O governo do presidente Michel Temer (PMDB) ou não tem a confiança dos serviços de inteligência do Brasil – Forças Armadas, Polícia Federal (PF) e polícias militares – e, portanto, não está recebendo as informações corretas sobre a lógica que move a guerra das facções nas penitenciárias, ou não tem gente especializada para entender os dados que está recebendo.
Esta é a leitura que se faz das declarações feitas por Temer de que teria sido um “acidente pavoroso” o enfrentamento entre o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e a facção Família do Norte (FDN), braço do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, que resultou no massacre de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) de Manaus (AM).
Também esta é a impressão que se tem da declaração feita, dias depois do massacre de Manaus, pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, referindo-se à morte de 33 presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), em Boa Vista (RR):
– Não é aparentemente uma retaliação do PCC em relação à Família do Norte.
Os serviços de inteligência brasileiros sabem o que está acontecendo. Eles têm tradição e perfilam-se entre os melhores do mundo. Os dois últimos eventos que aconteceram no país – Copa do Mundo e as Olímpíadas – beneficiaram-nos com equipamentos, treinamentos e alianças com serviços de inteligência do mundo inteiro. O volume de informações que recebem diariamente sobre o que ocorre dentro dos presídios é enorme.
Em cada Estado da União existe um sistema de coleta de informes dos servidores penitenciários que abastecem com informações preciosas todo o sistema de inteligência brasileiro. Mais ainda: a maioria dos telefones celulares que estão nas mãos dos presos é grampeada pela polícia.
Há um fato que Temer e o ministro Moraes conhecem: o momento do sistema de segurança do Brasil é inédito devido ao atraso, ou parcelamento, dos salários de policiais e agentes penitenciários em vários Estados, como por exemplo no Rio de Janeiro, terra do CV e um dos maiores mercados consumidores de cocaína e maconha do país.
As drogas entram pelas fronteiras do Paraguai, da Bolívia e da Colômbia – o maior e mais bem estruturado fornecedor de cocaína do mundo.
A principal rota de entrada da droga colombiana no Brasil, o segundo mercado consumidor do mundo, é através de Boa Vista e Manaus, cidades estratégicas na geografia do tráfico.
O que está acontecendo atualmente na Colômbia foi o combustível para as matanças em Manaus e Boa Vista envolvendo o PCC, o CV e seu aliado FDN. É o que indicam fontes nos serviços de inteligência e também informações obtidas com pessoas que moram nas fronteiras, por onde, nas últimas três décadas, pelo menos de dois em dois anos circulo fazendo reportagens e escrevendo livros.
Os confrontos de Manaus e Boa Vista aconteceram porque o PCC e o CV estão envolvidos em uma corrida para ocupar o lugar no tráfico de cocaína das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que será desmantelada por conta da evolução do acordo de paz com governo colombiano. Hoje, todo produtor de cocaína e todo atacadista – aquele que vende a droga em grande quantidade – pagam pedágio para as Farc.
Em um primeiro momento, o desmantelamento das Farc trará o caos, porque seus soldados perderão a proteção da organização. Hoje, no mundo do crime, ninguém ataca alguém protegido pelas Farc porque sabe que o poder de resposta é imediato e arrasador. Se a organização deixar de existir, será cada um por si. É neste momento que os brasileiros entram em cena, ocupando o vazio deixado pela Farc. Isso será feito recrutando ex-combatentes ou simplesmente substituindo-os por outros.
As chances de as facções brasileiras serem aceitas pelos cartéis da Colômbia são boas porque elas representam o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo. Isso diminuiria sensivelmente um dos maiores riscos do tráfico, que é o transporte da droga.