“Homem eu sou até debaixo de sua mulher… Seu vagabundo, macaco!”

Racismo e Misoginia: Empresário bolsonarista, de Marília-SP, xinga arquiteto negro de "macaco"

Por Franklim Peixinho

“...no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil.” (General Mourão) 

Nada de novo. Mais uma vez, desmorona o tal mito da democracia racial, diante de mais um caso de ataque racista a uma pessoa negra. A vítima foi o arquiteto Pedro Bonani, homem negro, morador da cidade de Marília/SP. Ele foi xingado de macaco e vagabundo pelo empresário Carlos Eduardo dos Reis, representante da empresa TDK Construções e Empreendimentos Ltda. O agressor também proferiu ataques misóginos contra a senhora Eliana Silva de Morais Bonani, mulher do agredido.

O caso

Pedro e a senhora Eliana adquiriram há dois anos um imóvel em Marília, junto à construtora TDK. Eles relatam que desde então enfrentam problemas estruturais com a instalação elétrica e infiltrações na casa, o que tem causado problemas de insalubridade e risco para a moradia de ambos no imóvel.









Apesar das reiteradas solicitações de reparos à construtora TDK, responsável pela construção do imóvel, representada por Carlos Eduardo dos Reis, nada foi realizado.

No último dia 5, Pedro Bonani enviou uma mensagem a Carlos Eduardo dos Reis. Ele cobrava providências sobre os reparos solicitados.

Carlos Eduardo recebeu a mensagem e respondeu por meio de áudio. Na resposta, fez ameaças de agressões físicas, ofensas racistas e ataques misóginos dirigidos a Eliana, que se encontra no quinto mês de gestação.

Clique aqui para ler na íntegra o post denúncia de Pedro Bonani no Facebook.

O que seria um possível problema imobiliário e jurídico, se transformou em mais um caso odioso de racismo e misoginia.

A desumanização da pessoa negra

O caso explicita, mais uma vez, o projeto colonial de desumanização do não branco por meio do racismo. Isto é, a destituição de humanidade ou a animalização da pessoa negra e indígena, negando-lhe à sua existência o imperativo da dignidade humana.

É a forma como a branquitude se move para tentar colocar o preto no suposto lugar que nos foi reservado desde a expansão colonial. O problema é que não combinaram com a gente esse “rolê”. Resistimos e sobrevivemos.

Segue o baile…

Aranha, Seu Jorge, Eddy Jr., Yago Mateus, Vinicius Jr e Pedro Bonani, são homens negros com trajetórias distintas pelo esporte, na música, no entretenimento humorístico ou na arquitetura. Todos sofreram a experiência de serem reduzidos em sua humanidade, entre rasgos raivosos e o racismo recreativo das arenas esportivas e casas de shows. Isso aconteceu quando foram xingados de “macaco”, por exemplo.

Sabemos que a branquitude europeia apropriou-se – roubou, em verdade – a nossa epistemologia, o legado filosófico, matemático, por exemplo, das civilizações africanas, como nos revela Cheikh Anta Diop.

Eles – os colonizadores brancos – empreenderam o apagamento de nossa identidade e cultura, pelo epistemicídio. Mas a nossa “caça” e retorno à ancestralidade resgatou e resgata a altivez do povo negro. Xingar de macaco é tentar apagar a identidade negra e ancestral de Pedro e de toda a população negra, como é o intento contínuo da branquitude.

Não surpreende

O comportamento deste empresário bolsonarista não revela nenhuma surpresa. É próprio dos extremistas de direita. Eles espelham-se na figura de seu “führer” intelectualmente apequenado e reverberam em mantra e ações as frases ditas por este:

“Nem aceitaria ser operado por um médico cotista."
"Não servem para nada, nem para procriadores servem mais", 
"O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas". 

O espanto

Daí o espanto e o questionamento: um preto pode questionar um branco, aliás, cobrar o que é devido?

Para o empresário bolsonarista, é melhor o “vagabundo”, “macaco” buscar o seu lugar e aguardar, quiçá um dia, a sua boa vontade.

“Você é o calheiro [1]?” – Pedro, como homem negro, relatou para o JL outras experiências do racismo estrutural vivido em sua profissão, quando, por exemplo, não associam que o mesmo é o arquiteto da obra, e sim os trabalhadores brancos que lhes são subordinados.

Este é cotidiano de toda pessoa preta, independentemente de seu status social ou formação acadêmica e profissional.

A retórica jurídica branca

O advogado do senhor Carlos Eduardo define este caso de racismo como “desentendimento passageiro, em razão de negócio imobiliário”.

E prossegue: “É um caso de retorção [2] . Em um domingo, ele estava trabalhando em um trator em propriedade da família. Recebeu mensagem em que foi atacado primeiro. É uma questão comercial em que ele recebeu um ataque pessoal e reagiu na emoção do momento e toda situação. Mas racista não. Isso ele nunca foi, nem perto disso”.

E por qual razão a vítima de racismo foi xingado de “macaco”?  Por que especificamente este adjetivo?

Para a advogada criminalista, militante feminista e antirracista, Valentine Oliveira:

“Não há dúvidas de que Pedro foi vítima do crime de injúria racial que, inclusive, após a sanção da Lei 14.523 de janeiro de 2023 foi equiparado ao crime de racismo, aumentando também a pena, que passou a ser de no mínimo dois e no máximo cinco anos.  Assim, os crimes de injúria racial praticados a partir de janeiro deste ano serão imprescritíveis e inafiançáveis”.

A atuação jurídica em uma sociedade racista como a brasileira, reflete o racismo estrutural presente na formação dos profissionais do direito. O poder Judiciário brasileiro é majoritariamente branco. Apenas 12,8% de magistradas e magistrados são negros. E, isso tem reflexos nas sentenças que envolvem questões raciais e pessoas pretas processadas.

Por outro lado, entendemos que a defesa do acusado é direito fundamental. Tal como a presunção de inocência. Contudo, negar a violência do racismo por argumentos sofistas ou paralogismos, se constitui numa perversa estratégia, dentro de uma retórica jurídica.   

Misoginia

E a misoginia? Semelhanças com a declaração “Jamais estupraria você, porque você não merece”, feita por Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados em 9 de dezembro de 2014, à deputada federal Maria do Rosário, são cotidianas.

Para a advogada feminista Valentine Oliveira:

 “Além de racistas, os ataques proferidos pelo empresário também têm um cunho misógino, já que tenta afirmar sua ‘virilidade’ falando que “é homem até debaixo de sua mulher”, ou seja, se refere a Eliane de forma desqualificadora, depreciativa e sexualizada. Falas com esta são corriqueiras, já que na cultura patriarcal as mulheres são vistas de forma objetificada e sexualizada”.

As camadas de opressão que se experimenta na vida pós-moderna não se dissociam da análise de raça, gênero e classe.

Neste caso, a ofensa racista foi carregada também de misoginia. O ódio que os extremistas de direita, fãs do “führer” dos trópicos e rachadinhas possuem contra as mulheres e sua existência enquanto pessoa.

Seguiremos lutando e denunciando.

[1] calheiro: Profissional que instala e confecciona calhas para escoamento de água na construção.

[2] retorção: Ato de contestar


Post denúncia de Pedro Bonani no Facebook

AMEAÇA E RACISMO

O que venho trazer a público é algo muito grave que ocorreu no domingo de ontem 5/2/2023, não somente por se tratar de uma ameaça pessoal mas também por uma falta de respeito a minha cor e todos que fazem parte da história de pretos no Brasil. Um dos meus sobrenomes é “NEGREIROS” e para quem entende de história sabe o peso que este nome tem em relação a história de escravidão que houve no Brasil.

Moro em uma casa que paguei via financiamento bancário e que apresenta diversas patologias, entre elas trincas nos muros dos fundos e laterais e infiltrações que danificam a elétrica como sendo os problemas mais graves.

Todos vocês sabem que minha esposa esta gravida de 5 meses e um dos requisitos de uma gestação saudável é que NÃO tenha nervoso/estresse durante este período.

Para evitar maiores problemas tentei contato inclusive com o seguro do Banco na qual possuo financiamento – ITAÚ o que afirmou que com base nos termos 618 do Código Civil Brasileiro: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de CINCO ANOS, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.” Prazo este do Código Civil que me impede de realizar reformar e que me impediu de conseguir qualquer benefício do seguro.

Após estar cansado de tentar contato com o responsável pela construtora (TDK Construções e Empreendimentos) na qual mantenho diálogo por mais de 1 ano e sem sucesso de reparos eficazes me alterei e falei via áudio ao responsável pela mesma, Carlos Eduardo dos Reis, que o mesmo era “muito enrolado” e que gostaria de evitar processos judiciais e resolver da melhor forma, também anexei fotos atualizadas da residência. Ainda no mesmo momento de textos escrevi “Seja homem e tenha caráter de botar a mão no bolso e arrumar tudo esses problemas”, quando disse a ele para que fosse homem estava mencionando em termos de responsabilidades porém isso foi suficiente pra eu ser ameaçado de briga na porta da minha própria casa, minha mulher desrespeitada e eu chamado de MACACO.

Ninguém merece passar por ameaça e ninguém tem o direito de ser xingado pela própria cor. O Sr. Eduardo ainda deixou claro que iria vir na “porta da minha casa me dar um pau”, é isso mesmo que você está lendo, além de me chamar de macaco, desrespeitar minha esposa grávida, o mesmo teve coragem de continuar me ameaçando.

Que esse texto sirva de alerta inclusive sobre a integridade física e moral, uma vez que o Sr. Eduardo sabe o endereço de minha residência.

Um B.O. já foi elaborado e minha advogada Sonia Maria Meirelles Aukar já está a par de toda a situação. RACISMO É CRIME, é inadmissível uma pessoa se prestar a um crime deste mesmo que no momento que passo de gestação de minha esposa.

. . . . . . . .

O autor Franklim Peixinho é negro, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad do Museo Social Argentino (2019), Doutorando em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal do Estado da Bahia (2021), Mestre em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano – UFRB (2014). Mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas (UFRB – 2019), pós-graduado em História e Cultura no Brasil (2017). Possui especialização em Ciências Criminais pela JUSPODIVM (2011), e em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá (2016). É bacharel em Direito pela Faculdade Baiana de Ciências (2009) e possui Licenciatura em História (2013) pela Fundação de Tecnologia e Ciências. Integra o Grupo de Pesquisa História e Memória da Educação Brasileira da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e o grupo de Pesquisa ”Quilombismo de Abdias Nascimento e Memórias da Plantação de Grada Kilomba” da Universidade Federal da Bahia. Professor e Coordenador pedagógico do projeto ”Brocano no ENEM” do Instituto Hori. Professor da disciplina “Drogadição e Toxicologia” do curso de formação de servidores prisionais da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado da Bahia. É coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Brasileira do Recôncavo.

. . . . .

Leia também

Gloria Maria: aquela “negrinha atrevida”

A cor do golpe

“A morte de Moïse a goles de refrigerante”

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS