Segundo turno em São Paulo pode estar nas mãos de Lula

Se Lula apoiar nos próximos dias a candidatura de Boulos, a força de seu nome e deste simbolismo da unidade das esquerdas em São Paulo garantiria, possivelmente, a esquerda no segundo turno
Foto de Ricardo Stuckert

Vi que Valter Pomar respondeu ao meu artiguinho sobre o envelhecimento do PT e, agora, responde ao apelo de Leonardo Boff para apoio ao Boulos (citando Lula). Decidi não polemizar com Pomar por dois motivos.

Rudá Ricci, cientista político e presidente do Instituto Cultiva

Primeiro, admiro Pomar. Eu o conheci muito jovem, nos seminários que o Vladimir organizava sobre a revolução russa e marxismo em uma sala, se não me engano, no Paraíso, na capital paulista. Ele já se revelava brilhante. Mas, há um segundo motivo para não desejar polemizar.

Minha intenção não é fazer ping-pong. Muito menos com dirigente do PT. Minha intenção era, com o artiguinho, motivar um debate sobre os erros do PT, já que a direção raquítica do partido interdita qualquer autocrítica por puro medo. Infelizmente, o PT vive sua maior crise.

Contudo, Valter Pomar parece ter decidido retrucar o apelo ou declaração de voto de Leonardo Boff. É louvável esta disposição de um líder como Pomar em polemizar com essas críticas que surgem a partir do desastre do desempenho eleitoral do PT em São Paulo.

Aqui, vale a pena uma breve observação sobre uma passagem do texto de Pomar. Diz, a certa altura: “Boff : seria “um gesto político generoso e amigo dos pobres e sem-teto apoiar a chapa BOULOS/ERUNDINA”. Pois é: de boas intenções o inferno está cheio. Se eu fosse apoiador de Boulos, eu pediria exatamente o oposto: que a candidatura Tatto continuasse na disputa, tirando votos principalmente de Russomano”.

Valter está muito pressionado. Daí apresentar um argumento tão frágil, o que não lhe é comum. Argumento frágil porque, primeiro, Russomanno está em queda e Boulos em ascensão. Em uma semana, tendem a estar em empate técnico ou muito próximo disso. Tendência, não prognóstico, que fique claro. Se ocorrer, a onda do voto útil deverá destruir de vez a candidatura do PT.
Aliás, foi este o movimento na eleição que elegeu Haddad como prefeito de São Paulo. Erundina, candidata do PSOL naquele pleito, chegou a se aproximar de 10% e, com o voto útil pregado pelo PT, desabou. A questão da desistência do PT não tem relação com Tatto, mas com Lula.

Se Lula apoiar nos próximos dias a candidatura de Boulos, a força de seu nome e deste simbolismo da unidade das esquerdas em São Paulo garantiria, possivelmente, a esquerda no segundo turno.
Para deixar claro, na minha leitura, seria algo ainda maior. Uma entrada de Lula, neste momento, na terra que o projetou no cenário nacional, alteraria o estado de letargia em que o PT se encontra. Não será o apoio de Lula e a desistência de Tatto que fará o PT menor. O maior partido da esquerda brasileira não depende de uma capital. A sinalização de Lula pode alterar este cenário de letargia interna, provocando um forte debate sobre mudança de perspectiva e atuação política do PT. Tal oxigenação pode levar o PT a ser novamente de esquerda. Porque seria uma aproximação do PT ao PSOL.

E é aí que tudo poderia ficar mais emocionante porque esta aproximação do PT à candidatura de Boulos também alteraria a composição interna do PSOL, fortalecendo a corrente de Ivan Valente, projetando Erundina. Estaria lançada a ponte para formarmos a “Geringonça” brasileira.

Já disse que quando Antônio Costa, líder do PS português, anunciou, em 2014, a aliança com o Bloco de Esquerda, eu estava em Portugal. E li os editoriais da grande imprensa, ironizando esta guinada à esquerda. Resultado: a aliança governa Portugal com muito sucesso.

Portanto, a eleição de São Paulo teria este condão de abrir janelas para a esquerda nacional. Alteraria o cenário de composição da centro-esquerda com o liberalismo e social-liberalismo. Algo que ocorreu com o PS português quando se aproximou do Bloco de Esquerda.

Ao PT, talvez, o momento doloroso tenha sido providencial. Era preciso uma chacoalhada para filiados e dirigentes perceberem as consequências de erros em série. Para retornarem ao ninho da esquerda.

Continuo admirando Valter Pomar. Sincero, honesto, comprometido e… fiel. Talvez, só falte a ele ser menos fiel ao PT atual e ser mais fiel à esquerda brasileira. Sendo mais fiel ao projeto da esquerda, ajudará imensamente seu partido.

Pomar pode ser uma liderança importante no “aggiornamento” tão necessário deste partido que ainda é o maior do sistema partidário brasileiro, mas que sangra nestas eleições não porque seja alvo de ataques externos. Sangra porque suas direções não sabem o que fazer.

Artigos relacionados de Rudá Ricci em 18 e 13/10:

PT ENVELHECEU

Por Rudá Ricci

O PT vive um paradoxo: tem, hoje, as piores direções de sua história, mas se mantém como principal partido do sistema político nacional. Para mim, um paradoxo que nasce do que denomino de neopetismo ou a geração que emerge à direção do PT (e de novos filiados) no pós-2002, ou seja, com o advento do lulismo. Gente que não vivenciou o período de adversidades e ataques da construção de um partido que se definiu socialista.

Em relação aos dirigentes neopetistas, seu perfil passou a ser pragmático, marcado pela lógica rebaixada do marketing (que não se propõe a disputar, mas meramente absorver o ideário popular, mesmo que contrário à linha partidária) e “parlamentarizada”. Por “parlamentarizada” me refiro à uma direção composta por quase exclusivamente deputados, em especial, federais. A prática parlamentar, como sabemos, é afeita a arroubos retóricos e práticas dóceis. Esta é a marca das direções petistas atuais.

Uma ilustração deste novo perfil de dirigente petista é a dos “gestores públicos”, com nítido perfil gerencialista, pouco afeto ao debate ideológico, como Fernando Haddad e Fernando Pimentel. Também envolve dirigentes protocolares, sem capacidade para qualificar o debate nacional ou aprofundar reflexões junto à militância, caso de Gleisi Hoffmann. A diferença com o perfil de dirigentes históricos como José Dirceu ou Genoíno, ou governantes petistas como Erundina é desconcertante.

O fato é que filiados e direções pós-2002 criaram uma lógica de retroalimentação: baixa exigência estratégica, foco no campo institucional, prioridade na consolidação da hegemonia no sistema partidário, criação de clima político de acomodação e baixo conflito, reforço das cúpulas.

O PT passou a declinar da identidade socialista. Da tradição de partido de massas, passou por uma transição para a noção de partido de quadros que, na medida em que se tornava um partido palatável, acabou se inclinando para ser um “partido de notáveis”.O personalismo e certo mandonismo forçaram o declínio dos mecanismos de participação das instâncias de base no processo de tomada de decisão partidária.

O encaixe pareceu perfeito porque liberou as direções para acordos de cúpula. As famosas análises de conjuntura que eram realizadas em diretórios municipais com participação frequente de dirigentes nacionais do PT, sumiram do mapa. Nem sombra da época em que os diretórios zonais e os núcleos profissionais tinham peso. Lembro do núcleo de historiadores petistas que lançou uma importante coletânea de discursos de Lula.

Toda esta trajetória de mudança de perfil, ideário e organização acelerou na segunda metade dos anos 1990. As campanhas nacionais de 1994 e 1998 mudaram completamente a ordem das coisas no interior do PT: cúpula e marketing desconstruíram as decisões coletivas.Ao se acomodar ao pensamento médio brasileiro – sem qualquer intenção de questioná-lo ou mesmo assumir um papel pedagógico da ação política – o PT ganhou em musculatura eleitoral, mas perdeu em termos de vigor criativo e empolgação.A base passou a ser menos exigente e mais idólatra. De sujeito da construção do PT, passou a ser objeto das manipulações marqueteiras.

Criou-se um encaixe entre cúpulas centralizadoras e de baixa capacidade de direção política e base pouco politizada e de alta passividade militante. Tudo favoreceu a entrada de propostas programáticas de tipo social-liberal (preocupação com políticas sociais e mercado).

O PT se tornou, de fato, o fiel do sistema partidário brasileiro. Explico: com alta desigualdade, o maior partido político brasileiro (escolhido como de sua preferência por 25% dos eleitores) se tornou um canal das demandas sociais organizadas.

O passado do PT e suas relações atávicas com pastorais sociais, intelectuais de esquerda, movimentos sociais nacionais, movimento sindical e ONGs progressistas criou o perfil institucional que dialoga com desvalidos.Uma das características desta mudança profunda no perfil das direções petistas é a acelerada transição para o que a literatura especializada denomina de “partido cartel”. Trata-se de partido que independe do eleitor ou da base social, vivendo dos recursos públicos. Em outras palavras, o partido cartel profissionaliza seus quadros a partir de cargos comissionados; alimenta seus prefeitos com emendas parlamentares ou conquista de convênios com o Estado; faz campanha com fundos eleitorais… enfim, a relação com a base social é efêmera.

Como já afirmei, a base petista (ou neopetista) que se forjou nos anos de gestão lulista se acomodou e até mesmo alimentou esta transformação do PT num partido tradicional. Com baixa formação política e acostumada com vitórias e o poder, passou a refutar todas críticas. Ao ouvirem a trajetória de mudança organizativa e de mecanismos internos de tomada de decisão no PT, os neopetistas acusam de saudosismo. O que levaria, assim, à extinção de todo estudo histórico. Outro argumento raso é que se não tivessem mudado, não venceriam eleições.O problema é que as derrotas eleitorais, para os neopetistas, não são fruto de erro de direção e escolhas partidárias, mas resultado de uma campanha de destruição da imagem do partido. A lógica circular vem empacando o PT: nada muda, nada deve mudar, se alguém tem que mudar é o mundo.Durkheim já havia nos ensinado como a solidariedade mecânica (de natureza grupal) é autorreferente. Fechada em relações afetivas e defensivas, qualquer crítica ao grupo ou membro do grupo cria um fechamento ainda maior dos seus membros. A bolha, enfim, é seu habitat.

Mas, mesmo assim, o PT se mantém como partido-líder ou partido-âncora do sistema partidário. Vejamos: Datafolha de 2017 indicava o PT como o de preferência de 21% dos eleitores. No ano passado, pesquisa do Atlas Política indicava se manter nesta posição (com 15%). Tendo 21% ou 15% da preferência dos eleitores brasileiros, o fato é que o segundo partido da preferência aparece com 5%. Mais: o PT é o único partido que, desde 1989, chegou no segundo turno (quando ocorreu) de todas eleições para Presidente da República.

Ainda mais: com Haddad – um candidato sem força eleitoral até mesmo na cidade em que foi prefeito – o PT venceu na maioria dos municípios brasileiros em 2018. Demonstrou, portanto, capilaridade e interiorização. Uma potência eleitoral consolidada.Assim, PT é o partido mais consolidado e enraizado do sistema partidário brasileiro. Sistema, é verdade, que vem demonstrando fortes rachaduras, com cada vez menor impacto junto ao eleitorado. Então, o que estaria acontecendo? Minha hipótese é: PT se acomodou.

Como um camaleão, de partido rebelde se tornou um partido da Ordem. O passado lhe confere um perfil aguerrido; os governos lulistas criaram a imagem de partido com preocupação social; mas, na sua definição estratégica, não é mais um partido da mudança social ou política.Acomodado, criou regras e controles internos que impedem a renovação de quadros e limitam drasticamente a disputa no seu interior. Daí ter se tornado mais um partido de “cabeça branca”.

Assim, PT se tornou a expressão viva do sistema partidário brasileiro. Um partido potente porque acomodado ao ideário conservador e pragmático de uma base eleitoral desconfiada e pouco exigente (que deseja sobreviver e se inserir numa sociedade profundamente desigual).Um alto dirigente petista me disse recentemente que percebe que PT tem garantido entre 20% e 30% dos votos nacionais. Tem força eleitoral, mas não gera mais paixões. Não é mais o partido da mudança. Esta é a minha tese.

Artigo de 13/10:

SOBRE A CANDIDATURA CAPENGA DE JILMAR TATTO

1) Eu conheço muito bem a cidade de São Paulo, como jornalista ou como militante de várias causas. E sei que o Partido dos Trabalhadores ainda é respeitado por muita gente.

2) As pesquisas recentes confirmam que é o partido preferido dos paulistanos, com 23% dos eleitores.

3) O resultado é ótimo, considerada a campanha de calúnias e difamações contra a legenda. Trata-se de um projeto articulado de desconstrução de imagem, iniciado há anos, com forte participação da mídia hegemônica.

4) Os tais 23% de base seriam o suficiente para, com algum esforço, botar a estrela no segundo turno das eleições municipais, mesmo com a parcela de 36% de antipetistas declarados.

5) Efetivamente, com a mensagem certa, a propaganda adequada e as melhores alianças, seria possível até mesmo vencer uma eleição na maior cidade do país.

6) A escolha partidária, no entanto, foi extremamente equivocada, e fará o partido encolher perigosamente na cidade. Pior, a votação minúscula do majoritário certamente vai reduzir a representação do partido da estrela na Câmara Municipal.

7) Há quem diga que é “democracia”, que é preciso respeitar a escolha interna do partido. Francamente, sistemas de escolha em partidos, movimentos e instituições nem sempre são efetivamente democráticos, ainda que tenham toda a pinta de serem.

8) Na verdade, as votações internas são realizadas por nichos de militantes fortemente ligados a mandatos e gabinetes. Pouco representam as ideias da maioria dos petistas, muitos hoje distantes da estrutura partidária. Gente com história de décadas no partido nem mesmo vota nesses processos internos.

9) Por quê? Porque faz muito tempo que a cartolagem do PT se contenta com esses simulacros de democracia interna. Muito mais gente deveria estar agregada a esses processos.

10) É preciso conversa de muro com o Seu Gervásio da Cidade Tiradentes, antigo militante do movimento por moradia, que botava bandeirinha do partido na janela desde 1982, mas que nunca se filiou à agremiação.

11) Ele é o cara que defende Lula no bar do Miltinho. O veterano Gervásio deveria ter participado da escolha do representante do partido. Sua voz, entretanto, não foi ouvida.

12) Não me venham, por favor, com esse papo de “ah, era só se filiar”. Nem como essa de “ah, mas essa gente não se mobiliza”. Esse papo, no caso, é de direita. Agregar à participação partidária é tarefa da militância estruturada de vanguarda, hoje presa em gabinetes, dialogando somente com os currais eleitorais já constituídos.

13) No debate, os outros candidatos se aproveitaram maldosamente do antipetismo. Atacaram o pobre Tatto com vigor. Ele, no entanto, aturdido, não teve competência para defender o valioso legado petista na cidade de São Paulo. Precisa de aulas de oratória e retórica.

14) Tatto quis se apresentar como gestor, citando repetidamente seu trabalho como secretário de Transportes. Meu Deus!!!! Foi justamente por isso que o PT perdeu tantos eleitores. De novo, pergunte ao Chicão da Hidráulica se ele morre de amores pelo cara que inviabilizou o uso de sua Pampa 1989.

15) Tatto – que até pode ser um bom sujeito – é um cara de “dentro” do partido, na hora em que precisávamos de um cara de “fora”, identificado com a rua. Havia, sim, essa opção nos quadros da legenda. Mais de uma, aliás.

16) Há quem diga que “ele tem voto” na periferia. Tem, mas em termos… A família tem um reduto eleitoral localizado, e só. Não é o suficiente para disputar uma eleição majoritária.

17) Lideranças importantes do partido foram reticentes em relação a Tatto. Ou se demoraram em demonstrar apoio ou foram efetivamente pouco enfáticas em suas declarações. O eleitor não é bobo e percebe. É improvável que revertam essa situação.

18) O candidato pode ainda obter alguns pontos, pois parte do eleitorado ainda não o conhece. Pode até cativar alguns petistas nesta fase final de campanha. Mas é pouco provável que passe perto do segundo turno.

19) O democratismo burocrático petista, razão do próprio declínio da legenda, cria um vazio no eleitorado progressista da cidade, posto que nem tantos se animam com as candidaturas de Guilherme Boulos e Orlando Silva. E todo mundo sabe que França é apenas um pragmático oportunista, que veleja ao sabor dos ventos.

20) É bobagem dizer que os petistas estão votando massivamente no psolista Boulos. Talvez um terço deles esteja, de fato. Outros muitos estão desencantados com a política. Talvez aleguem febre e nem apareçam para votar.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. SABEM . . . Eles Sabem . . . Eles não conseguem É PENSAR , Além dos Umbigos . . . !

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