Em nota publicada na ADUSP (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo), na manhã desta sexta-feira (06.05.2021), ficou definido a reativação da Frente Parlamentar em Defesa das Instituições Públicas de Ensino, Pesquisa e Extensão de São Paulo na Assembleia Legislativa (Alesp). A Frente pretende acionar o Ministério Público (MP-SP) para questionar o governo do Estado sobre o alto número de cargos vagos e a falta de concursos para as carreiras de pesquisador científico nos institutos de pesquisa, além de convocar o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) a comparecer à Comissão de Educação e Cultura da Alesp para se manifestar sobre as reivindicações encaminhadas pelos bolsistas da agência. LEIA A INTEGRA DA NOTA.
NOTA DA ADUSP:
Reativar a Frente Parlamentar em Defesa das Instituições Públicas de Ensino, Pesquisa e Extensão de São Paulo na Assembleia Legislativa (Alesp), acionar o Ministério Público (MP-SP) para questionar o governo do Estado sobre o alto número de cargos vagos e a falta de concursos para as carreiras de pesquisador científico nos institutos de pesquisa e convocar o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) a comparecer à Comissão de Educação e Cultura da Alesp para se manifestar sobre as reivindicações encaminhadas pelos bolsistas da agência: esses são os encaminhamentos resultantes do ato solene em defesa da pesquisa científica em São Paulo, realizado de forma remota nesta segunda-feira (3/5) e organizado pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL).
A reunião de reativação da Frente Parlamentar foi agendada para a próxima quinta-feira (13/5), às 16h, em formato remoto.
As referências ao cotidiano de ataques protagonizados pelos governo estadual e federal às instituições estiveram presentes nas intervenções de todos as participantes. O professor Paulo Cesar Centoducatte, vice-presidente da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) e coordenador do Fórum das Seis, ressaltou que os ataques ocorrem há décadas, mas que o país vive no momento “uma crise sem precedentes em termos de cortes de verbas para ciência e tecnologia”.
Essas perdas estão concretizadas na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, sancionada com vetos por Jair Bolsonaro no dia 22/4. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) teve R$ 371,6 milhões vetados e outros R$ 372,3 milhões “contingenciados”, ou seja: bloqueados. Os cortes foram piores no Ministério da Educação: veto de R$ 1,18 bilhão e bloqueio de R$ 2,7 bilhões de recursos previstos para a pasta neste ano.
Além dos cortes, há outro grande tipo de ataque, afirmou Centoducatte: a privatização desses entes de pesquisa, assim como a privatização do conhecimento gerado por recursos públicos — até porque a pesquisa no Brasil é feita fundamentalmente nas instituições públicas. O avanço dos setores que defendem essas políticas muitas vezes conta com a colaboração dos próprios institutos e universidades, lamentou.
“Essa privatização, que sempre foi uma questão em pauta, ganhou força com a aprovação do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2016, que dá todo o arcabouço jurídico para esse tipo de coisa, permitindo por exemplo que laboratórios e departamentos dentro das universidades e dos institutos criem uma ‘Organização Social’ (OS) para gerir a pesquisa. Quem mora na cidade de São Paulo sabe o que as OS têm feito com o sistema de saúde”, ressaltou. “Infelizmente, o Marco Legal foi escrito por setores da academia, especialmente ligados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), à Academia Brasileira de Ciências (ABC) e às agências de fomento.”
No dia 30/4, a Adunicamp, a Adusp e outras entidades lançaram um manifesto pela ciência e tecnologia pública, que reafirma entre outros itens a necessidade de combater a privatização das universidades públicas e do conhecimento gerado a partir de financiamento público e a defesa da democracia e da liberdade de expressão nas universidades e institutos de pesquisa.
Pós-graduandos pedem prorrogação de bolsas da Fapesp
Marcos Rosa, doutorando em História na Unicamp e um dos organizadores de um coletivo de bolsistas da Fapesp que tem se articulado pelas mídias sociais, falou sobre as dificuldades dos pós-graduandos em continuar as suas pesquisas sem acesso a laboratórios, bibliotecas e arquivos, além dos problemas enfrentados por pais e mães de crianças pequenas que não estão frequentando creches nem escolas e também não podem ficar aos cuidados de outros familiares por conta dos riscos de contaminação pela Covid-19.
No dia 9/2, o grupo enviou uma carta à Fapesp solicitando prorrogação de doze meses para a entrega dos relatórios científicos dos bolsistas e renovação automática também por doze meses de todas as bolsas. De acordo com Rosa, até o momento a agência não se manifestou sobre o documento, o que motivou a proposta do deputado Giannazi de convocar à Alesp o presidente da Fapesp — o ex-reitor da USP M. A. Zago.
Nasser Ali Daghastanli, docente da Universidade Federal do ABC (UFABC), lembrou que a pesquisa científica é responsável pela busca de respostas e alternativas para enfrentar a pandemia da Covid-19. “Se permitimos esse ataque à ciência, estamos destruindo esse arcabouço que pode nos salvar”, disse.
Ressaltou que a maior riqueza que as instituições públicas dão ao Brasil é a formação de material humano, dimensão também ameaçada pelos cortes de bolsas para pós-graduação nas agências de fomento, e afirmou que uma das formas de atacar as universidades é “simplesmente abandoná-las e deixá-las sem recursos”.
Emerson Inácio, professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, enfatizou que as universidades públicas experimentaram nas últimas duas décadas um aumento do número de vagas e de programas de acesso por meio de cotas, mas a oferta de bolsas de Iniciação Científica vem caindo.
“Estamos comprometendo uma geração inteira de pesquisadores. Os alunos das classes mais pobres precisam dessas políticas de permanência, porque o ensino é gratuito, mas a alimentação, o transporte, os livros etc. não são. Uma bolsa de R$ 400 faz muita diferença”, disse.
Inácio defendeu ainda que é preciso combater as falsas concepções de que a pesquisa deve gerar lucro imediato e de que determinadas áreas do conhecimento não são ciência. Lembrou que as políticas públicas de inclusão no ensino superior tiveram grande impacto e partiram de iniciativas das ciências humanas.
A professora Luciene Cavalcante, supervisora de ensino na rede municipal de educação, abordou a greve sanitária dos profissionais das escolas em São Paulo, que já tem mais de 80 dias de duração. “A crise na educação é um projeto de poder. Isso se acentuou muito a partir de 2019, com Bolsonaro. A educação, a escola pública, seus profissionais e estudantes são o alvo preferencial desse governo, com ataques como assédio moral, perseguição ideológica e desqualificação do nosso papel”, afirmou.
Luciane reiterou a importância de resistir a esses ataques, mencionando como exemplo as grandes manifestações realizadas em 2019 contra os cortes de verbas da educação e contra o governo Bolsonaro.
Já o historiador Fernando Ribeiro, pós-doutorando na FFLCH, ressaltou que o aumento do número de pesquisadores e professores que procuram o pós-doc é um reflexo da falta de realização de concursos para docentes nas universidades públicas.
Último concurso para institutos públicos estaduais de pesquisa foi há 18 anos
A situação dos institutos estaduais de pesquisa foi abordada por João Paulo Feijão Teixeira, presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), que falou sobre as dificuldades provocadas pela falta de investimento do governo nas instituições. “Não há reposição de pessoal e existe defasagem salarial, evidenciada inclusive por salários diferentes para integrantes de mesmas funções e mesma carreira”, apontou. “Áreas vitais e importantes estão reduzidas e mesmo cessaram atividades por falta de pessoal. Com isso, perde-se conhecimento não codificado e também o acumulado.”
Os números atestam a gravidade do cenário. Os últimos concursos públicos para contratação de pessoal foram realizados em 2003. Nos últimos cinco anos, o total de pesquisadores científicos dos 19 institutos de pesquisa foi reduzido em 25%. O quadro de apoio à pesquisa tem 77% dos cargos vagos. Na área da agricultura, com a possibilidade de novas aposentadorias, pode haver uma redução de 41% dos pesquisadores em 2025 na comparação com 2019. “Isso afeta inclusive os institutos de saúde. O próprio Butantan, tão destacado no discurso governamental, tem 46% de cargos vagos. Hoje, um terço dos pesquisadores do instituto já tem condições de se aposentar”, afirmou.
Várias instituições públicas foram alvo da Lei Complementar 17.293/2020, resultante do PL 529/2020, aprovado por pequena margem na Alesp. O governo extinguiu, entre outros órgãos públicos, a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e o Instituto Florestal (IF), prevendo ainda a fusão do IF numa nova unidade administrativa com os institutos de Botânica e Geológico.
“Passados seis meses da promulgação da lei, ainda não se tem destinação para essas instituições e para os recursos humanos que lá atuam, desorganizando, desestimulando e desestruturando a pesquisa ambiental no Estado e as ações de saúde pública que eram conduzidas pela Sucen”, apontou Teixeira.
Mais de 350 entidades, parlamentares e docentes assinam moção contra desmonte
No dia 29/4, o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) encaminhou ofício ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acompanhado de moção assinada por 350 entidades ambientais, deputados estaduais e federais, vereadores, pesquisadores científicos e professores universitários, pedindo uma correção nos rumos da pesquisa ambiental no Estado. O objetivo da iniciativa é a manutenção integral das atividades de pesquisa científica e da identidade dos institutos de Botânica, Florestal e Geológico.
Na avaliação de Carlos Bocuhy, presidente do Proam, o “novo” instituto de pesquisa a ser criado pelo governo é “uma aventura administrativa que coloca em risco a qualidade ambiental do Estado de São Paulo, mirando as áreas protegidas apenas sob a ótica de possibilidades de negócios”.
“Na forma apresentada, [a nova unidade] causará a desestruturação da pesquisa científica ambiental no âmbito do Governo do Estado de São Paulo, ao transformar 52 Núcleos/Seções de Pesquisa em somente 4 Núcleos de Pesquisa, causando o desmantelamento da organização da administração da pesquisa, o que ocasionará, caso a proposta seja implantada, a total perda da identidade e a desestruturação completa das atividades de pesquisa, resultando em evidente retrocesso histórico e científico”, diz o ofício.
De acordo com o documento, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado (SIMA), responsável pela condução do processo, “não compreendeu que a pesquisa universitária é associada ao ensino e que os seus três institutos de pesquisa são voltados também ao manejo e à prática da conservação da natureza e serviços ecossistêmicos”.
“A própria SIMA tem origem na Comissão Geográfica e Geológica (CGG, 1886) e, consequentemente, nos institutos de pesquisa que encaminhou para a extinção. A exposição a possíveis danos ambientais e a história responderão rápida e inexoravelmente a esta imprevidência. A grande derrotada neste processo equivocado é a Ciência paulista”, prossegue o ofício.
A moção encaminhada pelo Proam a Doria recebeu a assinatura da(o)s seguintes docentes da USP: Yara Schaeffer-Novelli (IO), Alinka Lépine-Szily (IF), Sônia Maria Flores Gianesella (IEE), Ana Lúcia Brandimarte (IB), Marcos Sorrentino (Esalq), Gerardo Kuntschik (EACH), Flávia Noronha Dutra Ribeiro (EACH), Pedro Roberto Jacobi (IEE), Nabil Georges Bonduki (FAU), Miguel Trefaut Rodrigues (IB), Pedro Brancalion (Esalq), Ricardo Ribeiro Rodrigues (Esalq) e Erminia Maricato (FAU).