Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus, mesmo, se vier, que venha armado.
João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas
“O todo poderoso/ É aquele que domina a terra/ E nesse inferno/ Se Deus vier que venha armado!”
Pavilhão 9
“Mas nesse Natal, era tanta tensão que até o menino Jesus, prevenido, desceu armado. Lá foi ele gingando, a pele preta, olhar duro e sorriso compreensivo, meigo. Tava pronto para ser crucificado, mas antes levaria uns dez bandidos pra casa. Dimas era só o começo.”
Minha janela é um portal. Por ela eu contato mundos além do meu cômodo, que é quarto e escritório – às vezes ninho de amor, onde um pássaro mudo pousa e vai me alertando a temperatura da vida. Ele me explica o quanto de fogo é preciso para que uma panela exploda, vazia.
Na quebrada, o passarinho me disse, tem panela vazia e gente de saco cheio. Até o papai Noel encheu o saco e saiu chutando portas, gritando com os filhos e distribuindo socos em qualquer ser que lhe olhasse meio torto. Esse aí eu mesmo ouvi. Nem precisei do meu amigo pássaro, um pouco fofoqueiro, me contar.
No dia seguinte, o bom velhinho sumiu. Disseram que, no debate, seu argumento não coube.
Mas nesse Natal, era tanta tensão que até o menino Jesus, prevenido, desceu armado. Lá foi ele gingando, a pele preta, olhar duro e sorriso compreensivo, meigo. Tava pronto para ser crucificado, mas antes levaria uns dez bandidos pra casa. Dimas era só o começo.
O passarinho me contou que havia ódio e um breve alívio misturado com corote, cocaína e crack. Que quando essa brisa passasse era vizinha brigando a torto e a direito, porque seu sapato virou bolsa e as calcinhas desapareceram do varal.
Também, no Natal, teve pólvora. Ela assustou os cães, os gatos e os ratos cinzentos que vinham caçando brechas pra comer nossos olhos e carne de ave barata – a que faltou o ano todo. Mas que, no Natal teve.
Então as pessoas beberam, fumaram, comeram, namoraram e se lembraram de desligar as panelas de pressão.
Só o pobre do papai Noel é que se deu mal, porque até o menino Jesus foi bem recebido nos lares.
Ele comeu, bebeu, dançou e, ao raiar do dia, guardou sua peça e se mocozou no barraco da tia.
Dormiu até a quaresma acabar.