Indo contra a Constituição Federal Brasileira, o Projeto de Lei 490/2007, elaborado pela bancada ruralista, propõe que a demarcação das terras indígenas seja feita através de leis. Além disso, o projeto também prevê a abertura das terras indígenas para o garimpo que está destruindo cada vez mais a Amazônia Brasileira.
Por Martha Raquel, do Brasil de Fato
O artigo 231 da Constituição reconhece que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Em coletiva de imprensa com lideranças indígenas de Roraima que estão em Brasília para se manifestar contra a investida anti-indígena, a deputada federal e coordenadora da Frente Parlamentar Indígena, Joenia Wapichana, lembrou que os direitos indígenas sobre suas terras são cláusula pétrea da Constituição e que, portanto, não pode ser alterados por interesses individuais.
:: Vacinados, indígenas seguem atos em Brasília contra ameaças à demarcação de terras ::
“O PL vai trazer uma mudança significativa em termos de demarcação de terras indígenas. Não somente o texto original do projeto, mas o substitutivo que foi apresentado pelo relator Arthur Oliveira Maia (DEM-BA)”, explica.
Segundo a parlamentar, o novo texto traz uma série de questões novas, como os condicionantes do caso da Raposa Serra do Sol e a questão do Marco Temporal.
“O próprio texto do PL 490 ele já inclui o texto do Marco Temporal que está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal. Eu diria que, sim, é uma prioridade hoje rejeitar esse PL 490 que tá em trâmite”.
O texto do relator pode ser considerado inconstitucional, já que tem a pretensão de mudar a Constituição no que diz respeito ao direito do usufruto exclusivo da terra em relação aos povos indígenas.
Projeto guarda-chuva
O PL 490 abrange diversos pontos considerados um retrocesso para as populações indígenas, como por exemplo o Marco Temporal e a tentativa de regularizar a mineração, apensados dentro do PL 490.
“Quando se coloca em votação o Projeto Lei e se considera o texto substitutivo que o relator apresenta, que muda totalmente, também se coloca em votação os que estão em anexo, e os textos que estão apensados – que muitas vezes não são analisados e tratam de matérias totalmente inconstitucionais, como a questão da posse e usufruto”, explica a deputada federal.
:: Garimpeiros atacam ônibus de indígenas de terra invadida e impedem viagem a Brasília ::
O PL pretende instituir o Marco Temporal via legislativo. “O Projeto traz uma série de questões de flexibilizar a posse em relação à terra, esse marco temporal descarta qualquer possibilidade de alguns povos que têm questionado via judicial, via administrativo”, explica Wapichana.
Mais de 20 Projetos de Leis estão apensados dentro do PL 490. Para a parlamentar, o risco é “aprovar tudo num bolo só”.
Por que agora?
“Por que a pressa? De quem é a pressa? Quem tá querendo colocar um projeto pra retaliar os direitos dos povos indígenas num momento de pandemia? A quem interessa?”, questiona a deputada.
“Aos povos indígenas não interessa. A nós interessa concluir as demarcações de terras indígenas, interessa segurança, fiscalização, interessa retirar os garimpeiros, invasores e madeireiros que estão atacando as terras indígenas continuamente”, finaliza.
“Estamos aqui porque não temos mais escolha”
Cerca de 450 lideranças indígenas, de 25 povos de todas as regiões do país, estão em Brasília para acompanhar os rumos da política que envolve seus direitos duramente conquistados nos últimos anos.
No acampamento “Levante Pela Terra”, a palavra de ordem é de resistência. As manifestações diárias pelo fim da agenda anti-indígena no Congresso denunciam o genocídio do povo indígena.
Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), alerta para os riscos que o PL 490 trará para essa população.
:: Número de familias indígenas afetadas por invasões quadruplica sob governo Bolsonaro ::
“O projeto permite que o governo tire da posse de povos indígenas áreas oficializadas há décadas, escancara as Terras Indígenas a empreendimentos predatórios, como o garimpo, e, na prática, vai inviabilizar as demarcações, totalmente paralisadas pelo governo Bolsonaro”.
“Dissemos que voltaríamos com vida, ou daríamos nossa vida pelo nosso povo. E hoje esse dia chegou! Estamos aqui porque não temos mais escolha”, afirma o coordenador da Apib.
Os indígenas se manifestaram de forma pacifica em frente ao Ministério da Justiça. Uma delegação foi recebida pela equipe ministerial para audiência, onde cobraram a demarcação dos territórios, a retirada dos invasores e pediram a demissão do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier.
Em audiência no Ministério da Justiça, lideranças indígenas cobraram a demarcação dos territórios, a retirada dos invasores e pediram a demissão do presidente da Funai, Marcelo Xavier / Eryck Marck / Mídia Índia
Projeto ainda não foi votado na CCJC
O projeto entrou em discussão nesta terça-feira (15), na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), mas não houve votação.
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL) fazia sua fala quando a sessão foi encerrada e marcada para a próxima quarta-feira (16), às 09h.
“O PL fere 15 legislações para garantir que não haja mais demarcações de terras indígenas, que passe pela Câmara dos Deputados a decisão de algo que é da Constituição Federal para inviabilizar. E, na verdade, propõe legalizar a mineração e o garimpo em terras indígenas, que é uma tentativa recorrente do governo de Jair genocida Bolsonaro”.
Edição: Leandro Melito
Veja também: 21 dias após ordem do STF, governo diz que enviará Força Nacional a terra indígena