As balas nunca são perdidas, e os alvos são sempre os mesmos

foto acervo pessoal

Os números confirmam que quem mais morre de arma de fogo é o povo negro

Eu deito e não durmo, aquele barulho das balas vêm na minha cabeça e eu só vejo a imagem dele morrendo.

Cris Dias, esposa de Wagner Alves assassinado

Em 2021 a chamada “abolição” da escravatura que está nos livros didáticos completa 133 anos. Nos mesmos livros , ela é contada como um ato magnânimo de uma princesa bondosa de ascendência europeia que foi influenciada pelo espírito libertário dos abolicionistas brancos.
Oculta-se, no entanto, as inúmeras revoltas, fugas em massa, os combatentes quilombos, e as incontáveis mobilizações, lutas e resistência do povo negro que derramou muito sangue. Também esquecem de citar a relevante necessidade de ampliação do capitalismo além do mundo europeu.
Não houve, após tal abolição nenhuma política pública que garantisse a integração do povo negro à sociedade, nada que garantisse a sobrevivência deste contingente de pessoas despejadas nas ruas. O regime escravocrata não estava abolido de fato, a desigualdade e o racismo continuam cravados na nossa sociedade.

Segundo a Atlas da Violência, as pessoas negras (pretas e pardas) representaram 75,7% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9, o que significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos. Da mesma forma, as mulheres negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando comparada à das mulheres não negras .

“Ninguém se preocupa porque é um preto a menos”

Cris Dias, esposa de Wagner
Wagner era tipo por todos como : uma pessoa que só fazia o bem
Ele era um homem pacifico, não matava uma barata, uma borboleta
” – relata a esposa que era parceira no trabalho
Foto: Fabiana Ribeiro

Wagner Luiz Alves, o “Jamaica”, integra o número dos corpos negros vitimados pela violência.


Wagner, de 37 anos, homem preto, nascido na periferia de Campinas superou os obstáculos dos jovens negros periféricos e conquistou duas graduações universitárias: Sistemas de Informação e Ciências da Computação. Foi servidor público do Tribunal Regional do Trabalho, artista visual, rapper, militante do movimento negro, pai Ogã da Casa Inzo Dià Musambu Kaiango M`Boti Ofulá.
“Jamaica” era afro-empreendedor, fundador da grife de moda afro Djumbo – Fortalece a Autoestima, com sua esposa Cristiane Dias, com a marca, que é precursora nesse segmento, recebeu vários prêmios de reconhecimento pelo trabalho de enaltecimento à cultura negra.
Wagner era pacifista, vegano, avesso ao cigarro e bebidas alcoólicas, encontrava nos livros e na leitura uma grande fonte para seu conhecimento e formação. Preocupava-se muito com a juventude e os corpos negros e lutava para que os jovens periféricos vencessem por meio a informação e formação. Foi esta preocupação com a juventude negra que o fez sair do isolamento social e dirigir-se – a convite de um grupo que pretendia formar uma ONG – ao espaço The Garden, na Rua Joseph Paul Julien Burlandy – Parque Gabriel, em Hortolândia, interior de São Paulo.
Wagner foi vítima de um brutal criminoso que disparou vários tiros em um grupo de pessoas que organizava uma ONG em Hortolândia em abril. Por volta de meio-dia, quando chegaram ao espaço. Lá Wagner e Cristiane, juntamente com Edna Lourenço e mais um integrante da ONG foram recebidos pelo dono do espaço, que ofereceu um almoço. Algumas pessoas já estavam no local, inclusive o homem nigeriano, que viria a ser mais tarde o assassino, acompanhado de sua esposa grávida.
Foi apresentado a Wagner, Cristiane e Edna como um mecânico da cidade de São Paulo e conhecido do dono do local. Após o almoço, o grupo com cerca de nove pessoas, entre elas uma criança de 5 anos, iniciou a reunião para formação da ONG que se estendeu por parte da tarde do sábado. O dono do espaço e uma participante, em determinado momento, se retiraram do local.
O então, apresentado como mecânico pelo proprietário do espaço, segundo relatos de Cristiane, esposa da vítima, se deslocava livremente pelo local com certa intimidade e fazendo algumas tarefas, como limpar a piscina ou então acesso ao local em que bebidas alcoólicas do espaço ficam guardadas.
Após o encerramento da reunião, membros da ONG propuseram que todos os presentes jantassem, aproveitando a comida que havia sobrado do almoço. As pessoas haviam terminado de comer quando o mecânico, que havia sumido por um tempo, entrou no local atirando, onde encontrava-se inclusive a sua esposa grávida. As pessoas correram, algumas se esconderam dentro do estabelecimento e outras correram para fora, incluindo Wagner, que foi atingido com um tiro, na frente do imóvel.

Wagner Alves, “Jamaica” recebendo premiação pelo reconhecido trabalho do casal que era afro empreendedores e promoviam ações de formação e empoderamento de jovens negros nas periferias. (acervo pessoal)

As investigações


O delegado titular de Hortolândia, João Jorge Ferreira da Silva,informou que as equipes do Setor de Investigações Gerais (Sig) da cidade estão trabalhando no caso. A polícia confirma que no local foram encontradas 12 munições calibre 38, entre cartuchos e já detonadas. Segundo a polícia, após balear os dois homens, matando um deles, o autor dos disparos deixou o local utilizando um veículo.

Cristiane Dias relata ” As pessoas perguntam como eu estou. Eu não estou, eu fico
Eu deito e não durmo, aquele barulho das balas vêm na minha cabeça e eu só vejo a imagem dele morrendo.
Será que estas balas estão perdidas? Ou são direcionadas a corpos como o do Wagner e o meu?”
Foto: Fabiana Ribeiro

A dor

A dor da família é grande, a companheira de Wagner com quem trabalhava junto na marca criada por eles, está na casa de familiares. Ela não consegue olhar para vazio que o seu companheiro deixou. “Nós sabemos que nossos corpos são alvos, mas quando acontece dentro da nossa casa é uma dor imensurável. É a dor da alma”.

Wagner e Cristiane eram casados há 18 anos, tinham um filho e uma neta.

Wagner, com esposa e filho em uma tradicional celebração da cultura de matriz africana , na cidade de Campinas (SP).

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Eles não tem mais desconforto em tentar nos eliminar. Esses racistas esyão incentivados pelo psicopata e genocida mor.

    Meus sentimentos pela perda desse grande companheiro, mas nos preparemos, pois conforme aqui no Rio com a chacina no jacarezinho encomendada pelo genocida ao governador, com a queima de arquivo de um policial, muitas tragédias nos espera para retirarmos esse promotor da barbárie do povo preto, indígenas e os pobres da periferia desse país.

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