Finalmente, foi assinado na manhã de hoje o acordo entre a mineradora Vale S/A e o estado de Minas em torno da morte de 272 pessoas e prejuízos causados pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, em 25 de janeiro de 2019. Os familiares dos mortos e os atingidos direta ou indiretamente, porém, não foram ouvidos e reclamam do acordo. O governo do Estado receberá R$ 37,68 bilhões como “reparação de danos”.
O valor, porém, não será totalmente destinado à reparação de danos, e essa é uma das reclamações dos atingidos. Além dos mortos, a lama despejada pelo rompimento da barragem afetou a vida de pelo menos 108 mil famílias de pequenos agricultores, indígenas e pescadores ao longo do Rio Paraopeba, um dos afluentes do Rio São Francisco.
No dar início às negociações, o Estado e os órgãos de Justiça tinham solicitado R$ 54,7 bilhões, sendo R$ 26,7 bilhões para danos materiais e R$ 28 bilhões por danos morais coletivos. A primeira proposta da Vale foi de R$ 16,45 bilhões.
Com o fim das negociações após seis rodadas, o Estado pretende destinar parte dos R$ 37 bilhões para a construção de um Rodoanel em torno de Belo Horizonte (entrocamento entre a BR-381, BR-040 e BR-262, para por fim aos gargalos atuais) e também para o Hospital de Pronto-Socorro e ao metrô da capital mineira, resolvendo parte de suas demandas. Portanto, é um dinheiro que cai dos céus graças ao crime da Vale em Brumadinho. Apenas 30% da indenização serão aplicados a esta cidade.
São prometidos recursos para o pagamento do Programa de Transferência de Renda à população atingida e investimentos na recuperação de municípios da Bacia do rio Paraopeba, além da destinação para áreas de saúde, saneamento e infraestrutura. A partir da próxima semana serão abertos editais para diversas obras, que devem ser concluídas em quatro anos.
Protesto
Várias entidades como o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e a Associação de Moradores de Córrego do Feijão, o bairro de Brumadinho onde o crime ocorreu, alegam que não foram ouvidos no processo. Atualmente, os atingidos reclamam contra a suspensão do auxílio emergencial pago pela Vale, assim como a não reparação a familiares dos mortos e a quem teve seus meios de sobrevivência inviabilizados, como é o caso dos agricultores e pescadores, principalmente.
Enquanto as cúpulas do governo de Minas e da Vale estiveram discutindo o acordo, na manhã de hoje, várias pessoas atingidas pela lama na bacia do Rio Paraopeba e da direção do Movimento dos Atingidos por Barragens se postaram diante da porta do Tribunal de Justiça de MG para protestar contra a assinatura do acordo nos moldes em que foi negociado, sem participação dos atingidos e com lucros para a mineradora criminosa.
Durante os protestos, o MAB divulgou o seguinte posicionamento sobre o acordo:
1. O que é bilionário não é o acordo, é o estrago cometido pela crime da Vale em Brumadinho.
2. O acordo não cobre os prejuízos causados pelo crime e a Vale sai ganhando bilhões.
3. O Atingidos organizados no MAB consideram esse acordo uma primeira parcela dos direitos, conquistamos a continuidade dos pagamentos mensais para não ter fome até a reparação integral.
4. Vamos recorrer ao STF, pois foram violados vários direitos da forma como foi feito esse acordo, especialmente o direito a participação dos atingidos.
5. A Vale segue impune e nós continuaremos a luta pelos direitos e para que novos crime não ocorram novamente. Por que justiça só com luta e organização.
De acordo com o dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andreoli, os principais prejudicados foram justamente os menos ouvidos e atendidos no acordo. Ele defende que o valor a ser pago deveria ser o pedido inicial, de R$ 54 bilhões. “É um acordo ilegítimo. Eles falam que é um acordo bilionário, mas é preciso lembrar que estamos falando de um crime bilionário que a Vale cometeu. Foi um bom acordo só para o governo”, pontuou.
A Associação dos Familiares das Vítimas de Brumadinho (Avabrum) reclamou de não ter participado do processo de negociações. “Fomos mais uma vez excluídos do processo, cujo dinheiro advém do sangue das nossas joias. Esperamos que o dinheiro desse acordo seja aplicado na reparação, que traga melhorias e bem-estar aos municípios verdadeiramente impactados e que honre a memória dos nossos”, diz a nota divulgada.
Maior acordo
O acordo, considerado o maior da América Latina se for considerado o valor de R$ 37 bilhões, põe fim à possibilidade de uma batalha jurídica, que poderia se estender por mais de uma década sobre a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos a mina Córrego do Feijão, conforme o presidente do Tribunal de Justiça de MG, Gilson Lemes.
“Conseguimos finalizar o maior acordo da história do Brasil em termos de fixação de compensação e reparação socioambiental. O conflito foi solucionado por meio da mediação e conciliação, de forma neutra e imparcial, promovendo o diálogo entre as partes envolvidas. Assim chegamos a esse acordo histórico para Minas Gerais, o Brasil e o mundo”, afirmou Lemes.
“São dezenas de projetos a serem desenvolvidos, alguns a serem executados pela empresa Vale e outros pelo Governo do Estado. O valor será depositado em juízo e revertido em favor dos atingidos e que será pago mensalmente, como transferência de renda, e também a recuperação ambiental de todo ambiente atingido. São programas que constam no acordo com prazos definidos de execução. Caberá fiscalização do Ministério Público, Defensoria Pública e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Além disso, deverão ser prestadas informações ao Tribunal de Contas do Estado” acrescentou Gilson Lemes.
Linha do tempo da conciliação
Ano 2020
22 de outubro – É realizada a primeira audiência de conciliação no Cejusc de 2ª grau entre a Vale S.A. e o Estado de Minas Gerais na reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem. Nela, foram analisadas e aprovadas sete das nove premissas para o acordo.
17 de novembro – Na 2ª audiência de conciliação, representantes do Estado de Minas Gerais, da Advocacia-Geral do Estado (AGE), da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério Público Estadual (MPE), do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública Estadual (DPE) e da Defensoria Pública Federal (DPF) apresentaram nova proposta para análise da Vale S.A.
9 de dezembro – Na 3ª audiência de conciliação ficou acertado que, para dar andamento as tratativas, seriam realizadas reuniões preparatórias com entidades jurídicas do Estado e advogados da Mineradora Vale. Os encontros ocorreram na 3ª vice-presidência. As partes tiveram que elaborar minuta com os valores das indenizações, os projetos de recuperação das áreas atingidas e os prazos das obras. Além disso, valores serão depositados em juízo para gerenciamento das indenizações e a prorrogação do auxílio emergencial até janeiro de 2021.
17 de dezembro – Na 4ª audiência foram discutidos três pontos propostos. Houve consenso relativo à manutenção dos acordos individuais de indenização firmados pela Defensoria Pública e pela Vale para ressarcimento de atingidos pelo rompimento da barragem. Outros dois itens não foram acordados.
Ano 2021
7 de janeiro – Foi realizada nova reunião preparatório para andamento das discussões. O encontro ocorreu sob a presidência do Cejusc de 2º grau, quando foram obtidos novos avanços e marcada nova audiência de conciliação.
21 de janeiro – Durante audiência para tentar fechar a minuta do acordo ficou definido um prazo de mais oito dias para definição dos valores previstos para o ressarcimento. Ficou acertado que na próxima audiência, caso não houvesse acordo, o processo retornaria à 1ª instância.
29 de janeiro – O presidente do TJMG, Gilson Lemes, atendeu pedido da Vale S.A. e concedeu prazo de mais 15 dias no processo de mediação entre a Vale e o Estado de Minas. Ele acatou também a prorrogação do auxílio emergencial pago pela Vale aos atingidos até o dia 28 de fevereiro.
1º de fevereiro – Antes do vencimento do novo prazo para o acordo, o presidente Gilson Lemes conduziu nova reunião preparatória de mediação entre as partes: Vale S.A e Estado de Minas Gerais
Processos:
5010709-36.2019.8.13.0024; 5026408-67.2019.813.0024; 5044954-73.2019.8.13.0024; 5087481-40.2019.8.13.0024.
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