Quem pode julgar o racismo? 

Renato Freitas é vereador em Curitiba, Paraná, filiado ao Partido dos Trabalhadores. Ele é acusado de “invadir uma igreja católica na cidade” durante protesto contra o racismo e a xenofobia, expressos nos assassinatos de Moïse Kabamgabi, espancado até a morte em um quiosque de praia, e de Durval Teófilo Filho, atingido por três tiros no condomínio onde morava, casos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro.

Essa é a notícia divulgada por veículos tradicionais de imprensa na capital paranaense, que alimenta um processo de cassação promovido pelo Conselho de Ética da Câmara Municipal, formado por parlamentares do PODEMOS, PV, PDT, NOVO, Democratas, MDB e PSD. 

Por isso, em meio a tantos acontecimentos nacionais e internacionais, fomos ouvir Renato, para que pudéssemos fugir de resumos tão rasos, como os até aqui publicados em jornais e mostrados na televisão. Afinal, a mídia independente, que se declara defensora de Direitos Humanos, objetiva ajudar você a tirar suas próprias conclusões sobre fatos, a partir da busca de evidências na fonte. Foi simples o que fizemos? Foi. Pois entendemos que qualquer jornalista interessado em assumir a sua missão em busca da verdade dos fatos o teria feito. 

A CAMINHADA

Em 2016, Renato Freitas realizou a sua primeira campanha eleitoral e foi eleito com 3.555 votos dos eleitores de Curitiba. Para isso investiu pouco mais de R$ 11 mil, uma bagatela, perto das campanhas milionárias dos poucos ricos curitibanos. 

Freitas foi morador de ocupação, é filho de diarista, estudou e tornou-se advogado. 

O jovem vereador negro cativa muitas pessoas com seu jeito de menino simples, mas que na Câmara tem incomodado outros parlamentares com a força de sua voz,  sempre com a verdade e o respeito acima de tudo, diferente daqueles do lado de lá. 

Não é a primeira vez que Renato Freitas sofre perseguição. 

https://www.instagram.com/p/CaPwWeRPkOH/

O CASO 

Abaixo, trazemos um vídeo que mostra objetivamente o que aconteceu. 

 

A cidade é Curitiba. Em 5 de fevereiro de 2022 foi realizado um ato em defesa e memória do congolês Moïse e de Durval, às 17h, na praça da Igreja do Rosário dos Pretos, com a entrada espontânea dos manifestantes na “Casa de Deus”, após a missa. Com isso, acontece a primeira e talvez a única repercussão positiva e antirracista, no jornal local às 19h, na mesma data.  Mas, no dia seguinte, dá-se início à veiculação de um vídeo nas redes sociais de grupos de extrema-direita. Obviamente que a conotação agora era extremamente negativa. 
 
Conversamos com Renato nas últimas semanas e achamos importante que você entenda o trâmite de processos de cassação de mandato na Câmara de Curitiba, com os fatos apurados, para, quem sabe, conseguirmos responder: quem pode julgar o racismo? 
 

Renato açoitado no Conselho de Ética 

A denúncia foi feita por um parlamentar e recebida pela mesa executiva da Câmara de Curitiba, que teve o prazo de cinco dias úteis para emitir a manifestação. A partir deste momento, houve a necessidade de esclarecimentos quanto à autoria ou materialidade do fato, e a Mesa enviou o processo ao Corregedor da Casa para instauração de uma sindicância. 

Sindicâncias são procedimentos prévios de investigação interna, que já nascem com natureza inquisitória, e no caso do vereador Renato Freitas, pelo contexto e detalhes dos fatos, um procedimento racista manejado por pessoas brancas em seus métodos colonizadores. 

Essa movimentação é sempre presidida pelo Corregedor da Câmara, para apurar qualquer fato, supostamente ilícito, que envolva um parlamentar. 

No regimento interno, sendo constatada infração ético-disciplinar, a mesa remeterá o processo ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Segundo os parlamentares que compõem o Conselho, houve infração. 

Se, porventura, essa Mesa não decidir por sindicância, o corregedor tem o prazo de cinco dias úteis para se manifestar previamente sobre a denúncia.  

Até aqui quase sem novidades. O que nos intriga é o fato dos regimentos internos das Casas Parlamentares do país, que de certa maneira, tendem a ser claros, ainda ofereçam a possibilidade para dúbias interpretações e, de cara,  já podemos questionar, em qual ponto desse parágrafo regimental o fato de Renato ter estado presente numa manifestação de rua, um direito democrático, e depois, de ter entrado na Igreja do Rosário dos Pretos e feito um discurso, após o término da missa, o torna vítima de uma caçada injustificável como essa? É uma verdadeira sessão de açoite. 

OS PERDÕES BRANCOS DA CÂMARA DE CURITIBA

Enquanto você lê esse texto, há parlamentares na mesma Casa acusados de crimes irreparáveis levando uma vida bem normal. Diferente de outros casos que vimos, na mesma Casa, parlamentares brancos foram absolvidos de casos de assédio sexual, rachadinha, peculato, e pasmem, racismo. 

Nas imagens abaixo veja quem foram os acusados e seus supostos crimes. 

Fonte: Parágrafo 2

Propomos a vocês uma reflexão: e se fossem brancos a entrar em uma igreja onde padre e fiéis fossem negros? E se fossem brancos a se manifestar? O clamor branco incomodaria tanto quanto o clamor negro? O exercício de empatia tem o poder de nos fazer enxergar a realidade sob outras perspectivas, por isso convidamos vocês a se colocarem no lugar do outro antes de chegar a uma conclusão. Por que não debater antes de atacar?”, desabafou Renato, recentemente, em suas redes sociais. 

O QUE JÁ ACONTECEU?

O presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, Dalton Borba (PDT), convocou reunião para organizar a equipe de parlamentares que julgam o vereador. Sim, quem julga Renato são seus próprios “colegas”. Neste caso, como relator, Sidnei Toaldo (Patriota), vice-relatora, Maria Letícia (PV), Noêmia Rocha (MDB), jornalista Márcio Barros (PSD), Sabino Picolo (DEM), Indiara Barbosa (NOVO), Toninho da Farmácia (DEM), Denian Couto (PODE). 

Renato Freitas teve 15 dias úteis para apresentar uma defesa prévia, que continha todas as provas, inclusive uma lista com nomes de testemunhas. Em 21 de março, Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, aconteceu uma nova reunião do Conselho de Ética que decidiu dar andamento ao processo de cassação. O relator Sidnei Toaldo (Patriota), autorizou que Renato levasse dez testemunhas para depor ao seu favor, o que condiz com a regra do regimento interno, descumprida anteriormente, no último processo do Conselho, da parlamentar Fabiane Rosa (PSD), acusada de rachadinha, que foi autorizada levar quarenta testemunhas,  que foram todas ouvidas.

Quem pode julgar o racismo? 

As testemunhas de Renato serão ouvidas no dia 28 de março. Ainda assim, a equipe de advogados do parlamentar pretende impugnar a decisão do relator sobre o número de depoentes a favor do parlamentar e exigir que sejam também ouvidas 40 testemunhas. Neste caso, cheio de detalhes bárbaros, seria uma forma menos vergonhosa da Câmara de Curitiba parar de manchar ainda mais a sua história, esquecendo a prática de dois pesos e duas medidas, que aqui está obviamente caracterizado como mais uma prática racista.

Assine o abaixo assinado em defesa do mandato do vereador Renato Freitas:

https://www.change.org/p/em-defesa-do-mandato-de-renato-freitas

Vereador Renato Freitas, do PT de Curitiba

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