada diretamente e com isso a atividade econômica e o emprego. Mas há fatores adicionais, menos observáveis e mais objeto de conjecturas, plausíveis em menor ou maior medida. Um deles me parece crucial – a dinâmica da retomada depois de um período prolongado de dificuldades. É o caso do Brasil hoje. A economia passa, desde 2016, por um período de recessão/estagnação, acompanhada de grande instabilidade política e deterioração do quadro social. Qualquer princípio de retomada, como em 2023, qualquer sinal, por mais modesto, de que o governo está se organizando minimamente já produz um impacto sobre a confiança dos investidores e consumidores, afetando positivamente a economia e iniciando (ou contribuindo para) um processo de recuperação que se auto reforça. A percepção de que essa dinâmica seria possível me levou a pensar que o crescimento da economia tenderia a ser mais acentuado do que se previa. A barreira, entretanto, é o elevado custo do crédito, decorrente da política de juros do Banco Central e dos elevados spreads bancários praticados no País.
Com a reação da economia, melhorou o mercado de trabalho, realimentando a recuperação. A taxa de desemprego caiu, tanto no conceito restrito como no conceito ampliado. A renda real dos trabalhadores aumentou um pouco, em consequência da redução do desemprego e do efeito favorável da queda da inflação, particularmente dos alimentos, que pesam mais na cesta básica. Apesar do endividamento das famílias, o consumo reagiu. Pode-se supor que a reação do consumo se deve, em parte, à demanda reprimida durante a pandemia. Mas este efeito deve ter ocorrido mais em 2022 do que em 2023.
O quadro geral é de sucesso, portanto, reivindicado compreensivelmente pelo governo Lula. Atenção, porém. Não vamos exagerar e nem creditar ao novo governo méritos indevidos. O crescimento do PIB ainda é modesto. E uma parte significativa dele reflete o desempenho do setor primário exportador (agropecuária e mineração), que responde a fatores climáticos e reflete o extraordinário progresso desse setor nas décadas recentes.
Perspectivas de curto e médio prazos
A recuperação pode durar? Ela dependerá, daqui para frente, mais do impulso ao investimento. Fundamental será a eficácia do novo PAC, o programa de investimentos recém-lançado pelo governo. A política monetária do Banco Central precisa atrapalhar menos. Um primeiro passo nessa direção foi dado na reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, já sob a influência, presumo, do novo diretor Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula. A redução dos juros permitiria reduzir o déficit total do setor público (via custo da dívida) sem sobrecarregar o governo com a tarefa de gerar superávits primários (isto é, nas contas exclusive juros).
Importante, também, que a busca da meta ambiciosa de déficit primário zero em 2024 seja alcançada, sem obstruir o novo PAC e, se for politicamente possível, com a tributação dos super-ricos, como pretende o ministro Haddad. A tributação dos bilionários é recomendável, não só por motivos de justiça social, mas também porque é uma forma de ajustar as contas públicas e de reduzir a renda disponível do setor privado sem desencadear efeitos adversos sobre a demanda agregada e o crescimento da economia.
Mantido um ritmo de crescimento na faixa, digamos, de 4% ao ano, o Brasil deixará para trás o tempo de estagnação e consolidará a sua posição de 8ª economia do mundo em termos de PIB por paridade de poder de compra, um pouco abaixo da Indonésia e acima do Reino Unido e da França.
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(*) O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.
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