Sobre a crise na UERJ

Ocupação e manifestação estudantil na UERJ - Fotos de Tomaz Silva

Por RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de História na UFBA

Ao longo das últimas semanas, vimos acontecer aquela que talvez tenha sido a maior crise em uma universidade pública brasileira desde a redemocratização. Sem o respaldo político da representação estudantil eleita, um grupo de estudantes ocupou o campus Maracanã da UERJ, paralisando as atividades. O motivo foi a insatisfação com mudanças na política de assistência estudantil promovidas pela administração da reitora Gulnar Azevedo e Silva. A ocupação terminou na sexta-feira, 20/9, com intervenção policial e depois de ordem judicial.

Primeiro, apresento informações e depois proponho uma análise da situação, pois a crise da UERJ diz bastante sobre aquele que, hoje, é o grande impasse das universidades públicas brasileiras.

Informação:

  • A crise começou depois que a reitoria alterou os critérios do auxílio emergencial que havia sido implementado pela gestão anterior, de Ricardo Lodi, durante a pandemia. O auxílio contemplava estudantes que ingressaram na universidade por ampla concorrência, ou seja, não eram cotistas, e tinham renda familiar per capta de 1,5 salário-mínimo. Um hipotético estudante beneficiado que está no limite da renda mínima exigida e que vive com mais duas pessoas na mesma casa, teria renda familiar total de R$ 6.300. Com a mudança estabelecida, o critério de renda mínima para ter acesso ao auxílio passou a ser 0,5 salário-mínimo.
  • Outra iniciativa que provocou a insatisfação em parte dos estudantes foi o fim do voucher alimentação, que poderia ser utilizado nos supermercados. As normas internas que regulam o benefício o limitam à vigência da pandemia e aos recursos orçamentários disponíveis. O voucher foi mantido nos campi que não contam com o serviço de restaurante universitário (RU), obedecendo o limite de 1,5 de renda familiar per capta.
  • Segundo o professor Daniel Pinha, pró-reitor de assistência estudantil, as medidas fazem parte de uma reconfiguração do conceito de assistência estudantil, com menor ênfase na transferência direta de renda para os estudantes e maior preocupação com o fortalecimento dos equipamentos universitários, visando estimular a presença da comunidade nos campi, algo afetado desde a pandemia.
  • No dia 19/9, a juíza Luciana Losada, da 13° Vara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, determinou a reintegração de posse, estabelecendo o prazo de 24 horas para a desocupação. Os manifestantes descumpriram a ordem judicial, o que provocou a necessidade da intervenção policial. Segundo as leis brasileiras, ninguém tem prerrogativa de desobedecer a ordem da Justiça. Qualquer tipo de discordância deve sempre ser apresentada na própria Justiça. Os membros da ocupação tinham advogados à sua disposição. Essas foram as informações, em estado bruto, com precisão jornalística. Agora, começo a análise. A crise na UERJ traz à luz do dia um impasse provocado pelo necessário e positivo movimento de ampliação do acesso às universidades públicas que começou no início deste século, durante os primeiros governos Lula. Políticas afirmativas (cotas); nas universidades federais, o vestibular tradicional foi substituído por um sistema de seleção unificado com base no ENEM; o REUNI, que aumentou o número de vagas, sobretudo em cursos noturnos. O resultado, necessário e positivo, insisto, foi a ampliação do acesso para setores até então excluídos.

Mas qual seria o impasse?

O impasse é provocado pelas demandas de proteção social que surgiram com a ampliação do acesso. Pessoas subalternizadas pela acumulação capitalista, afetadas pela precarização nas relações de trabalho, exigem que a universidade se responsabilize pela sua sobrevivência material, e muitas vezes de suas famílias também. As instituições foram assumindo essa responsabilidade, transformando-se em centros de assistência social, o que desconfigura a missão do sistema brasileiro de universidades públicas. Segundo a lei 9.394 de 1996, o objetivo das instituições públicas de ensino superior é oferecer, gratuitamente, ensino de excelência, pesquisa científica de ponta e atividade extensionista de impacto social.

A solução para o impasse seria a concentração da assistência social estudantil no governo federal, sob a competência do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, ou nos órgãos correspondentes no âmbito da administração estadual. O estudante comprovaria sua situação de vulnerabilidade e no momento da inscrição no ENEM, ou nos vestibulares das universidades estaduais. Os dados já seriam automaticamente transmitidos para a instância competente, que seria responsável por garantir a proteção social do estudante até o fim do curso.

Assim, seria possível distensionar o ambiente universitário, centralizando as demandas onde há orçamento para atendê-las, garantindo que as universidades tenham tranquilidade para cumprir sua função, tão importante para o desenvolvimento do país.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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