Por Walter Falceta, especial para os Jornalistas Livres
Muita gente gabaritada já revelou e esmiuçou as razões da imprensa hegemônica (a Folha foi exceção) para esconder, minimizar ou deslegitimar o 29M, sucesso na luta contra o botinudo miliciano do Planalto. Os telejornais ignoraram os atos ou os noticiaram de maneira resumida, sisuda e desinteressada. Dois dos principais jornalões preferiram dissimular e construir manchetes derivadas de falsas relevâncias.
O Globo, por exemplo, inventou um reaquecimento da economia, baseado em recorte seletivo e ficção corporativa. O bizarro Estadão preferiu discorrer sobre home office em cidades turísticas.
O vetusto diário podia ter copiado recurso do passado remoto: oferecer receita de bolo ou poemas de Camões. Seria mais digno.
Cabe, no entanto, outra fundamental pergunta: diante de uma imprensa cafajeste, rendida a tubarões do mercado e historicamente complacente com o fascismo, que fazer?
No campo da militância jovem, seria prova de civilidade combativa erguer painéis gigantes com reproduções dessas capas diante dos bunkers da mídia hegemônica.
Mas nada de reproduzir com fidelidade. Que se apresente o delito com as devidas correções, como encontramos na postagem de Eliane Brum, ilustrada por recorte do “Libre Parole” do clã Mesquita. Alterações efetuadas no rabisco indignado de caneta Bic.
Boicote à grande mídia
Vale também um pedido modesto. Que as lideranças progressistas, no campo da política, da academia, das artes, do esporte e das lutas cidadãs se recusem a escrever colunas nesses veículos e, por fim, recusem-se a conceder entrevistas para seus funcionários.
Se a mídia bandida oligárquica sabota a luta democrática popular, por qual razão a sociedade organizada não pode dar o troco na mesma moeda?
Que as corporações imprensaleiras, historicamente penduradas nos ovos de governos corruptos e nos grandes conglomerados da delinquência econômica, sejam radicalmente canceladas, punidas e conduzidas à aniquilação por insolvência.
Não se solicita arroubo de vandalismo. Nada de pedra na janela, cocô na portaria ou tinta vermelha nas paredes. Basta tapar as torneiras que fornecem conteúdo intangível a essas redações.
Que a CUFA, os partidos progressistas, Caetano Veloso, Gilberto Gil, o professor batuta da USP, a pesquisadora talentosa da UFRJ, o padre legal, o cientista inovador, aquele clube popular, seu pequeno negócio, entre outros atores sociais, cancelem assinaturas, leituras e mesuras.
Que atendam telefonemas e expliquem a razão do silêncio perante as instituições que funcionam como inimigas do rito civilizatório.
Mídias alternativas
Ao mesmo tempo, é preciso desenvolver mídias alternativas, gerar escala de difusão, aprimorar a produção de conteúdos e trabalhar em rede para ampliar territórios de cobertura.
Essa conduta se autonomização da produção informativa deve ser organizada a partir das bases de movimentos, universidades, instituições, clubes, sindicatos, pequenas empresas e grupos de cidadãos.
Convém estabelecer pontes cruzadas de difusão em tempo real, um sistema digital de trocas informativas e hubs interligados de transmissão de notícias descontaminadas.
Fundamental é que essas redes descentralizadas tratem de tudo e de todos. Para ganhar audiências e furar a bolha, é necessário ampliar horizontes e abraçar a diversidade.
Não se pode resumir a pauta à política institucional. É preciso tratar de economia, pintura, afeto, sexualidade, culinária, sustentabilidade, artesanato, astronomia, esporte, saúde, música, cinema, cães e gatos, moda, trocas comerciais peer-to-peer ou B2B de micros e pequenos, dança, ambiente, combate ao machismo, luta antirracista, empenho antihomofóbico, história, serviços, clima, passeios e festas, literatura, educação e cultura digital.
Virar o jogo exige, primeiramente, o corte paulatino dos laços de dependência que nos prendem às capitanias hereditárias da mídia e seus provedores de conteúdos de alienação e manipulação de massas.
Ao mesmo tempo, é necessário constituir protagonismos de produção ativa, começando-se pela habilitação de agentes sociais nas tarefas cotidianas de comunicação.
É urgente, por exemplo, a formação de jovens repórteres, redatores, fotógrafos e cinegrafistas nas associações de bairro, nas torcidas, nas escolas e nos centros de convivência dos morros, quebradas e periferias.
A história da propriedade dos meios de produção é, também, a história do controle do meios de difusão noticiosa, instrumentos principais de poder nas sociedades contemporâneas.
A revolução digital, felizmente, já permite saltos na construção autônoma de redes informativas confiáveis, que desprezem a indústria oligopolista de falácias e contestem as narrativas destinadas a sustentar o poder do necrocapitalismo.
A mídia hegemônica hoje reproduz a alegoria da caverna de Platão. O que vemos ali não é a realidade, mas sombras propositalmente distorcidas dos acontecimentos. É preciso, pois, que a audiência se erga desse cárcere e encare os embusteiros da imprensa delinquente e seus parceiros corporativos.
É fácil? Não, não é. Impossível? De jeito nenhum! Como ensinava o companheiro Gramsci, “contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática”.